Reflexões a partir do Fórum Social das Migrações
29/03/2005
- Opinión
Realizado às vésperas do Vº Fórum Social Mundial, o FS das Migrações, colocou na pauta a problemática das migrações, que hoje, num mundo globalizado, são ao mesmo tempo um sintoma, conseqüência e denúncia da realidade que enfrentam os trabalhadores pobres no mundo inteiro. São sim conseqüência de uma economia mundial que cada vez mais concentra renda, riqueza, poder e,n ao mesmo tempo, denunciam um sistema neoliberal. Por outro lado são sinais de mudanças que já estão em curso mas que num futuro próximo tenderão a se aprofundar. Impõem-se não só pelo seu volume, mas principalmente pelo seu significado político. É preciso entender as migrações para poder compreender o mundo.
Segundo a ONU, as migrações vem aumentando nas últimas décadas. De 1960 a 2000 o número de imigrantes passou de 76 para 175 milhões; eram 2,5% em 1960 e passaram a representar 2,9% da população do mundo. Nas últimas décadas, houve uma mudança do perfil em relação aos países de residência dos migrantes no mundo. Enquanto em 1960 a maioria residia nos países em desenvolvimento, já no ano 2000, 63%, ou seja, 110 milhões de migrantes residiam nos países desenvolvidos. Houve portanto, uma mudança dos fluxos migratórios. Entre os anos de 1960 a 2000, nos Estados Unidos a migração aumentou em média de 3% ao ano, sendo que 30% deles são ilegais. Se esta for a proporção nos demais países, temos no mundo 52% de migrantes “ilegais”.
A migração no Brasil segue a tendência mundial. De país de imigração o Brasil tornou-se um país de emigração. São cerca de 2 milhões os brasileiros que estão no exterior, sendo que 1 milhão se encontra nos EUA, 300 mil no Paraguai seguindo-se Japão, e países da Europa como França, Inglaterra, Itália e Espanha.
Vantagens e Desvantagens
Para George Martine, um dos conferencistas no Fórum Social das Migrações, embora, as migrações, no geral, trazem mais vantagens para a pessoa do migrante como para os países de origem e destino, há todavia também desvantagens. Sem aprofundar cada um dos aspectos , segundo ele, “as migrações trazem vantagens para os países de origem como a contribuição com as remessas, possibilitam uma mobilidade social ascendente, aliviam tensões sociais e contribuem para a emancipação da mulher. Já nos países de destino as vantagens tem a ver com a melhoria das qualidade de vida, revitaliza as sociedades envelhecidas, recebem gratuitamente recursos humanos qualificados nos países de origem e contribuem para reduzir a inflação e aumentar a produtividade.
As desvantagens na origem tem a ver com a “fuga de cérebros” e de pessoas criativas, os migrantes sofrem dificuldades de comunicação, são muitas vezes perseguidos e maltratados. Nos países de destino ocorrem conflitos e tensões corem o risco da erosão da cultura nacional, são vistos como um peso fiscal e são considerados competidores com os trabalhadores locais”.
Quais seriam as causas do crescente fenômeno migratório no mundo atual?
Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho a principal causa é o fato de que a globalização não gerou postos de trabalho nos países de origem. Este processo criou um traço estrutural na economia mundial, a desigualdade. Além de concentrar a ainda mais a riqueza, conduz à deterioração das condições de vida e ao deslocamento humano. Basta considerarmos as exigências que o Banco Mundial e o FMI fazem de ajustes estruturais, com a redução dos gastos públicos e a conseqüente diminuição dos empregos públicos; o elevado crescimento demográfico, o excedente de mão-de-obra; a violação dos direitos humanos e a desestabilização social para termos uma idéia das reais causas da migração no mundo atual.
Em sua maioria, os movimentos migratórios respondem às necessidades de demanda dos países industrializados por mão-de-obra barata e sem qualificação para agricultura, alimentação, construção, indústria têxtil, serviços domésticos e cuidados com os doentes, idosos e crianças nas casas. Nos Estados Unidos, o destino dos imigrantes em geral são sos trabalhos sujos, perigosos e difíceis e no Japão o destino é mais cruel. Cabe-lhes os trabalhos pesados, perigosos, sujos, exigentes e indesejáveis.
Na conferência Barbárie, Migrações e Guerras de Ordenamento mundial, Robert Kurz disse que “as migrações contribuíram essencialmente no século XIX e XX para a construção da modernidade e da universalização dos mecanismos da economia de mercado. Hoje, porém as migrações devem ser analisadas no contexto da crise fundamental da sociedade moderna, do sistema produtor de mercadorias e da sociedade do trabalho. Depois da expansão através das migrações, constata-se, hoje, um fenômeno inverso, o bloqueamento das migrações. O capital globalizado serve apenas para as minorias. A migração é, desde o final do século XX, somente uma fuga da crise em direção às ilhas de valorização na “tríade” (Europa Ocidental, América do Norte e o Leste da Ásia).
Segundo dom Demétrio, um dos maiores obstáculos colocados hoje para as migrações é a crescente desigualdade econômica entre os países. Quanto mais os países ricos querem proteger seus privilégios econômicos, produzidos pelo processo injusto de acumulação econômica que o atual sistema vai gerando, mais se opõe às migrações.
