Ecologia interior
11/05/2007
- Opinión
Por um minuto, esquece a poluição do ar e do mar, a
química que contamina a terra e envenena os alimentos,
e medita: como anda o teu equilíbrio ecobiológico? Tens
dialogado com teus órgãos interiores? Acariciado o teu
coração? Respeitas a delicadeza de teu estômago?
Acompanhas mentalmente teu fluxo sanguíneo?
Teus pensamentos são poluídos? As palavras, ácidas? Os
gestos, agressivos? Quantos esgotos fétidos correm em
tua alma? Quantos entulhos - mágoas, ira, inveja - se
amontoam em teu espírito?
Examina a tua mente. Está despoluída de ambições
desmedidas, preguiça intelectual e intenções
inconfessáveis? Teus passos sujam os caminhos de lama,
deixando um rastro de tristeza e desalento? Teu humor
intoxica-se de raiva e arrogância? Onde estão as flores
do teu bem-querer, os pássaros pousados em teu olhar,
as águas cristalinas de tuas palavras? Por que teu
temperamento ferve com freqüência e expele tanta
fuligem pelas chaminés de tua intolerância?
Não desperdiça a vida queimando a tua língua com as
nódoas de teus comentários infundados sobre a vida
alheia. Preserva o teu ambiente, investe em tua
qualidade de vida, purifica o espaço em que transitas.
Limpa os teus olhos das ilusões de poder, fama e
riqueza, antes que fiques cego e tenhas os passos
desviados para a estrada dessinalizada dos rumos da
ética. Ela é cheia de buracos e podes enterrar o teu
caminho num deles.
Tu és, como eu, um ser frágil, ainda que julgues fortes
os semelhantes que merecem a tua reverência. Somos
todos feitos de barro e sopro. Finos copos de cristal
que se quebram ao menor atrito: uma palavra descuidada,
um gesto que machuca, uma desconfiança que perdura.
Graças ao Espírito que molda e anima o teu ser, o copo
partido se reconstitui, inteiro, se fores capaz de
amar. Primeiro, a ti mesmo, impedindo que a tua
subjetividade se afogue nas marés negativas. Depois, a
teus semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão,
sem jamais sacrificar o respeito e a justiça.
Livra a tua vida de tantos lixos acumulados. Atira pela
janela as caixas que guardam mágoas e tantas fichas de
tua contabilidade com os supostos débitos de outrem.
Vive o teu dia como se fosse a data de teu renascer
para o melhor de ti mesmo - e os outros te receberão
como dom de amor.
Pratica a difícil arte do silêncio. Desliga-te das
preocupações inúteis, das recordações amargas, das
inquietações que transcendem o teu poder. Recolhe-te no
mais íntimo de ti mesmo, mergulha em teu oceano de
mistério e descobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda
a tua identidade. Guarda este ensinamento: por vezes é
preciso fechar os olhos para ver melhor.
Acolhe a tua vida como ela é: uma dádiva involuntária.
Não pediste para nascer e, agora, não desejas morrer.
Faze dessa gratuidade uma aventura amorosa. Não sofras
por dar valor ao que não merece importância. Trata a
todos como igual, ainda que estejam revestidos
ilusoriamente de nobreza ou se mostrem realmente como
seres carcomidos pela miséria.
Faze da justiça o teu modo de ser e jamais te
envergonhes de tua pobreza, de tua falta de
conhecimentos ou de poder. Ninguém é mais culto do que
o outro. O que existem são culturas distintas e
socialmente complementares. O que seria do erudito sem
a a arte culinária da cozinheira analfabeta? Tua
riqueza e teu poder residem em tua moral e dignidade,
que não têm preço e te trazem apreço.
Porém, arma-te de indignação e esperança. Luta para que
todos os caminhos sejam aplainados, até que a espécie
humana se descubra como uma só família, na qual todos,
malgrado as diferenças, tenham iguais direitos e
oportunidades. E estejas convicto de que convergimos
todos para Aquele que, supremo Atrator, impregnou-nos
dessa energia que nos permite conhecer a abissal
distância que há entre a opressão e a libertação.
Faze de cada segundo de teu existir uma oração. E terás
força para expulsar os vendilhões do templo, operar
milagres e disseminar a ternura como plenitude de todos
os direitos humanos.
Ainda que estejas cercado de adversidades, se
preservares a tua ecobiologia interior serás feliz,
porque trarás em teu coração tesouros indevassáveis.
* Frei Betto é escritor, autor de "Gosto de Uva"
(Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/109988?language=es
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