De grão em grão, EUA constroem a Alca

06/09/2004
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Os movimentos sociais latinoamericanos têm um desafio urgente para os próximos meses: barrar a evolução dos tratados de livre comércio, os TLCs, no continente. Com a paralisação momentânea das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), os Estados Unidos vão costurando acordos bilaterais para impor o mesmo projeto aos povos latino-americanos. Os tratados bilaterais estão sendo negociados em ritmo acelerado, com prazos curtíssimos, e muitos deles estão com as primeiras etapas concluídas. Um exemplo é o da Área de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês), preparado durante o ano de 2003 e assinado pelos presidentes da Guatemala, El Salvador, Costa Rica e Honduras. Para entrar em vigor, agora, o Cafta precisa da aprovação do Congresso desses países, além de alterações constitucionais. Os TLCs vêm ganhando mais força desde fevereiro de 2004, quando as negociações da Alca emperraram. Em uma reunião na cidade mexicana de Puebla, os diplomatas dos 34 países das Américas (exceto Cuba) que discutem o acordo não chegaram a um consenso sobre como prosseguir, a partir dos parâmetros defi nidos na Reunião Ministerial de Miami (novembro de 2003), ocasião em que se reduziu a abrangência da Alca. Divisão Mas os Estados Unidos e governos aliados – como os do México, Colômbia e Chile – recuaram e voltaram a defender um tratado abrangente. Já o Mercosul, sobretudo Brasil e Argentina, quer um acordo menos ambicioso e cobra a eliminação dos subsídios e apoios internos concedidos pelo governo estadunidense a seus agricultores. A Venezuela, por sua vez, propõe a discussão de um outro projeto de integração. Com os acordos bilaterais, os Estados Unidos arregimentam países menores e, ao mesmo tempo, enfraquecem uma possível articulação latino-americana. Por isso, a decisão dos movimentos sociais que participaram na Campanha Continental contra a Alca, em Quito, durante o Fórum Social das Américas, de estender sua aliança para rejeitar toda iniciativa de acordos de livre comércio na região, e não somente a Alca. Luta unitária "Os TLCs formam parte da mesma estratégia da Alca. O próprio governo colombiano tem dito que a diferença entre ambos é apenas o número de participantes. Os capítulos são os mesmos, mas a capacidade de negociação é menor, pois não se conta com a possibilidade de coordenar posições com outros países", avalia Enrique Daza, da Rede Colombiana de Ação frente ao Livre Comércio e à Alca (Recalca). Desde o início do ano, os Estados Unidos querem que Colômbia, Equador e Peru assinem o Tratado de Livre Comércio Andino. Os prazos determinados para a conclusão do acordo são reduzidos. A expectativa dos estadunidenses é concluí-lo até 2005. Resistência O conteúdo das negociações é mantido em segredo e a mídia comercial desses países faz propaganda das vantagens do TLC. "Não houve o mínimo interesse do governo em fazer um debate público sobre a questão, caso contrário seria convocada uma consulta popular. Não é só uma questão de força do império, mas também de um entreguismo das elites dominantes em nossos países", critica Alberto Acosta, economista equatoriano. Apesar da falta de transparência e do caráter impositivo das negociações, a resistência aos TLCs é crescente. Para o dia 12 de outubro, os movimentos populares do continente estão preparando mobilizações em todos os países para denunciar os perigos desses acordos. Nos países, as organizações sociais têm assumido também a missão de colocar o tema em discussão. "Por nossa conta, e independente do governo, estamos com a tarefa de revelar o perigo do tratado e realizar um debate nacional", conta Daza, acrescentando que os movimentos andinos já têm uma coordenação regional e uma agenda comum. Mobilizações O equatoriano Acosta também está otimista. "O prazo defi nido para a negociação do TLC é realmente curto, mas há uma crescente mobilização social que pode barrálo", analisa o economista. Na Costa Rica, apesar de o acordo com o Cafta já ter sido assinado pelo presidente, as organizações sociais estão com esperanças de brecar o processo no Legislativo. "Nesse momento, existe um crescente movimento popular contra o acordo e a correlação de forças no Congresso não tem favorecido o Executivo. Estamos preparando atividades para os próximos meses como bloqueios de estradas, manifestações e uma possível greve nacional", relata Carlos Aguilar, pesquisador do Departamento Ecumênico das Investigações e secretário do Encontro Popular, rede costarriquenha contra o livre comércio. O país vive um clima de mobilizações sociais. Desde o dia 23 de agosto, trabalhadores da ilha da América Central estão bloqueando estradas e avenidas contra a empresa transnacional Riteve, da Espanha, que monopolizou o mercado de ofi cinas mecânicas. A manifestação também rechaça o Cafta e outras políticas neoliberais. Já o Panamá – outro país da América Central que negocia um tratado de livre comércio com os