Como as grandes potências se autodestróem
09/04/2002
- Opinión
Imannuel Wallerstein é professor de sociologia da Universidade de Yale
(EUA) e foi um dos primeiros a usar o termo globalização. Neste artigo
publicado originalmente pela inglesa The Observer, ele trata das falhas
na política externa estadunidense.
Em geopolítica, George W. Bush é um incompetente. Permitiu que um bando
de falcões o levasse a tomar a posição de invadir o Iraque. Uma posição
da qual não pode se livrar e que trará conseqüências negativas para
todos, mas em primeiro lugar para os próprios Estados Unidos, que
pagarão um custo político muito alto, talvez fatal. Tornará mais rápida
a diminuição de seu poder no mundo e contribuirá dramaticamente para a
destruição do Estado de Israel se continuar dando sinal verde aos que
defendem a linha dura nesse país. Ao que parece, há muitas pessoas que
ficariam felizes com tais cenários. O problema é que a guerra de Bush
destruirá muitas vidas de imediato e provocará no mundo árabe-muçulmano
uma tormenta de magnitudes imprevisíveis, talvez desencadeando o uso de
armas nucleares. Como chegamos a este beco sem saída? Nestes momentos,
a questão já não é se vai se atacar o Iraque ou não, mas trata-se mais
de decidir quem está pronto a levar a cabo a agressão. Por quê? Se
alguém pergunta aos porta-vozes do governo estadunidense, a razão é que
Bagdá está desafiando as resoluções das Nações Unidas e representa um
perigo iminente para o mundo em geral e para os Estados Unidos em
particular. O argumento para uma eventual ação militar é tão simplista
que dificilmente pode ser levada a sério. Nos últimos 50 anos, contam-
se aos montes as violações a resoluções da ONU e outros acordos
internacionais. Não é preciso muito esforço para lembrar que os Estados
Unidos se negaram a aceitar a decisão da Corte Internacional que o
condenava pelo ocorrido na Nicarágua. E o presidente Bush já deixou
muito claro que ignorará todo tratado que considerar perigoso para os
interesses de seu país. Israel contrariou as resoluções das Nações
Unidas durante mais de 30 anos e segue contrariando no preciso instante
em que escrevo este comentário. A história de outros países também
deixa muito a desejar nesse aspecto. Pois bem, efetivamente, Saddam
Hussein infringiu resoluções explícitas. Qual a novidade? Saddam
Hussein é uma ameaça iminente para alguém? Em agosto de 1990, o Iraque
invadiu o Kuwait. Essa ação específica ao menos representou uma ameaça.
A resposta foi a chamada guerra do Golfo Pérsico, na qual os
estadunidenses expulsaram os iraquianos do Kuwait e ali decidiram
encerrar sua missão. Hussein permaneceu no poder e a ONU aprovou uma
série de resoluções exigindo que Bagdá abandonasse seu arsenal de armas
nucleares, químicas e bacteriológicas, e enviou equipes de inspeção
para verificar seu cumprimento. O organismo mundial também impôs
embargos aos iraquianos. Como sabemos, mais de 10 anos depois a
situação de fato mudou, e o cerco aplicado foi debilitado
consideravelmente, ainda que não de todo. No dia 28 de março de 2002,
Iraque e Kuwait firmaram um acordo no qual Bagdá se compromete a
respeitar a soberania desse país. O ministro kuwaitiano de Relações
Exteriores, Sabah al-Ahmad al-Sabah, afirmou que estavam "cem por cento
satisfeitos". Ao ser questionado se seu governo concordava com todas as
cláusulas do convênio, Al-Sabah respondeu: "eu mesmo as redigi". Mesmo
assim, os estadunidenses se mostraram céticos. Washington não vai ser
convencido simplesmente porque os kuwaitianos "se sentem satisfeitos".
