Desafios à humanidade

16/12/2005
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As recentes manifestações em Hong Kong, contrárias à política protecionista da OMC, confirmam que o mundo unipolar, hegemonizado pelo poderio econômico, militar e ideológico dos EUA, representa séria ameaça ao futuro da humanidade. Somos 6,3 bilhões de pessoas no planeta, das quais, segundo a ONU, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, com renda per capita mensal inferior a US$ 60. O fenômeno da globalização é, de fato, globocolonização, a imposição do modelo de sociedade anglo-saxônico aos países do mundo. Toda essa assimetria é agravada pelo crescente desequilíbrio ambiental e pela equivocada busca da paz através da imposição das armas, e não da promoção da justiça, como sugeriu o profeta Isaias oito séculos antes de Cristo. Os desafios que se colocam hoje para a humanidade podem ser resumidos em oito pontos: 1) Redução imediata da fome, da pobreza e da desigualdade social. Essas são as verdadeiras "armas de destruição em massa", que sacrificam, segundo a FAO, ao menos 24 mil vidas por dia. Entre os fatores de morte precoce, a fome supera as enfermidades (câncer, Aids etc.); os acidentes de trânsito e de trabalho; a violência (guerras, terrorismo, assassinatos). No entanto, o planeta produz alimentos suficientes para 11 bilhões de bocas. O problema, pois, não é excesso de bocas nem falta de alimentos, mas de justiça, sobretudo de partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano. 2) Respeito à soberania e à autodeterminação dos povos. Os organismos multilaterais devem evitar sua manipulação por parte das grandes potências. Atrás de tratados supostamente voltados ao intercâmbio entre nações escondem-se mecanismos cruéis de neocolonialismo. Ninguém é capaz de imaginar uma base cubana nas costas da Califórnia, o que certamente provocaria grande alarde da mídia. Porém, há uma base americana nas costas de Cuba, Guantánamo, sem que isso cause reação indignada da mídia internacional. Uma nação como Porto Rico permanece, desde 1898, sob tutela americana. Bases militares dos EUA espalham-se pelo mundo, numa flagrante ingerência à segurança interna dos países hospedeiros e vizinhos. 3) Fortalecimento da cidadania e da democracia. O conjunto da população tem o direito de se organizar por grupo de interesses, para defender e reivindicar seus direitos. A cidadania deve se basear no pleno reconhecimento da dignidade de cada ser humano, independentemente de sua condição sexual, étnica, religiosa e social. Urge assegurar a todos alimentação, saúde e educação; trabalho, cultura e lazer; moradia e o direito à felicidade. A democracia alcançará sua plenitude quando equacionar liberdade política com justiça social, de modo que todos tenham renda suficiente que lhes garanta qualidade de vida e plenas condições de desenvolvimento humano. 4) Proteção do meio ambiente. O planeta está às vésperas de esgotar seu potencial energético, há grande ameaça à sua biodiversidade, as condições climáticas alteram-se de ano para ano. Sem um novo paradigma de relação entre o ser humano e a natureza, a progressiva degradação ambiental poderá aumentar os casos de enfermidades decorrentes do desequilíbrio ecológico, prejudicando as fontes de produção de água potável e de alimentação. 5) Respeito ao pluralismo religioso, à diversidade de modelos políticos, e fim das discriminações sexuais e étnicas. A intolerância religiosa poderá multiplicar as reações típicas de atitudes fundamentalistas. Daí a importância de favorecer o diálogo inter-religioso. Os modelos de organização política de nossas sociedades devem respeitar as idiossincrasias de cada povo. Os novos papéis sexuais precisam ser encarados com respeito, e as diferenças étnicas como fator de enriquecimento da convivência humana. 6) Solidariedade entre as nações. Somos todos passageiros dessa nave espacial chamada planeta Terra. Os recursos são limitados e devem ser distribuídos com justiça e utilizados com parcimônia. Para tanto, é preciso erradicar a competição, a opressão e o colonialismo, que tanto prejudicam a convivência entre as nações. O quanto antes é urgente fortalecer nas novas gerações a consciência de que somos uma só família humana, e a singularidade de cada povo não deve constituir fator de preconceito, discriminação, agressão ou imposição de modelos estranhos à sua história e índole. 7) Superar a economia da carência, que afeta hoje 2/3 da humanidade, obrigados a sobreviver em condições sub-humanas, e a economia da abastança, que propicia a uns poucos países uma apropriação indevida e exagerada de riquezas e recursos que, em princípio, pertencem ao conjunto da humanidade. A economia da suficiência deve assegurar a cada pessoa e a cada povo condições dignas de vida e plena realização de seu potencial humano. 8) Fortalecer a cultura que identifica a natureza sagrada de cada pessoa, sua dignidade irredutível e seu direito inalienável a uma vida feliz. Cada um de nós é o centro do Universo, e o dom da vida é o valor supremo a ser preservado, aperfeiçoado e exaltado, de modo evitar toda banalização da existência, bem como os fatores que contribuem para ameaçá-la, destruí-la e desvalorizá-la. Seremos verdadeiramente humanos quando a felicidade ultrapassar as condições materiais de vida e atingir sua vocação à transcendência, elevando o espírito humano aos vôos da infinitude, ora prenunciados na arte, na mística religiosa e, sobretudo, no amor. - Frei Betto é escritor, autor de "A Obra do Artista ­ uma visão holística do Universo" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/113844?language=es
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