Amizade Olímpica

26/08/2004
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Séculos antes de o imperador Teodósio I, o Grande, proibir as Olimpíadas, no ano 391, instigado por um bispo obtuso que via nos jogos uma manifestação pagã, existiu um atleta chamado Asiarques, que corria como uma lebre e que participara, em Siracusa, de uma fracassada conspiração contra o tirano Dionísio, o Velho ­ o mesmo que freqüentou as aulas de filosofia de Platão e depois o prendeu na gruta na qual nasceu o Mito da Caverna. A condenação à morte de Asiarques foi promulgada no momento em que ele recebeu a convocação para participar dos jogos olímpicos. O réu implorou que a sentença fosse adiada até retornar de Olímpia coroado por ramos de oliveira. E, como garantia de sua promessa, deixaria em seu lugar um amigo que seria executado caso ele não voltasse. O tirano, perplexo, disse que um amigo como aquele não existia no mundo. Asiarques garantiu que sim e se chamava Pítias. Dionísio aceitou a proposta, pois jamais poderia acreditar numa amizade como aquela, embora soubesse que se Asiarques regressasse vitorioso seria politicamente difícil decapitá-lo. Pítias era um daqueles jovens que bem aproveitara das aulas de Platão em Siracusa e, imbuído de virtudes morais, aceitou vincular o seu destino ao do amigo. Apresentou-se aos juízes para ocupar na prisão o lugar de Asiarques. Entre a população da cidade acirrou-se o debate: uns consideravam loucura Pítias confiar assim na promessa de um amigo; outros viam em sua atitude moral uma façanha superior a obter vitória nas Olimpíadas. Pítias foi recolhido à caverna conhecida como Orelha de Dionísio, por ter sua abertura recortada como uma imenso ouvido ­ a mesma em que Platão padeceu antes de ser expulso de Siracusa -, enquanto Asiarques embarcou rumo ao Peloponeso para participar dos jogos que duravam sete dias. A cidade continuou dividida: uns opinavam que Asiarques ficaria foragido em Olímpia, escondido no bosque de Altis, outros confiavam que o atleta não frustraria a confiança de seu amigo. Contada a travessia do mar Jônico, três semanas depois Asiarques retornou, no mesmo dia em que expirava a sentença, mas sem a cabeça coroada. Enquanto metade da cidade aglomerou-se no porto para receber os atletas, a outra metade apertava-se em frente ao templo de Minerva, onde fora erguido o patíbulo. Os verdugos já tinham trazido Pítias, que aguardava sereno, confiante de que seu amigo não o trairia. Asiarques foi o primeiro a desembarcar. Saiu correndo pelas ruas que separavam o porto do templo e chegou à praça no exato momento em que o prazo expirava. Pítias olhou para o amigo com um sorriso. A extraordinária manifestação de amizade comoveu todos os habitantes de Siracusa, que travaram uma nova discussão: quem havia dado maior prova de amizade, Pítias, ao pôr em risco a vida em troca de nada, ou Asiarques, ao retornar para impedir a morte do amigo? O atleta foi aclamado como se a sua disposição de abraçar a morte superasse todas as glórias dos jogos olímpicos. Dionísio deixou o seu trono diante do patíbulo e pousou na cabeça de Asiarques a coroa de ramos de oliveira. Exaltou seu exemplo com os versos que Píndaro cunhara para os campeões olímpicos e, em seguida, mandou soltar Pítias e fez sinal para que o réu fosse executado. Depois, promoveu-lhe um enterro com todas as honras fúnebres. Aristóteles, na Ética Nicomaquea, frisa que a amizade é o maior de todos os bens e que o verdadeiro amigo é aquele que se sente mais feliz em agradar o amigo do que ser agradado. E conclui: "Sem amigo ninguém pode viver, ainda que possuísse todos os bens"(Livro VIII, 5). Poucos séculos depois na Palestina, talvez após ouvir a história da amizade entre Asiarques e Pítias, Jesus de Nazaré proclamará: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (João 15). Frei Betto é escritor, autor de "Entre todos os homens" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/110430?language=es
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