Era uma vez... Simona e Simona...

03/10/2004
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Era uma vez duas jovens moças italianas, nascidas na bela Roma, criadas com uma educação esmerada e todo o carinho de famílias dedicadas. E um dia no coração das duas começou a crescer uma semente: o sentimento de que não podiam suportar a injustiça que vitima boa parte da humanidade sem dar algo de suas vidas para minorá-la. Era uma vez Simona Pari e Simona Torretta, duas jovens de menos de trinta anos, com o mesmo nome de Batismo, que foram bater à porta da Organização Não-Governamental Uma ponte para Bagdá, desejando oferecer seus serviços como voluntárias. Buscavam um trabalho que não lhes desse fama, prestígio ou dinheiro, mas que lhes permitisse servir voluntariamente, gratuitamente, sem receber um tostão sequer dos pobres e oprimidos...tantos , meu Deus! que lamentavelmente se multiplicam e aumentam em vez de diminuir em nosso pobre e golpeado planeta. E foi assim que Simona e Simona foram parar, levadas pelo trabalho desta ONG, no longínquo Iraque, na Bagdá combalida por tantos bombardeios, manchada por tanto sangue jovem, infantil, adulto, endógeno ou estrangeiro. E ali começaram seu trabalho com as crianças carentes, muitas, milhares, órfãs que perderam seus pais na absurda guerra que assola seu país, pobres que não tinham sequer o que comer, obrigadas a viver da caridade pública de outros países. Com seus 29 anos, as duas Simonas levavam adiante seu trabalho voluntário quando foram surpreendidas pela violência de um seqüestro que as subtraiu aos olhos das crianças pelas quais trabalhavam, ao alcance da comunicação de suas famílias perplexas e aterrorizadas, do cotidiano que foi o seu durante tanto tempo de dedicação e trabalho na longínqüa e assolada Bagdá. O governo italiano procurava acompanhar a odisséia das Simonas, cidadãs eminentes de sua pátria. Não conseguia muitas informações e as que lhe chegavam eram bem pouco animadoras. Negociações emperradas de parte a parte, resistência de uns e outros, governos implacáveis em sua sede de poder e em sua soberba, que não lhes permitia ceder um milímetro que fosse para que não acontecesse o pior. As duas jovens tiveram sua morte por execução anunciada na semana passada e o mundo inteiro, em suspenso, esperou a confirmação da macabra notícia, que se seguiria a uma série de execuções já em marcha. Mas a confirmação não veio. E hoje os jornais do mundo inteiro exibem os rostos sorridentes das duas jovens, mostrando que até o terrorismo pode ter e tem - embora muito raras vezes - final feliz. Simona Pari e Simona Torretta voltaram a suas casas e aos braços de seus entes queridos. Para trás ficou a desolada Bagdá onde viveram, segundo o testemunho de uma delas, ³momentos duros e desanimadores². Para trás ficaram também as crianças carentes das quais cuidavam em seu trabalho voluntário. E os outros estrangeiros seqüestrados para os quais cada minuto é um hiato diminuto que os separa da morte e os faz balançar de novo no abismo do medo. As duas Simonas certamente retomarão suas vidas, na Itália ou em outro lugar do mundo. Para elas a vida continua. Como expressou a mãe de uma delas, foi como renascer, passar das trevas para a luz. Para muitos, porém, esse final feliz não existiu nem existirá. Tal como recordou o presidente italiano, Azeglio Campi, não se pode deixar que este final feliz obscureça a dor que permanece pelos que já foram assassinados e a angústia pelos que ainda estão em poder dos seqüestradores. Certamente as duas jovens italianas, hoje libertas, nunca mais serão as mesmas após esta experiência. A marca indelével de haver partilhado as condições de vida e o destino de morte dos pobres e deserdados deste mundo está para sempre cravada em brasa em seus corpos e corações. Com o episódio que viveram, são exemplo para muitos jovens que vivem vidas cujo vazio tentam preencher com fugas em paraísos artificiais, nas voragens do consumo ou na corrida sem quartel atrás do lucro e do sucesso. Simona e Simona, quando bateram à porta da ONG Uma ponte para Bagdá, na verdade buscavam um sentido para suas vidas. Aí arriscaram tudo. Certamente não pensavam no que as esperava do outro lado do Primeiro Mundo e do progresso neoliberal. Experimentaram profundamente o que significa a palavra do Evangelho de Jesus de Nazaré, de que aquele que perder sua vida a salvará e aquele que quiser ciumentamente apegar-se à sua vida, a perderá. Expuseram suas vidas e as receberam de novo, de volta. Como será a vida das duas jovens italianas depois da amarga experiência desse seqüestro? Só Deus sabe. Em todo caso, agora certamente sabem que o mundo vai mais além do que haviam podido perceber na bela cidade onde viviam e que há mais dor e sofrimento debaixo do céu do que pode supor nosso egoísmo alienado. * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga
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