Ações globais dos movimentos sociais

19/11/2003
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É uma grande alegria e uma honra estar convidado a participar desta Conferência que encerra o I Fórum Social Brasileiro. Sou um ex-preso político do tempo da ditadura militar. Fui preso e torturado, e a pressão da família, de amigos, das igrejas e da Anistia Internacional ajudou na minha libertação. É importante que vocês ouçam isto, porque esta parte recente da História do Brasil parece enterrada, mas não deve ser esquecida, sobretudo pela juventude desse país. Durante quatro anos trabalhei com o Professor Paulo Freire em Genebra. Colaboramos na construção dos programas de educação de jovens e adultos da Guiné Bissau e do Cabo Verde, logo depois da libertação do jugo colonial português. Trabalhei como economista do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, e como consultor do Governo Sandinista da Nicarágua. Retornei ao Brasil em 1982 e, desde então, tenho trabalhado a serviço dos movimentos sociais e populares do Brasil e de outros países da América Latina e do mundo. Neste Fórum está sendo lançado o meu livro mais recente, "Humanizar o Infra-Humano: A Formação do Ser Humano Integral – Homo evolutivo, Práxis e Economia Solidária", pela Editora Vozes. Nele estão elaboradas muitas das reflexões que vou compartilhar com vocês agora. O Mineirinho, na sua forma circular, conosco aqui reunidos, forma uma grande Mandala. Nossa mandala é um círculo de vida e energia, que reproduz no microcosmo as energias e a vibração da Terra e do Universo. Nós aqui reunidos no I FSB somos movimento social. Somos mulheres, homens, crianças, sobretudo jovens, trabalhadores manuais e intelectuais, empreendedores da economia solidária, crentes em que um outro mundo é possível porque outra Humanidade é possível, e muitos de nós crentes na Energia Essencial que move o Universo e o coração da vida. Convido cada uma e cada um de vocês a chamarmos as gentes que compõem os movimentos sociais de ontem e de hoje para dentro da nossa mandala: Chamemos OS MORTOS E OS DESAPARECIDOS DA DITADURA MILITAR, e de todas as ditaduras. Eles contribuíram com sua luta e sacrifício para que a justiça e a liberdade estejam mais perto e a chama da esperança continue acesa nos nossos corações. Chamemos AS MULHERES TRABALHADORAS do Brasil e do mundo, que sofrem discriminação, opressão e violência em casa, no trabalho, na sociedade; que hoje se organizam para lutar por condições de vida, de trabalho e de dignidade iguais às do homem; que lutam por uma economia em que a consciência egológica do homem ceda o lugar à consciência ecológica da mulher, transformando a economia na arte de gerir e cuidar da casa, das várias casas que habitamos, desde o nosso corpo até o Planeta e o Cosmos. Chamemos AS CRIANÇAS E OS JOVENS DO BRASIL E DO MUNDO, que são vítimas inocentes da exploração e da exclusão, de um sistema de relações que as reduz a simples mercadoria - como a tudo e a todos – na busca febril de acumular riquezas do Ter às custas da riqueza do Ser e da Mãe Natureza. O sofrimento delas é sinal de que nossa civilização está profundamente enferma e não se sustentará por muito mais tempo. No Brasil, no Peru, na Índia e noutras partes elas estão organizadas, trabalham de forma associativa e lutam pelos seus direitos. O recado delas é: se quiserem erradicar o trabalho infantil, lutem para erradicar a pobreza que está na sua raiz. Chamemos AS TRABALHADORAS E TRABALHADORES DO CAMPO, organizados em associações, sindicatos, movimentos como o MST e a Via Campesina, que lutam pela Reforma Agrária ampla e abrangente, capaz de replantar no campo a população rural em condições dignas de vida e trabalho; que lutam também contra os produtos transgênicos e a política que ameaça a segurança alimentar e a soberania da Nação, e favorece o monopólio de grandes empresas