Gosto de uva

23/07/2003
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O segredo é simples: tudo o que se procura se esconde atrás do ego. Chegar lá é tão difícil quanto viajar pela Amazônia sem impregnar-se de umidade. No entanto, uma força misteriosa atrai todo ser vivente. Porque todo ser aspira livrar-se do duplo de si mesmo e encontrar sua unidade mais plena num outro. É o que chamam de amor. No âmago da alma reside essa irresistível vontade de escancarar a verdade a respeito de si mesmo, ainda que sua luz queime olhos alheios. Mas só os loucos o conseguem, pois não arcam com o peso desse intricado labirinto de conveniências sociais que vão das relações de parentesco às promoções profissionais. Não correm atrás de suas máscaras. Ousam extrapolar o conceito. E se abraçassem a lógica formal diriam que a razão é a imperfeição da inteligência. Em Assis, em plena praça, o jovem Francisco despiu-se e partiu resoluto ao encontro de si mesmo naquele Outro que o habitava. Ficou nu para agasalhar-se por dentro. Mas, hoje, somos invadidos por toda essa gama de coisas estranhas a nós mesmos ­ mercadorias supérfluas, grifes, status, parafernália eletrônica - e que, entretanto, julgamos tão familiares, e até necessárias, assim como na guerra os moradores da aldeia acostumam-se com os aviões militares que arranham seus telhados. A vida tem gosto de uva: tão doce, sempre breve e acaroçada, deixa sede. Mesmo quando se mergulha do outro lado de si mesmo, lá onde se encontra a fonte de água viva. Faça como o piloto perdido fora da rota: prepare-se para o pouso imprevisto, desligue as turbinas, apague as luzes, corte a eletricidade, mantenha o trem de aterrissagem recolhido e deixe-se acolher pelo chão, que é sempre mais firme do que todas as idéias que pululam em sua cabeça. Não tema o real. Adequada a ele, a inteligência encontra a verdade. Solte o corpo. Relaxe no imponderável que o povoa por dentro, pois no coração humano a ausência de gravidade é idêntica à do espaço sideral. Amarre todas as idéias e pensamentos e imagens e recordações, quais velas de um barco em plena ventania, em torno do mastro firme do plexo solar. Navegue à deriva, pois Aquele que sopra onde quer saberá como conduzi-lo. Quando os olhos estiverem cegos e o cérebro apaziguado, haverá muito silêncio. Então, a Voz se fará ouvir. E a felicidade o inundará como a água da enchente que sobe mansamente, irrefreável, para submergir a casa e tornar os alicerces tão flexíveis quanto os ramos de um igarapé. Imponderável, você experimentará o sabor do êxtase. E descobrirá que a fé é uma virtude da inteligência. * Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Maria Stella Libanio Christo, de "Fogãozinho ­ culinária em histórias infantis" (Mercuryo), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/107961?language=es
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