Um não em favor da paz
06/01/2004
- Opinión
Na virada do novo ano que se iniciou em nosso calendário, fizemos o tradicional gesto de brindar e levantar o pé direito, deixando para trás um tempo que não nos traz boas recordações. Se a história da humanidade é a história de suas guerras, 2003 será lembrado como um dos mais sangrentos e violentos desde o advento do homo sapiens sapiens. O novo ano começa com a celebração do Dia Mundial da Paz. Em mensagem carregada de preocupação e solicitude pastoral, o Papa recorda a trajetória das exortações da Igreja em favor da paz. E toma como lema: educar para a paz. A educação para a paz é hoje reconhecida como uma área pedagógica da maior importância. Indiscutível, necessária, cria uma espécie de consenso pedagógico. Nasceu especialmente depois da dura experiência da Primeira Guerra, quando a juventude européia foi dizimada e se revolucionou a arte da guerra, com a introdução da metralhadora, do avião bombardeiro, dos gases. Depois da experiência da Segunda Guerra, com a questão do holocausto e da bomba atômica, também houve novo influxo de educação para a paz. As Igrejas têm participado, assim como a academia e as diversas organizações de direitos humanos. É preciso educar para a paz. A paz é possível, mas o ser humano necessita ser para ela educado, já que a violência vem tentando moldar sua cabeça e seu coração há tantos anos e por tantas décadas e séculos. No entanto, um dos maiores obstáculos para se construir a paz é desmistificar as afirmações de que a violência e a paz são "naturais" e não produzidas pelo próprio ser humano. Pensadores como Rousseau afirmam que somos naturalmente pacíficos. Outros, como Conrad Lawrence, afirmam que somos naturalmente violentos, e que a violência está inscrita geneticamente no corpo humano. Em 1956, em um encontro de cientistas do mundo inteiro, em Sevilha, um grupo de intelectuais de todas as áreas do saber lançou um manifesto desmistificador de todas essas afirmações pré-concebidas. O chamado Manifesto de Sevilha afirma que um certo número de presumidos descobrimentos biológicos foram manipulados no sentido de servir para justificar a violência e a guerra. Esses cientistas afirmam que a biologia não condena a humanidade à guerra e que a mesma espécie que inventou a guerra pode inventar a paz. Ora, a desnaturalização da violência, da guerra e da paz conduz a um segundo momento: a constatação de que a educação para a paz é possível. Se a violência e a paz são entidades culturais, portanto construídas e produzidas, podem ser também ensinadas. E se ambas - violência e paz - têm algo a ver com política, economia, organização social, também podem ser objeto da educação, da cultura, da pedagogia. Ora, uma das coisas que mais educa é o exemplo, o testemunho. A atitude tomada diante das circunstâncias demonstra mais poderosamente que as teorias o que é possível ao ser humano realizar. Com a paz não acontece diferente. Recentemente, tivemos uma preciosa demonstração deste testemunho com a negativa decidida de alguns pilotos da força aérea israelense em participar de ataques seletivos contra líderes palestinos. Declararam em sua tomada de posição que estão dispostos a participar de qualquer missão que proteja Israel, cuja existência já não admite contestações, mas não reconhecem legitimidade às missões de ocupação e, portanto, se negam a fazer parte delas. O gesto dos pilotos simplesmente se soma ao movimento pacifista dentro do exército israelense, que já conta com mais de mil adeptos repartidos em diferentes movimentos. Trazer a público um tal gesto e provocar a reflexão sobre ele: eis uma maneira poderosa e eficiente de educar para a paz. * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga VISITE O NOSSO SITE - wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape.
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