Estados Unidos – passou também por dias de mobilização. Recentemente, as pastorais sociais panamenhas lideraram uma consulta popular com o objetivo de levar à população o debate sobre os riscos do TLC. O resultado do processo foi a rejeição de 87% dos mais de 8 mil panamenhos que participaram do processo. ---------------------------------------------------------------- ---------- Redução dos direitos trabalhistas Os Tratados de Livre Comércio (TLCs) e a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não são o princípio de algo novo, mas o ponto de chegada do ajuste estrutural. Essa é a avaliação do economista equatoriano Alberto Acosta, estudioso do tema. Para ele, tais acordos consolidam um projeto hegemônico dos Estados Unidos. "Os TLCs querem tornar eterno o Consenso de Washington. Esses países já têm abertura comercial, mercados livres e fl exibilização das relações de trabalho. Os TLCs querem ir além, ser mais extremistas no ajuste estrutural", analisa Acosta. Segundo ele, os trabalhadores serão os maiores perdedores do acordo negociado entre Colômbia, Equador e Peru. "Haverá muito mais fl exibilização, é preciso uma mão-de-obra barata, principalmente aqui no Equador, depois da dolarização", afi rma Acosta. Em 2001, o Equador substituiu sua moeda pelo dólar estadunidense. Até mesmo setores da classe dominante estão receosos em fi rmar o TLC Andino. "Muitos empresários colombianos enxergam mais ameaças do que oportunidades, mas sofrem chantagem do governo e não se atrevem a se opor ao processo", aponta Enrique Daza, da Rede Colombiana de Ação frente ao Livre Comércio e à Alca (Recalca). O colombiano relaciona que o principal interesse dos Estados Unidos em seu país são os setores de telecomunicações e petróleo, o fi nanceiro, o agronegócio, educação e saúde. CAFTA Já Carlos Aguilar, pesquisador do Departamento Ecumênico das Investigações e secretário do Encontro Popular, rede contra o livre comércio da Costa Rica, destaca que a Área de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês) vai reduzir o acesso aos medicamentos genéricos, que têm papel fundamental na saúde pública. "A ampliação, na prática, das patentes concedidas aos medicamentos pode acabar com o fornecimento de remédios pelo Seguro Social", alerta Aguilar, ressaltando que o Cafta reforçará o modelo agroexportador e aprofundará a crise de soberania alimentar do país. O pesquisador considera que os camponeses serão um dos grupos mais afetados com o Cafta, não somente do ponto de vista econômico. "Os acordos de livre comércio atentam contra as formas de vida dos camponeses, sua forma de produção e de conhecimento acumulado durante gerações", diz Aguilar. Para ele, as mulheres também sofrerão com os TLCs. "Por isso, a resistência a esses acordos é um voto pela continuidade da vida em nossas comunidades. Não se trata de negarmos o comércio, ou defender posições protecionistas que enriqueceram alguns empresários nacionais. Pensar e organizar alternativas deve cruzar a raíz organizativa e nossas próprias formas de vida", propõe o costarriquenho. ---------------------------------------------------------------- ---------- Governos facilitam acordos Os países da América do Sul selecionados para fi rmar acordos de livre comércio com os Estados Unidos fazem parte de uma seleta lista de governos alinhados com os interesses imperialistas. A começar pela Colômbia, onde o atual presidente, Álvaro Uribe, aceita a ingerência externa em assuntos nacionais e coloca o país como uma porta de entrada para forças militares estadunidenses na região. "O governo colombiano é o mais dócil aliado de Washington na América do Sul e sua adesão à política de segurança dos Estados Unidos o torna mais fraco ainda nas negociações", explica Enrique Daza, da Rede Colombiana de Ação frente ao Livre Comércio e à Alca (Recalca). Os governos de Equador e Peru também estão afi nados com os interesses estadunidenses. O presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez, depois de ser eleito com forte apoio do movimento popular local, sobretudo dos indígenas, abandonou suas propostas de governo e assumiu uma política claramente neoliberal. Submissão Hoje, Gutiérrez tem elevado índice de rejeição popular, mas segue no poder alinhado com as forças mais retrógradas da política equatoriana. No Peru, o economista e ex-funcionário do Banco Mundial, Alejandro Toledo, governa o país com uma aliança de centro-direita, reprimindo movimentos sociais. A submissão é tamanha que, no Equador, antes mesmo de o TLC ser assinado, debate-se a possibilidade de se adaptar a Constituição às cláusulas previstas no acordo bilateral. "Ao aceitar normas com maior alcance do que a Constituição nacional, o modelo neoliberal se torna irreversível, perde-se a soberania alimentar e se abandona qualquer esforço de industrialização autônoma, além de minar a capacidade de o Estado ter políticas sociais e de desenvolvimento", avalia Daza. * Jorge Pereira Filho. Brasil de Fato.
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