Quem é o Kuwait para que dê as cartas nesse assunto? Os linha dura de
Washington supõem que só o uso da força, uma força muito significativa,
poderá restabelecer a hegemonia estadunidense no sistema mundial. Sem
dúvida, isto contribui para a sua supremacia. Foi assim que, em 1945,
os Estados Unidos adquiriram status de potência hegemônica. Mas usar
essa força quando as condições da dita superioridade estão diminuindo é
um sinal de esgotamento, mais que de forca, e debilita quem a utiliza.
É evidente que, no momento em que nos encontramos, nada sustenta uma
invasão estadunidense no Iraque: nenhum país árabe, nem Turquia, nem
Irã nem Paquistão; tampouco as nações européias. A notável exceção é a
Grã- Bretanha, ou melhor, Tony Blair. Mas isso causou problemas em
casa: há um descontentamento crescente no Partido Trabalhista; mais
importante ainda, o diário The Observer de 17 de março diz que "os
líderes militares da Grã Bretanha advertiram seriamente o primeiro
ministro que qualquer guerra contra o Iraque está destinada ao fracasso
e provocará perda de vidas, sendo que o benefício político será magro".
Realmente duvido que os líderes militares dos Estados Unidos não opinem
o mesmo, ainda que, provavelmente, sejam mais receosos ao falar de
forma clara e direta ao presidente. Keneth Pollack, a pessoa
encarregada do tema do Iraque no Conselho de Segurança Nacional durante
o governo Clinton, diz que para a operação são necessários cerca de 300
mil soldados estadunidenses, presumivelmente os que se encontram nas
bases da Arábia Saudita ou do Kuwait; outros mais serão necessários
para defender a população curda no norte do Iraque, estes viriam da
Turquia ou usariam o espaço aéreo dessa nação. Aparentemente, os
Estados Unidos se apóia na política de intimidar seus "aliados" para
que se unam à sua aventura. Após a ocupação de Ramallah por Sharon, a
esperança de dispor das bases sauditas (ou kuwaitianas) parece mais
remota do que nunca. Claramente a Turquia não quer defender os curdos
do Iraque, o que teria como principal conseqüência fortalecer o
movimento destes em seu país, contra o qual tem concentrado todos seus
esforços. No que diz respeito a Israel, Sharon parece estar disposto a
reocupar a Cisjordânia e Gaza e destruir a Autoridade Nacional
Palestina tão rápido quanto possível. E Bush o apóia 99 por cento. Se
isso é correto, então haverá uma invasão que será difícil de ganhar,
senão impossível; a perda de muitas vidas (sobretudo, vidas de
estadunidenses) e, eventualmente, uma retirada das tropas de Estados
Unidos. Um segundo Vietnã. Bush enfrenta um dilema que ele mesmo se
impôs. Se não se invade o Iraque se autodestruirá, como Lyndon Johnson;
ou será humilhado, como Richard Nixon. E o fracasso dos Estados Unidos
dará aos europeus a vantagem de pertencer a esse continente e não ser
transatlânticos. Então, por que fazê-lo? Porque Bush prometeu ao povo
estadunidense "empreender uma guerra contra o terrorismo", que
"seguramente venceremos". Até agora, o único objetivo alcançado é a
queda do regime talibã. Não se capturou Osama Bin Laden. O Paquistão
está em dúvida. Arábia Saudita marca distância. Se o Iraque não for
invadido, Bush cairá como um tonto frente ao que mais importa: ante os
olhos dos eleitores estadunidenses. E é isto o que dizem, seus
conselheiros. A popularidade incrivelmente alta de Bush é o de um
"presidente em guerra". No minuto em que se mostra como um mandatário
de tempos de paz estará em graves problemas, antes de tudo devido ao
fracasso das promessas que fez em momentos de guerra. Desta forma, ele
não tem opção. Os Estados Unidos invadirão o Iraque. E todos sentiremos
as conseqüências.
https://www.alainet.org/de/node/106128
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