Fé no planeta amarelo

19/05/2004
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O presidente Lula viaja hoje para a China, ampliando assim as fronteiras comerciais do Brasil. É mais uma atitude ousada de sua política externa, que já abriu as vias de acesso ao mundo árabe, à África e à India. Estive na China em outubro de 1988 com uma delegação de cristãos brasileiros. Desembarcamos em Pequim, em pleno Ano do Dragão e do Turismo, ao som do piano de Chopin, que tocava pelos alto- falantes do aeroporto, que me pareceu pequeno, mesmo para serviços domésticos. A burocracia aduaneira não se mostrou exigente e nossas malas não foram examinadas, o que me permitiu ingressar no país com uns tantos livros religiosos em inglês. Esperava-nos Li Bai-Nian, vice-presidente da Associação Patriótica e membro da Comissão Nacional de Assuntos Religiosos. De raciocínio ágil e, pelas conversas, podia-se perceber sua boa formação teológica e intuição política. Estava sempre disposto a responder às perguntas mais provocativas. No percurso do aeroporto ao hotel, notamos que toda Pequim parecia um imenso canteiro de obras. Ficamos no Da Du, cujos apartamentos eram bons, com água quente, TV e telefone, e um forte odor de mofo. Ao lado, a construção de um edifício, por três turnos de trabalhadores, produzia ruídos inclusive à noite. Em torno de algumas casas e nas praças havia arranjos de flores bem cuidados, distribuídos em centenas de pequeninos vasos de cerâmica. No mercado da esquina, as mesmas verduras e legumes encontrados no Brasil: alface, abobrinha, abóbora, fava, repolho. Os produtos eram transportados em todo tipo de bicicletas, algumas com adaptações inimagináveis, como pequenas carrocerias de caminhonete ou confortáveis assentos para pessoas idosas, que pareciam conduzidas por ciclistas particulares. As varredoras de ruas usavam lenços na cabeça e também sobre o nariz e a boca, para se protegerem da fina poeira que, do deserto de Gobi, soprava sobre Pequim. Pelo médico aposentado Zhu, um de nossos anfitriões, soubemos que na China já não se faziam reuniões, pois todos estavam empenhados na produtividade: "O povo dizia que os nacionalistas têm táxis; os comunistas, reuniões". Sem dar-se conta de que, ao suprimir reuniões, o Partido Comunista reforçava sua autoridade centralista, pensei imediatamente. O primeiro encontro da fé cristã com a China deu-se no ano 635, através de um monge persa. Em 1294, os franciscanos de Monte Corvino fundaram ali paróquias e conventos. Caiu a dinastia mongólica que havia sido convertida ao cristianismo, o que abateu os missionários. Mais tarde, chegou Matteo Ricci, que se adaptou à alma chinesa. Adotou um método correto de evangelização. Durante sua vida, a Igreja na China conheceu um período glorioso de expansão. Tanto a família imperial quanto as camadas populares aderiram ao cristianismo. O método Ricci de evangelização era o de São Paulo: ser grego com os gregos e judeu com os judeus. Aproximar-se de todo homem para que todo homem possa aproximar-se de Jesus Cristo. Ricci permitiu que os chineses cultuassem seus antepassados, o que outras religiões combatiam como superstição. Mas Roma ficou contra ele, o que comprometeu a história da Igreja na China. No século XIX, o cristianismo foi utilizado para facilitar a expansão colonial. Isso feriu profundamente a sensibilidade do povo chinês. O cristianismo ficou sendo visto como uma religião estrangeira, antipatriótica e instrumento de penetração colonial. Havia, sim, zelo missionário, mas faltava sensibilidade à vida do povo. Na luta de libertação, nos anos 40, a Igreja aliou-se à contra- revolução, ficou do lado de Chang Kai-Chek. Houve o conflito entre ateísmo e teísmo. Os bispos chegaram ao ponto de convocar um batalhão de soldados católicos para combater o comunismo. O Vaticano reforçou a posição anticomunista da Igreja católica e proibiu a colaboração dos fiéis com o governo popular, mesmo no que se refere a medidas imprescindíveis, como a reforma agrária. Os católicos não mais podiam enviar seus filhos à escola pública. Os sacramentos deviam ser recusados a quem não obedecia a Roma. Segundo o bispo Joséph Dzung Hwai, o clero chinês viu- se numa difícil situação: amava o país e o Vaticano, mas era obrigado a escolher entre um dos dois. Terrível dilema! Amar o país era ser punido pelo papa. "Tivemos grave conflito de consciência. Optamos, enfim, pela Tríplice Autonomia. Amar o país é um dever de Estado. Agimos segundo a nossa consciência", disse ele. Por toda Pequim via-se uma espécie de altar, uma pedra com um furo no meio. A pedra simboliza a Terra; o buraco, o Céu. Harmonia entre o Céu e a Terra. É o grande símbolo taoísta. Não existe em chinês uma palavra que signifique Deus. A que mais se aproxima é a expressão "Senhor dos Céus". * Frei Betto é escritor, autor de "Típicos Tipos - coletânea de perfis literários" (A Girafa), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/109955?language=es
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