transnacionais sobre as sementes, a biodiversidade e, quem sabe um dia, a biomassa que tende a tornar-se a principal fonte energética do mundo num futuro próximo. Chamemos AS TRABALHADORAS E TRABALHADORES URBANOS, manuais e intelectuais, empregados, autogestionários, excluídos, que lutam no Brasil, na América Latina e no mundo, inclusive nos países ricos, contra o modelo neoliberal que gera sempre mais desigualdade entre classes sociais, povos e hemisférios; que é responsável pelo "crescimento sem emprego", por uma revolução tecnológica e informática desordenada, voltada para o enriquecimento dos ricos e pela ilusão de que estamos nesta terra para competir e para consumir sem limites, e nada mais. No campo e nas cidades se expande hoje a consciência de que o paradigma neoliberal do capital fracassou e precisa ser rejeitado por toda a Humanidade. Multiplicam-se no Brasil e no mundo as iniciativas cooperativas e associativas autogestionárias, que estão se propondo construir uma economia pós- capitalista fundada no trabalho emancipado, na noção de desenvolvimento econômico e tecnológico como meio para o desenvolvimento social e humano, na cooperação, na solidariedade, na partilha e na alegria. Estes são os MOVIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA. Chamemos AS EDUCADORAS E EDUCADORES DO BRASIL E DO MUNDO, que trabalham pela construção de uma educação libertadora, voltada para o empoderamento das suas educandas e educandos para que se tornem sujeitos do seu próprio desenvolvimento e da educação individual e coletiva de si próprios e da sociedade. Nossa luta hoje em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade é parte integrante do projeto de uma Nação livre e soberana. Essa educação pode ser viabilizada por uma política fiscal que recolha mais tributos dos ricos e financie os serviços a que o povo tem direito, em vez de continuar enriquecendo apenas os credores das dívidas externa e interna. Chamemos OS POVOS INDÍGENAS, OS NEGROS E OUTROS POVOS sofridos, perseguidos, subvalorizados, da América Latina e do mundo, que lutam e se organizam contra o pensamento único da raça que se considera a única e a superior. Eles lutam pelo respeito e a valorização da diversidade individual, social e cultural, pelo direito à vida, à Mãe Terra e às formas próprias de organização, de relação e de saber. Deles temos a aprender o amor à Natureza e os valores da partilha e da solidariedade. Chamemos OS MIGRANTES, que são arrancados da sua Mátria pela necessidade econômica ou pela perseguição política ou étnica e, neste exílio, sofrem perseguição e discriminação e privação de seus direitos humanos e cidadãos. Eles hoje fazem parte da luta global pela justiça e pela paz. Chamemos OS CONSUMIDORES E CONSUMIDORAS ORGANIZADAS do Brasil e do mundo, que lutam pela superação do paradigma do consumismo, do excesso, da escassez, do desperdício e pela introdução de modos de vida e consumo éticos, solidários e sustentáveis. A eles o mérito de alertarem o mundo para os limites dos recursos da Terra, para a necessidade de uma revolução na maneira de nos relacionarmos com nossas necessidades e ambições e com a Natureza. É tempo de transformar a economia da escassez e do excesso dominada pelo capital em economia da abundância e do suficiente, da frugalidade e da simplicidade. Esta é a única economia sustentável e libertadora dos potenciais superiores dos seres humanos. Esta é a economia da partilha do pão, A ECONOMIA DO COMPANHEIRISMO (esta palavra vem do latim cum+panis, partilha do pão com o outro). Chamemos AS PESSOAS DE FÉ do Brasil e do mundo, incluindo as pastorais, o movimento ecumênico, os que se dedicam ao sentir com o Outro, ao sofrer e até morrer com o Outro, ao servir ao Outro, os que anunciam nas suas vidas que uma Humanidade altruísta e amorosa é possível. Chamemos OS LUTADORES E LUTADORAS CONTRA O IMPÉRIO e as