Constatações importantes do FS das Migrações
Uma das aquisições importantes que marcaram o fórum, foi a necessidade de se discutir o direito à cidadania universal, ou seja, as pessoas podem viver dignamente no mundo que Deus deixou para todos. Dom Demétrio enfatizou com bastante propriedade este temas: “E’ evidente que as migrações colocam um desafio político, cuja solução não pode prescindir da ética. Pois de novo, a referência básica, que fundamenta o direito a toda pessoa se habilitar à sua integração política, é sua condição de pessoa humana, possuidora de iguais direitos e deveres. Uma sociedade política, em decorrência disto, nunca pode se fechar, excluindo a interação com outras sociedades, e negando a integração de novos membros que para tanto se habilitam com a contribuição que se dispõem a prestar.
A crescente interdependência, causada pela dinâmica atual da globalização, começa a evidenciar a conveniência, e a necessidade, de definir o que já passou a se denominar de “cidadania universal”. Cada vez mais emerge a necessidade de se reconhecer a toda pessoa humana, um direito explícito de “cidadania universal”, pelo simples e fundamental fato de ser membro da família humana, portanto participante da “sociedade humana”, com direito a ocupar o seu espaço vital e a contribuir com sua presença e atuação.
Entre os quesitos desta “cidadania universal” deveria se explicar, com detalhes minimamente suficientes, o “direito de ir e vir”, que as sociedades políticas já definem para seus cidadãos. Este “direito de ir e vir” fundamentaria o direito de migrar para outros países, em circunstâncias que precisariam ser definidas de maneira consensuada a nível universal, com o estabelecimento de um “estatuto para as migrações”, que deveria ser debatido pelo “direito internacional”.
Eis uma questão que este “Fórum” pode levantar, para ser levada adiante e produzir as primeiras escaramuças jurídicas. Por exemplo, seria muito interessante estabelecer uma vinculação mínima entre o direito de “livre circulação” de capitais financeiros, com o direito de “livre circulação” de trabalhadores”.
Outra constatação importante diz respeito às remessas que os migrantes enviam para os países de origem. Segundo George Martine, “a cada ano, os migrantes enviam hoje o equivalente a US$100 bilhões de dólares em remessas para sustentar suas famílias e comunidades. (ILO, 2004). Na América Latina e Caribe, de acordo com documento do BID (2004), nos últimos três anos, a soma total de dinheiro enviado por imigrantes latino-americanos para suas famílias nos países de origem praticamente se duplicou, de US$23 bilhões em 2001 para aproximadamente US$38 bilhões em 2003. De acordo com a mesma fonte, os emigrantes brasileiros teriam enviado para o Brasil cerca de 5,2 bilhões de dólares em 2003. Um estudo recente do BID em 19 países da América Latina e do Caribe mostrou que, na maioria deles, as remessas agora superam o valor combinado de investimento direto estrangeiro, ajuda multilateral e pagamentos de juros sobre a dívida externa”.
Por outro lado a existência de grandes e crescentes fluxos migratórios, causada pela injusta desigualdade econômica existente entre os países ricos e pobres, passando a serem vistos os migrantes, muitas vezes como uma ameaça, é na verdade uma denúncia do atual sistema econômico e político mundial e apontam para a necessidade de se pensar uma nova ordem mundial: “Os migrantes se tornam, assim, em denúncias vivas da desigualdade econômica existente hoje no mundo. Eles são profetas que postulam a justiça social para o mundo globalizado que vai se constituindo com rapidez crescente, e que não pode mais comportar uma desigualdade tão flagrante que acaba estimulando sua desestabilização pelo incitamento às migrações, que ela mesma acaba produzindo.
Uma prova a mais que sem as migrações a humanidade patina em sua busca de realização verdadeira, como responsável pela conservação do planeta e pela justa destinação universal dos bens, que deve servir de critério ético fundamental da dimensão econômica implicada nas migrações”, enfatizou Dom Demétrio Valentini.
Desafios
Dentre os principais desafios que o fórum levantou, destacam-se a necessidade de acompanhar a formação do Mercosul visando a inclusão a priorização dos migrantes neste processo, sem deixar de debater o tema da Alca. A integração que queremos para ser verdadeira deve ser política, cultural, social e econômica a fim de que o Mercosul não seja um simples tratado comercial.
Trabalhar em redes tendo em vista unir e articular as diversas entidades e movimentos sociais na defesa da cidadania a fim de fazer uma contraposição às políticas dominantes dos vários ministérios do governo, como por exemplo, o da agricultura que se faz defensor do agro-negócio contra os interesses das populações de nossos países que têm na agricultura familiar a saída para os países da região.
Favorecer o trabalho em redes, principalmente na elaboração de um Estatuto do Estrangeiro que vise promover políticas governamentais e legislações em favor dos direitos dos imigrantes e emigrantes;
Assegurar o acesso dos migrantes aos meios de comunicação social para mudar a sua imagem e incorporar na mídia a meta da cidadania universal.
Finalmente, cientes de que grandes transformações mundiais sempre foram precedidas de grandes fluxos migratórios podemos antever uma contribuição positiva das migrações para o futuro da humanidade. Como potencializar isto concretamente? O fenômeno migratório aponta para a necessidade de repensar o mundo não mais baseado na competitividade, mas na solidariedade; não na concentração, mas na repartição; não no fechamento das fronteiras, mas na cidadania universal, enfim, num mundo baseado não no consumo desenfreado, mas numa sociedade sustentável, onde haja lugar e vida digna para todos.
* Luiz Bassegio, Secretário Nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes e do Grito dos Excluídos Continental – Por Trabalho, Justiça e Vida.
https://www.alainet.org/de/node/111664
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