A construção do sentido
25/04/2004
- Opinión
Todo aprendizado dá-se numa rede de relações complexas, mas tem
seu ponto de partida nas aptidões cognitivas do aprendiz. Isso
supõe implicações, não só culturais e ambientais, mas também
genéticas. Nada de estranho que o filho do músico revele
tendências musicais. O difícil é fazê-lo interessar-se por
biologia. Por isso, muitos estudantes se perguntam por que
aprender aquilo que, aparentemente, não terá nenhuma utilidade em
suas futuras ocupações.
Por força da demanda do mercado, a escola tende a preparar alunos
cada vez mais aptos à competitividade profissional, que se inicia
na boca estreita do funil do vestibular. Outrora característica
dos jogos, a competição imprime, hoje, caráter à vida social. Com
a diferença de que, nos jogos, o seu ciclo recomeça a cada nova
partida, possibilitando ao derrotado de hoje tornar-se o vitorioso
de amanhã. Já na vida social a derrota tem o amargo sabor do
fracasso, o que engendra frustração e desesperança. Enquanto a
vitória atrai presunção.
A educação deveria, antes de tudo, ser um método de produção de
sentido.
É o que imprime consistência à vida. Porém, os recursos capazes de
induzi-la nessa direção vêm sendo postos de lado: o ensino de
filosofia e sociologia, de literatura e artes, a introdução ao
universo das religiões etc. O pragmatismo vence a contemplação, e
a teoria, a ação. O sentido, enquanto proposta de vida ética e
altruísta, cede lugar à oportunidade. O que é objeto e está fora -
o dinheiro - passa a gerar mais motivação que os valores
estruturadores da subjetividade. Esse vazio abre espaço a um
profissionalismo vulnerável à anti-ética, ao arrivismo e ao
alpinismo social a qualquer custo.
A produção de sentido é um processo que se inicia na família. É
dela que a criança recebe os primeiros "óculos" de leitura do
mundo, de seu lugar nele, de sua relação com os demais. Ali
firmam-se ou não o preconceito, a discriminação, o respeito ao
diferente, a reverência aos mais velhos, os preceitos religiosos,
enfim, o sistema de valores.
A escola faz uso dessa matéria-prima para sedimentar hábitos e
costumes.
Ou simplesmente joga para debaixo do tapete, como se o
conhecimento não tivesse sua referência primordial neste campo
fisicamente mais próximo e, no entanto, psicologicamente mais
distante: o conhecimento de si mesmo, como ensinou o óraculo de
Delfos, e, por dedução, o dos outros, da natureza e de Deus.
A ioga é uma arte que ensina a pensar o que faz o pensamento
pensar e a pensar o que pensa. A contemplação silencia a mente,
burila os valores, sobrepõe o coração à razão, cultiva a fé como
virtude da inteligência. Assim como a arte faz a emoção preceder a
razão. A produção de sentido é esse tecido invisível que, como uma
corda, nos permite fazer dela o varal de nossos conhecimentos.
Alinhados, eles ganham um sentido, uma direção, e apontam um rumo
- o da melhora coletiva e individual de nossa humanidade (o que é
uma tautologia, porém necessária).
Produzir sentido é ensinar crianças e jovens a se interrogarem,
manifestarem dúvidas, pôr em xeque suas certezas, cultivarem a
vida interior, abraçarem o itinerário que conduz às fontes e aos
limites da existência. Porque só o sentido faz vencer
adversidades, atenuando o sofrimento. Este é tanto maior, quanto
menos incorporado ao sentido do nosso existir. Mas é inevitável,
como percebeu Siddartha Gautama há vinte e sete séculos.
Se é assim, o sentido deveria ser objeto de obrigatória produção.
Mesmo porque, como dizia o Che, só há razão para morrer pela causa
que justifica o nosso viver. Talvez o vazio desse pragmatismo
desprovido de sentido explique o nosso crescente medo de morrer.
Até mesmo de envelhecer. Queremos, a todo custo, prolongar a
juventude, através de inumeráveis recursos, que vão das dietas
anoréxicas à cirurgia plástica. Como se tudo isso travasse o ritmo
do tempo e nos oferecesse uma segunda chance. Pois não temos
clareza do que fazer com a primeira, exceto atrelá-la a um jogo
inútil de vaidades e ambições, que abrem um profundo fosso entre a
nossa existência e a nossa essência.
* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de
"Mística e Espiritualidade" (Rocco), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/109825?language=es
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