O 'ethos' que integra

21/08/2003
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
A ética é da ordem da prática e não da teoria. Por isso são importantes as figuras exemplares que viveram biograficamente o 'ethos' humano. Para nós no Ocidente, a figura de maior transparência é Francisco de Assis, considerado "o último cristão". Orientou sua vida não pelo modelo imperial de Igreja vigente, mas pela experiência evangélica, resgatando, o vigor do paleocristianismo, o cristianismo das origens. Nele se integram as várias vertentes éticas que consideramos durante várias semanas. Nele surpreendemos o ethos que procura. De família rica, procurou com extrema intensidade, primeiro ser herói de cavalaria, depois monge beneditino, por fim penitente. Insatisfeito, escolhe a "via da simplicidade", pois "Deus me revelou que fosse "um novo louco no mundo"(novellus pazzus). É louco face aos sistemas que abandona mas não face o novo que inaugura. Fez-se consoante seu primeiro biógrafo, Tomás de Celano, "um homem de um novo século". É um representante singular do ethos que ama. Saia pelos bosque a chorar até se lhe incharem os olhos: "o Amor não é amado, o Amor não é amado". Resgatou o amor telúrico, à Terra, a cada ser da criação, à mulher amada, Clara. Seu lema é "Deus meus et omnia" "meu Deus e todas as coisas". Deus não quer que amemos só ele mas a todos. Viveu exemplarmente o ethos que cuida. Cuidava das abelhas no inverno para que não morresem de fome, cuidava em libertar os passarinhos das gaiolas. Pedia até que seus companheiros cuidassem, num canto do jardim, das ervas daninhas, porque do seu jeito elas também louvam a Deus. É um arquétipo do ethos que se compadece. Foi morar no meio dos hansenianos, beijava-os e dava-lhes comida na boca, dividia tudo com os pobres, até a roupa do corpo e compadecia-se de suas próprias dores, chamando-as de irmãs e à morte de irmã morte. Testemunhou o ethos que se solidariza. É paupérrimo mas quer que se dê tudo ao irmão doente, rompe o jejum rigoroso para ser solidário com o campanheiro que grita de noite "morro de fome", na cruzada se solidariza com os "irmãos maometanos" e ao vai ao encontro do sultão. Por fim, mostrou concretamente o ethos que se responsabiliza. Face às guerras entre os burgos, instaura a "legatio pacis" o movimento pela paz, reconciliando as partes. Proibe aos companheiros de usarem armas, dinheiro e títulos, fontes de conflitos. Renuncia a todas as funções, continuando leigo, para ficar junto do povo e dos pobres. Quer uma fraternidade sócio-cósmica a partir dos últimos. O ethos franciscano integra tudo. Confraterniza-se com tudo e faz deste mundo a morada benfazeja do ser humano(ethos). A expressão suprema deste 'ethos' se encontra no admirável "Cântico ao Irmão Sol". Nele não temos a ver só com um discurso poético-religioso sobre as coisas. Elas servem de vestimenta para um discurso mais profundo, aquele do Inconsciente que chegou ao seu Centro, ao Mistério interior, de ternura, que integra todas as coisas. A ética se transfigura, então, em mística, experiência abissal do Ser. Assim como uma estrela não brilha sem aura, assim também uma ética não ganha vigência sem uma visão mística e encantada do mundo, onde a Terra e o Céu e todos os elementos que surgem do casamento entre eles se transformam em valor, em sinal de um mundo de bondade. * Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/de/node/108164
America Latina en Movimiento - RSS abonnieren