Decifra-me ou devoro-te: “A Nova Política de Marina Silva”

25/09/2014
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

 

Quem assistiu a entrevista de Marina Silva hoje, dia 25 de setembro de 2014, no “Bom Dia Brasil” saiu com duas certezas: 1º) a Globo está apoiando qualquer candidato para derrubar o Governo de Dilma Rousseff; 2º) que Marina Silva possui o projeto mais reacionário que a política brasileira apresentou deste a primeira eleição pós Constituição de 1988.
 
Depois de o jornal ter virado palanque da Aécio Neves (PSDB), hoje esteve muito longe de realizar uma verdadeira entrevista com Marina (Rede-PSB). Não foi verificada, em nenhum momento, a truculência praticada por Miriam Leitão e seus companheiros contra Dilma. Aliás, na segunda-feira fiquei com a nítida impressão de que Miriam estava se preparando para ocupar os quadros da violenta polícia militar de Alckmin (PSDB), tamanha a raiva como tentava sair das cordas em que foi colocada pela atual Presidenta.
 
A economista da Rede Globo levou uma aula sobre questões básicas de economia, como a diferença essencial entre taxa de desemprego e taxa de ocupação. Se Miriam tivesse lido um manual dos primeiros anos dos cursos de economia não teria falado tanta bobagem, nem passado tamanha vergonha.
 
Miriam Leitão é uma economista ultrapassada, com constantes reproduções discursivas de “orelha de livro”. Não consegue olhar a atividade econômica como um processo, e funda o seu discurso numa “tabuada de teleprompt”. O seu maior problema é não consegue olhar o cenário da economia além dos folhetins do mercado financeiro. É o símbolo mais expressivo da vergonhosa e decadente análise econômica da Rede Globo de Televisão.
 
Mas o que chamou mais atenção não entrevista não foi a esperada passividade dos representantes da Rede Globo no Jornal. Afinal a empresa está numa cruzada de 12 anos contra o projeto de mudança da economia, situação esta agrava com a ameaça de uma execução fiscal de R$ 600 milhões de reais pela Receita Federal. Assim, da Globo não espero nada, tanto que não perco mais o meu tempo olhando a patética figura de William Bonner no Jornal Nacional.
 
Mas o que mais ficou evidente foi que Marina não utilizou nenhuma das máscaras apresentadas cotidianamente no debate com seus apoiadores, foi uma aberta defensora da independência do Banco Central, do modelo das privatizações, e do que eu entendo a mais forte comprovação da sua falta de comprometimento com uma política de desenvolvimento formada pela produção e pelo aumento do mercado interno, que é a restrição do crédito e da atuação dos bancos públicos.
 
Não foi apenas Neca Setúbal, dona do Itaú que ficou feliz, todos os financistas e especuladores mais reacionários do mercado financeiro devem ter pulado de alegria ao ouvir o pensamento da defensora da “nova política”. Acredito que Milton Friedman, pai da Escola de Chicago, deve ter saído da tumba para dar um beijo feliz na testa da sua mais fiel seguidora!
 
Por que pensar num Playboy egocêntrico como Aécio Neves, se a direita pode se sustentar apenas com a presença da ex-seringueira, ex-militante de esquerda, ex-ambientalista, Marina Silva?
 
Marina representa o que há de pior hoje na política brasileira, o niilismo vazio em relação às políticas sociais, uma correia de extensão agressiva do financismo internacional.
 
Mas vamos analisar o conjunto de informações repassadas pela candidata na sua entrevista.
 
Inicialmente precisamos explicar para todos os que ainda não entenderam, qual é a diferença entre a autonomia e a independência do Banco Central. Marina pratica constantemente e de forma intencional, a confusão dos conceitos. Isso favorece o seu caminho dúbio, que migra de um lado para outro como biruta de aeroporto.
 