várias formas de opressão, as dívidas financeiras, a militarização, a ALCA, a ingerência do Banco Mundial, do FMI, do BID, dos capitais especulativos, dos grandes grupos transnacionais, da OMC. A Campanha Jubileu Sul promove no Brasil a campanha contra a renovação ou um novo acordo do Brasil com o FMI e propõe a imediata realização de uma auditoria pública das dívidas financeiras, que servirá de base para uma renegociação soberana das dívidas capaz de quebrar o círculo vicioso e fatal do endividamento ou, no caso de fracasso dela, a moratória. As Campanhas Nacional e Continental contra a ALCA articulam ações para pressionar nossos governos a não assinarem nem negociarem este acordo predatório e destruidor da soberania dos nossos povos e do direito a um projeto próprio de desenvolvimento dos nossos países. No Brasil, dia 3/10/2004, esperamos estar realizando o plebiscito oficial sobre a ALCA, aproveitando a ocasião das eleições municipais no País. Estamos convocando vocês para, nos seus estados, pressionarem seus deputados e senadores para que aprovem o Projeto de Lei do Senador Roberto Saturnino, n. 71-2001, que propõe um plebiscito sobre o adiamento do acordo da ALCA por 20 anos. Temos que agir depressa, pois a votação dele ocorrerá no máximo em abril do ano que vem. O plebiscito virá dizer ao governo Lula o que o povo brasileiro pensa da ALCA. Será um momento de educação da população sobre um projeto que visa subordinar o Brasil e o Continente aos grupos econômicos e financeiros norte-americanos. O governo Lula pode articular outros países da América Latina e Caribe para saírem das negociações, pois elas já comprometem nossos países, e para formar um bloco de integração que vá além dos mercados e solidarize os povos do Continente. Também convocamos vocês para o dia 21 de novembro de 2003, último dia da reunião dos Ministros que negociam a ALCA em Miami. Este vai ser um dia de mobilização continental contra a ALCA. Todos nós que estamos aqui nesta grande mandala, neste momento, estamos todos unidos num movimento "sem cabeça", porque é um movimento de muitas cabeças e muitos corações. Ele começou sendo chamado antiglobalização pela mídia nacional e internacional. Mas hoje é mais conhecido como movimento alterglobalização, por uma globalização da VIDA, por uma globalização da COOPERAÇÃO E DA SOLIDARIEDADE, que supere a globalização da Morte que é a globalização do capital. Olhando para dentro da nossa mandala percebemos que somos muitos mais do que os que estamos aqui reunidos. Somos MILHÕES e juntos temos uma força invencível, uma força capaz de contaminar os sem- esperança e romper e superar o paradigma individualista e opressor, que chamo de paradigma do EU-SEM-TU, EU-SEM-NÓS, e de superar o outro paradigma, do NÓS-SEM-EU, que promove o coletivo à custa da anulação da Pessoa e que resulta em totalitarismo disfarçado de participação. Juntos, somos capazes de construir a massa crítica capaz de fazer predominar no mundo o paradigma do EU-E-TU, EU-E-NÓS, EU-CONTIGO, EU-CONOSCO. Temos diante de nós um duplo desafio. Primeiro, derrotar as estruturas e relações de alienação e opressão dentro e fora de nós. Segundo, inaugurar na prática do nosso dia-a-dia esse outro paradigma e construir assim, cotidianamente, a NOVA MULHER, O NOVO HOMEM E A NOVA CRIANÇA, capazes de ser sujeitos dos seus direitos e do seu desenvolvimento, capazes de submeter o Estado e toda instituição de governança ao seu objetivo último, que é servir ao povo, à Nação e à Humanidade. * Marcos Arruda é economista e educador do PACS – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Rio de Janeiro) -, da Campanha Jubileu Sul, da Campanha Nacional contra a ALCA, Palestra na Conferência de Encerramento Fórum Social Brasileiro, Estádio Mineirinho – 9/11/2003
https://www.alainet.org/de/node/108853
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