Desafios ao governo Lula

18/12/2002
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A eleição de Lula à presidência da República ainda não significa a consagração da democracia brasileira. Não será o governo do povo. Mas dará um grande passo ao aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas se for um governo para o povo. Em nossa história republicana, as raras ocasiões em que as classes subalternas tiveram benefícios reais, como nos governos Vargas e JK, foram em decorrência de reordenamentos conjunturais, como a substituição das importações (2ª Guerra Mundial; implantação da indústria automobilística; construção de Brasília etc.), que favoreceram a indústria nacional e, por tabela, os trabalhadores. Nunca tivemos um governo que assumisse, como prioridade de sua pauta política, a questão social. Aliás, esta sempre foi tratada como um derivativo de primeira-dama. Lula deixou claro, no programa de governo e na campanha eleitoral, que a sua administração terá como prioridade o combate à fome e ao desemprego, mediante reformas tributária, agrária, previdenciária, trabalhista e política. Os dados sociais do país são estarrecedores: 54 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza; 80 milhões sem condições de consumir, a cada dia, as 2.000 calorias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde; 119 milhões com renda mensal inferior a três salários mínimos; a renda dos 50% mais pobres da população coincide com a de 1% mais ricos; 1% dos proprietários rurais detém 44% das áreas cultiváveis etc. Há quem pergunte: com que recursos Lula pretende atenuar a exclusão social? A resposta talvez seja negativa se a premissa for equivocada ­ a de que Lula ocuparia a cadeira presidencial sem alterar a gramática do poder. Ora, não se trata de mera substituição de pessoas. Trata-se de uma inversão de métodos e objetivos, estilos e critérios. Ainda que Lula não possa alterar a natureza do poder ­ a estrutura burguesa do Estado, a lógica capitalista etc. -, certamente será outro o caráter do governo. E isso implica redimensionar desde os recursos financeiros disponíveis no orçamento federal ao modo de administrar o país. Um outro desafio ao governo Lula será assegurar a governabilidade com o apoio do Congresso Nacional mas, também, dos movimentos sociais, dos quais ele é resultado. É a rede desses movimentos, com profunda capilaridade no território nacional, que garantirá a aplicação efetiva dos projetos sociais, como o Fome Zero. O exercício do poder no Brasil sempre foi um jogo entre amigos, à base de favorecimentos e barganhas, acertos corporativistas e privilégios. Isso muda com um governo que manterá canais abertos com os movimentos sociais, porá o "pé na estrada" e favorecerá o fortalecimento e a representatividade da sociedade civil organizada. O gesto afetivo de quem gosta de abraçar o povo se traduzirá em vínculos efetivos com as classes subalternas. Talvez o maior desafio externo sejam as relações com o governo Bush, envolvendo a Alca; a integração dos países do Continente (incluindo o boqueio dos EUA a Cuba); o fortalecimento do Mercosul; e o caráter belicista da política exterior da Casa Branca. Isso exigirá do governo Lula uma política exterior agressiva, tanto do ponto de vista econômico, com a ampliação das exportações brasileiras, quanto político, estreitando laços com as nações européias e resgatando a histórica coesão dos países não-alinhados que configuram o chamado Terceiro Mundo. * Frei Betto é escritor e autor, em parceria com Domenico de Masi e José Ernesto Bologna, de "Diálogos Criativos" (DeLeitura), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/106782?language=es
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