Só que a dubiedade de Marina é aparente. Na prática ela segue uma sólida posição privatista e financista. Defende uma forte repressão do mercado consumidor, e propõe uma agenda regressiva em relação ao exercício da soberania pelo país tanto no território nacional, como no âmbito internacional.
 
Marina recoloca um defunto no horizonte da nossa Economia, o “acordo de livre comércio das Américas – ALCA”, ao propor o fim da agenda do MERCOSUL e a formalização de acordos bilaterais de comércio.
 
Quando o Brasil dá um passo decisivo na sua autoafirmação como potencial política e econômica através dos BRICS, Marina retroage para o seio da mãe pátria norte-americana, em toda a sua proposta de política internacional.
 
Com relação às diferenças entre autonomia e independência do Banco Central, podemos explica-las com um simples exemplo ilustrativo: O Brasil é um país independente; o Rio Grande do Sul, São Paulo e o Rio de Janeiro, são estados autônomos.
 
Ser independente significa não ter que responder diretamente a ninguém. Significa ser membro de Poder. Significa ter liberdade absoluta para fazer o que bem entender, sem considerar o conjunto da política econômica. Quando se fala em Banco Central a coisa é ainda pior, significa ser eleito pelos representantes do mercado financeiro, sem passar pelo sufrágio de cidadãos e cidadãs eleitores ou se submeter a qualquer mecanismo de controle recíproco.
 
Na proposta de Aécio e Marina, o Banco Central deixaria de ser uma autarquia com autonomia administrativa, para se transformar numa agência privada responsável por administrar a mercadoria mais importante do capitalismo, sem qual nenhuma transação pode ser realizada: “a moeda”.
 
Ao Estado caberá apenas o exercício do poder de polícia, da cobrança de impostos e de alguma coisa que não for privatizada. O domínio da economia será pleno do setor privado, explicitamente do mercado financeiro.
 
Se num regime como o nosso, onde prevalecem apenas Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, estes se submetem à lógica “dos freios e contrapesos” (criada por Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como Barão de Montesquieu), o Banco Central independente seria a materialização física de um quarto poder situado fora da estrutura do Estado, o “poder financeiro”.
 
Nos países onde existe Banco Central Independente, como nos Estados Unidos, o único contrapeso imposto ao Banco é o interesse do mercado financeiro. Isso quer dizer se os brasileiros elegerem qualquer Presidente, qualquer Deputado, ou qualquer Senador que, não poderão mudar o modelo econômico, não poderão controlar a política monetária, não poderão conter a taxa de juros ou realizar qualquer outra medida de peso na economia, sem receber anuência dos interesses privados do mercado.
 
Se a economia apresentar altíssimas taxas de desemprego e de pobreza, como na década de noventa, de nada adiantará a vontade de mudança da população, pois o Banco Central será controlado exclusivamente pelo mercado financeiro. Será a entrega plena da nossa soberania sobre a moeda.
 
Na verdade, o nosso Banco Central já é uma estrutura autônoma e, embora sendo uma autarquia, tem o mesmo poder de um Ministério. Só que o presidente do Banco Central é nomeado pelo Presidente da República, respondendo a este diretamente, e ao controle externo realizado pelo Congresso, pelo Tribunal de Contas da União, da sociedade civil organizada, e do Poder Judiciário.
 
No modelo proposto por Marina Silva e por Aécio Neves, o Banco Central deverá prestar contas ao Itaú (maior conglomerado financeiro privado da América Latina), ao britânico HSBC, ao espanhol Santander, ao norte-americano Citibank, dentre outros.
 
Como se observa, Marina propõe a retomada do processo de entrega da nossa atividade financeira ao mercado internacional como fez Fernando Henrique na época do PROER. Para quem não lembra e não conhece, o HSBC comprou um banco de capital nacional chamado Bamerindus, o Santander comprou outro, o Banco Real, assim diversas outras instituições financeiras de capital nacional passaram para o controle acionário de instituições financeiras internacionais.
 
