Decretos de Natal
13/12/2002
- Opinión
Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar presentes, nos
faremos presentes junto aos famintos, carentes e excluídos. Papai
Noel será malhado como Judas e, lacradas as chaminés, abriremos
corações e portas à chegada salvífica do Menino Jesus.
Por trazer a muitos mais constrangimentos que alegrias, fica
decretado que o Natal não mais nos travestirá no que não somos: neste
verão escaldante, arrancaremos da árvore de Natal todos os algodões
de falsas neves; trocaremos nozes e castanhas por frutas tropicais;
renas e trenós por carroças repletas de alimentos não perecíveis; e
se algum Papai Noel sobrar por aí, que apareça de bermuda e chinelas.
Fica decretado que, cartas de crianças, só as endereçadas ao Menino
Jesus, como a do Lucas, que escreveu convencido de que Caim e Abel
não teriam brigado se dormissem em quartos separados; propôs ao
Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós vivermos para
sempre; e, ao ver o presépio, prometeu enviar seu agasalho ao filho
desnudo de Maria e José.
Fica decretado que as crianças, em vez de brinquedos e bolas,
pedirão bênçãos e graças, abrindo seus corações para destinar aos
pobres todo o supérfluo que entulha armários e gavetas. A sobra de um
é a necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus.
Fica decretado que, pelo menos um dia, desligaremos toda a
parafernália eletrônica, inclusive o telefone e, recolhidos à
solidão, faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, lá onde
habita Aquele que, distinto de nós, funda a nossa verdadeira
identidade. Entregues à meditação, fecharemos os olhos para ver
melhor.
Fica decretado que, despidas de pudores, as famílias farão ao menos
um momento de oração, lerão um texto bíblico, agradecendo ao Pai de
Amor o dom da vida, as alegrias do ano que finda, e até dores que
exacerbam a emoção sem que se possa entender com a razão. Finita, a
vida é um rio que sabe ter o mar como destino, mas jamais quantas
curvas, cachoeiras e pedras haverá de encontrar em seu percurso.
Fica decretado que arrancaremos a espada das mãos de Herodes e
nenhuma criança será mais condenada ao trabalho precoce, violentada,
surrada ou humilhada. Todas terão direito à ternura e à alegria, à
saúde e à escola, ao pão e à paz, ao sonho e à beleza.
Fica decretado que, nos locais de trabalho, as festas de fim de ano
terão o dobro de seus custo convertido em cestas básicas a famílias
carentes. E será considerado grave pecado abrir uma bebida de valor
superior ao salário mensal do empregado que a serve.
Como Deus não tem religião, fica decretado que nenhum fiel
considerará a sua mais perfeita que a do outro, nem fará rastejar a
sua língua, qual serpente venenosa, nas trilhas da injúria e da
perfídia. O Menino do presépio veio para todos, indistintamente, e
não há como professar o "Pai Nosso" se o pão também não for nosso,
mas privilégio da minoria abastada.
Fica decretado que toda dieta se reverterá em benefício do prato
vazio de quem tem fome, e que ninguém dará ao outro um presente
embrulhado em bajulação ou escusas intenções. O tempo gasto em fazer
laços seja muito inferior ao dedicado a dar abraços.
Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afeto e,
dispostos a renascer com o Menino, trataremos de sepultar iras e
invejas, amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso coração
seja acolhedor como a manjedoura de Belém.
Fica decretado que, como os reis magos, todos daremos um voto de
confiança à estrela, para que ela conduza este país a dias melhores.
Não buscaremos o nosso próprio interesse, mas o da maioria, sobretudo
dos que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da cidade e,
como uma família sem-terra, obrigados a ocupar um pasto, onde brilhou
a esperança.
* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Domenico de Masi e José
Ernesto Bologna, de "Diálogos Criativos" (DeLeitura), entre outros
livros.
https://www.alainet.org/de/node/106745?language=es
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