Signos & símbolos
03/01/2006
- Opinión
As mãos erguidas do sacerdote exibem uma esfera branca, algo que lembra uma cartolina. É o momento mais solene da missa. Para os fiéis, trata-se da hóstia, feita de trigo sem fermento. Contém a presença viva de Deus. Para outros, simples gesto litúrgico. Para todos, um signo, de onde deriva a palavra significado. Sinônimo de sacramento, objeto sensível que traduz realidade invisível. Se agrega, o signo é símbolo.
Nem todos os signos revelam, ou seja, desvelam aos nossos olhos o que se encontra velado. Muitos servem para dissimular ou camuflar, como nomes e logomarcas de empresas. Não são brasileiras a Volkswagen do Brasil nem a Esso Brasileira de Petróleo. O signo, entretanto, imprime uma adjetivação que “nacionaliza” o produto, induzindo o público a dissociar a filial da matriz estrangeira.
Há uma ciência de manipulação da força contida no signo, a semiurgia. Ocorre quando se “planta” uma notícia na mídia. Como, por exemplo, um jantar para homenagear um político. “Planta-se” a notícia de modo a projetar o nome do político, sem que se indague a razão ou a justificativa da homenagem. O signo é “plantado” para que exista seu significado.
Há signos criados para sustentar o que já não existe. É o caso do latim na liturgia católica. E dos termos ininteligíveis em discursos acadêmicos. Funcionam, não como palavras, mas como sons que desencadeiam uma reação emocional.
Em geral, os signos são arcaicos. Evocam um passado idílico, provocando interesse, como os funerais de João Paulo II. Por isso usa-se o latim, uma língua morta, como os latinos usavam o gregos. A figura do “bom selvagem” dos escritores românticos do século XIX surge quando a natureza cede lugar às chaminés das fábricas. Hoje, a consciência da degradação ambiental produz o movimento ecológico, em favor da preservação do meio ambiente.
Freud e Nietzsche viram na origem do signo não uma referência, mas uma ausência. Ausência do “reprimido” para Freud e do “esquecido” para Nietzsche. O pai assassinado ganha força simbólica, assim como tudo aquilo que hoje é sacrificado e, amanhã, venerado. É a diferença que marca o signo. E este é o propósito da publicidade: fazer parecer diferente o que é igual.
Nunca se falou tanto em amor como nessa sociedade desprovida de sentimentos. Houvesse verdadeiro amor, não haveria tanta indiferença perante nossos semelhantes que esmolam nas ruas e padecem na miséria. Partidos centralizados insistem no discurso da participação e da autogestão. A poética do discurso dissimula o que na prática está ausente. No clipe publicitário a imagem do pai e da criança acentua que certas coisas não têm preços convencendo o consumidor a pagar caro pelo produto. Na propaganda as coisas adquirem valor de signos e os signos tornam-se a entidade das coisas. “Diamond is forever” o diamante é para sempre.
O espiritualismo em moda não é reação, é legitimação idolátrica do neoliberalismo. O culto ao progresso, à prosperidade, produzem uma mística e uma metafísica totalizantes. Xamãs e feiticheiros, I Ching e astrologia, associavam outrora a posição das varetas ou dos astros ao nosso futuro. Hoje a publicidade condiciona a nossa felicidade à aquisição de uma maionese. O zen ensina que o antes e o depois são conceitos relativos ao espírito. A publicidade inverte a temporalidade ao relativizar o crédito, “desfrute agora e pague depois”.
A Revolução Industrial gerou significantes como a marca. Atualmente produz significados psicológicos, como a variedade, o exotismo, a jovialidade. Somos compelidos a adquirir, não apenas um objeto, mas com ele ideais, valores, aspirações, sensações. O produto é o signo de algo bem mais cobiçado do que ele: virilidade ou feminilidade, cultura, status, glamour etc. Como a meditação e a droga, o consumismo nos oferece a possibilidade de aceder diretamente à experiência de nos transcender.
Agora, a razão cede lugar ao desejo. “Penso,logo existo” dá lugar ao “consumo, logo existo”.
- Frei Betto é escritor, autor de “A Obra do Artista uma visão holística do Universo” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/de/node/113973?language=es
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