A crise dos Bancos Nacionais tem origem nos remédios amargos do Plano Real, onde tivemos a manutenção artificial da paridade entre o real e o dólar, e um aumento sem precedentes da dívida pública para emissão de títulos para cobrir o rombo da paridade. Lembro que o volume de reservas internacionais era insignificante, motivo pelo qual o governo FHC lançou mão de uma enxurrada de títulos da dívida pública, elevando sobremaneira a taxa básica de juros.
 
Ao oferecer independência ao Banco Central, Marina também propõe a entrega da decisão do rumo da nossa economia a representantes financeiros de outros países. Nada mais ofensivo à soberania, e gritantemente inconstitucional.
 
E é exatamente por essa inconstitucionalidade que outra medida da política econômica de Marina Silva, tão grave como a primeira, passa quase imperceptível: a redução da atividade dos Bancos Públicos.
 
Marina apresentou a sua proposta na entrevista ao “Bom Dia Brasil”, e depois reiterou tal ideia ao ser questionada por Miriam Leitão.
 
No início do Governo Dilma, ocorreu uma ação bastante agressiva do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para baixar a taxa dos juros comerciais praticados no mercado. Tal medida simples evitou que o país ingressasse no caminho da estagnação econômica hoje dominante na Europa, na Argentina e nos Estados Unidos.
 
A baixa dos juros gerada pelos bancos públicos implicou num efeito cascata em toda a economia nacional, atingindo todo o sistema financeiro privado. Foi exatamente em razão desta estratégia que o Brasil possui, ainda, uma taxa básica de juros bem inferior a 12% ao ano. No período de livre fixação da taxa básica de remuneração do capital, como nos idos de FHC, tal índice já tinha extrapolado valores muito superiores a 20%, como aconteceu em outubro de 2002, antepenúltimo mês do mandado do Príncipe dos Sociólogos, quando a SELIC estava em 20,90%.
 
Isso quer dizer que com todo o ataque da imprensa e do mercado financeiro, e com a pregação do pessimismo pelos meios de comunicação, a taxa básica de juros, em todo o Governo Dilma, sempre esteve abaixo de 12% ao ano. Ainda é alta para os parâmetros que entendo como ideais, mas é a menor de toda a história desde a criação do COPOM.
 
Nem a crise da Grécia, nem a crise do Euro, nem a queda da atividade econômica chinesa resultaram numa elevação significativa da nossa taxa de juros. No primeiro apito de crise de fuga de capitais no mercado, durante o auge da onda de privatizações de FHC, na reunião do COPOM em 30 de outubro de 1997, a nossa taxa básica de juros atingiu o pico de 45,67%.
 
Isso quer dizer que o remédio amargo defendido por Aécio jamais foi necessário para controlar a inflação em todos os 12 anos de governos do PT. E tais índices não baixam mais por ainda porque sofremos uma excessiva dependência do mercado de capitais com a venda de títulos da dívida pública, dependência esta que somente será reduzida com uma Reforma Tributária.
 
Mas voltando a Marina Silva, o remédio amargo de Aécio ganha um grau de crueldade nunca antes visto. Quando a candidata “nova velha política” afirma que vai diminuir a atuação dos bancos públicos no mercado, ela manda dois recados aos especuladores: 1º) o Brasil vai instituir não apenas um câmbio livre, mas uma livre taxação do capital; 2º) uma nova onda de privatizações está á caminho.
 
Como é de conhecimento notório, Neca Setúbal, herdeira e principal acionista do Banco Itaú, e uma das principais apoiadoras de Marina Silva, já reclamou publicamente da baixíssima taxa de juros oferecida pelo BNDES para investimentos. Trata-se de um valor que não pode ser bancado por bancos privados, cuja base de capitais é a colheita de recursos no livre mercado de capitais e na bolsa de valores.
 
