Carta ao Espírito Santo

06/04/2005
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Chegou a hora de, mais uma vez, você, uma das três pessoas da Santíssima Trindade (e não a terceira, pois não há hierarquia na comunhão de Amor), retornar a Roma. Imagino que não será uma tarefa fácil quebrar resistências cardinalícias e, entre tantos interesses geopolíticos, fazer predominar a sua vontade. Dentro em pouco os 117 eleitores do novo papa estarão trancados no Vaticano. Duas vezes por dia irão até a Capela Sistina e, sob os afrescos de Michelangelo, cada um colocará seu voto numa patena. Nos primeiros trinta dias, será eleito quem obtiver 2/3 dos votos mais 1. Depois, bastará a maioria simples. Suponho que o embate inicial será entre os cardeais italianos e os demais. Aqueles não se conformam de haver perdido o monopólio do papado, conquistado em 1522. Seguiram-se 44 papas italianos, até que Wojtyla apareceu como exceção à regra. Será que os eleitores darão uma nova chance aos demais continentes? É fato que a maioria dos papas nasceu na Europa. Mas a África já foi contemplada com três. Não seria hora de a América Latina, que concentra 52% dos católicos, merecer as sandálias do Pescador? Tenho o meu preferido: dom Cláudio Hummes, cardeal de São Paulo, com quem trabalhei sete anos, como responsável pela Pastoral Operária do ABC. Posso entender por que ele figura entre os preferenciais: tudo indica que os cardeais não elegerão alguém tão jovem quanto Wojtyla, coroado aos 58 anos, nem tão idoso que haja o risco de um novo conclave em breve. O próximo papa sairá do grupo situado entre 65 e 73 anos, poliglota, com bom trânsito na Cúria Romana e, sobretudo, ortodoxo em matéria doutrinal e de fácil trato com a mídia e o público. Dom Hummes se enquadra em todos esses critérios. Em geral, os ortodoxos são carrancudos e os bom de mídia são progressistas. Você fez muito bem em inspirar João Paulo II a excluir do conclave os cardeais com mais de 80 anos, em geral conservadores. Você sabe que o grupo linguístico pesa muito dentro do conclave. Nem todos os cardeais falam vários idiomas. De modo que, lá dentro, os conchavos são por identidade vernacular. E os de fala hispânica, entre os quais se incluem os quatro eleitores brasileiros, são 38. Número considerável para fazer a balança pesar a favor da América Latina. Estão fora do páreo os cardeais dos EUA, devido aos casos de pedofilia e à oposição do Vaticano à agressão dos EUA ao Iraque. Os italianos jamais apoiariam um francês. Como, hoje, a meta da Igreja Católica é ampliar o número de seus fiéis na África e na Ásia, quem sabe você nos brindará com um papa negro ou de olhos puxados. Tomara que seu sopro seja forte o bastante para quebrar, no novo sucessor de Pedro, resistências quanto à moral sexual, ao celibato facultativo, ao papel da mulher na Igreja, as células-troncos, à bioética, temas congelados no debate interno da Igreja. Todos nós ansiamos por um papa que sobreponha o Evangelho ao direito canônico, a alegria à dor, o diálogo inter-religioso à apologética, o pão à cruz, o amor à lei, a espiritualidade aos preceitos. O que poucos sabem é que os candidatos não são apenas os 117 eleitores. São todos os católicos de sexo masculino. Basta ser homem e ter sido batizado na Igreja Católica. Como Gregório Magno, prefeito de Roma, eleito em 590. Venha, divino Espírito Santo, e renove a face de sua Igreja, para que ela seja de fato, como quis Jesus, luz no mundo e fermento na massa. * Frei Betto é escritor, autor da biografia romanceada de Jesus ³Entre todos os homens² (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/111727?language=es
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