Mas é exatamente a baixíssima taxa de juros ofertada pelo BNDES que sustenta a política de investimentos da economia, o PAC, a indústria naval, o pré-sal, e uma série de projetos que alavancaram o crescimento da nossa economia. Pergunte a qualquer micro empresário se ele prefere o cartão BNDES ou um cartão do Itaú. Obviamente e o banco público leva vantagens.
 
O BNDES é o principal responsável pelo financiamento da modernização do nosso parque industrial, da grande maioria das obras de mobilidade urbana do PAC, do reaparelhamento técnico de empresas prestadoras de serviços, como transporte público e saneamento, por exemplo. Se os juros fossem elevados, teríamos uma gigantesca crise econômica e um endividamento sem precedentes do setor produtivo privado.
 
Também é o BNDES o principal vetor dos investimentos no segmento da energia, da modernização da máquina administrativa dos municípios, das hidrovias, da modernização de aeroportos, portos, dentre outros. Não se compra um caminhão um ônibus, ou maquinário para o setor produtivo, sem a presença das linhas de crédito do BNDES, como o Finame, por exemplo.
 
O Banco do Brasil tem uma carteira poderosa no microcrédito produtivo, que sustenta a giro de capital num grande número de micro e pequenas empresas geradoras de postos de trabalho, como uma fábrica de granola, salões de beleza ou uma simples loja para reparos e costuras em roupas. Também cabe ao Banco do Brasil o financiamento da atividade agropecuária, do PRONAF, e de uma série de outros setores que mantém a nossa economia em franca atividade.
 
Por fim, a Caixa Econômica Federal é a grande gestora da política habitacional no país. Não haveria “Minha Casa Minha Vida” sem o crédito derivado das aplicações do “Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS”. É a Caixa a principal responsável pelo fomento da nossa ativa construção civil, que ficou estagnada em toda a década de noventa.
 
Isso quer dizer que a nossa baixíssima taxa de desemprego e a continuidade da atividade econômica em diversos setores depende da atuação decisiva dos agentes financeiros públicos, especialmente no BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Sem eles, estariam na penúria produtiva dos anos noventa, ou dentro de uma crise econômica semelhante à vivida na Espanha, na Grécia, em Portugal, na Itália, e em dezenas de países que outorgaram a sua soberania financeira ao Banco Central Europeu.
 
Quando Marina afirma que vai diminuir a atividade dos Bancos Públicos, ela reanima o mercado financeiro que busca maior lucro com a redução da competividade imposta pelos agentes financeiros públicos.
 
Outro efeito paralelo do discurso irresponsável da candidata é a retração do crédito privado, esperando o retorno da orgia de uma taxa básica de juros superior a 20 % ao ano, como era na gestão de FHC. Com menos crédito, também temos menor giro do capital e redução do consumo.
 
Ao fim Marina deixa em aberto a possibilidade de venda do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para o setor privado. Agentes financeiros públicos menos ativos, são presas fáceis para a privatização, pois perdem a sua importância política estratégica.
 
Nesse sentido, uma eventual vitória de Marina Silva em 2015 terá resultado direto na paralisação da atividade econômica. Isto não é pregação do medo, como afirma a candidata de oposição, mas uma constatação científica obtida à partir do seu programa de governo.
 
Portanto, se você pretende adquirir uma casa nova, um carro novo, atualizar o seu parque industrial, melhorar as máquinas da sua fábrica, comprar novos veículos de transporte, ou investir na infraestrutura urbana, dentre outras, não vote em Marina Silva, muito menos na sua versão mais caricata (Aécio Neves).
 
Se mesmo assim, achares que este texto é exagerado, e não a uma analise racional de uma pessoa que estuda políticas públicas há mais de quinze anos, sugiro que antecipe seus investimentos para 2014. Depois só resta chorar…
 
25 set 2014
 
 
https://www.alainet.org/de/node/103723?language=en
America Latina en Movimiento - RSS abonnieren