Na Venezuela, ouvindo as gentes...
11/02/2006
- Opinión
É 22 de janeiro de 2006 na cidade de Caracas. Os olhos, estrangeiros e curiosos, procuram a vida que pulula na grande capital venezuelana. Pela minúscula janela do pequeno e velho coletivo que atravessa a cidade é possível vislumbrar algumas bandeiras tingidas de vermelho, azul e amarelo: as cores do país. No chiquérrimo bairro de Altamira uma marcha está se formando. São os “esquálidos”, opositores do governo Chàvez, que se manifestam pedindo eleições livres. Segundo eles, até agora, as mais de dez eleições que ocorreram na Venezuela, inclusive um referendo nacional, não aconteceram dentro da legalidade. Mas, na verdade, o que querem – e é o que dizem seus cartazes e consignas – é que Chàvez deixe o cargo de presidente. Não o suportam. “É um louco, ditador. Quer acabar com o país”, dizem. Na caminhada pelas ruas bonitas dos bairros mais ricos a aparência dos manifestantes chama a atenção. São mulheres muito bem trajadas, algumas com seus cachorrinhos de estimação. Boa maquiagem, viseiras coloridas, tênis e óculos de grife. Os homens ostentam elegância e mostram um certo desajeito na prática de protestar. Mas há também algumas alas de trabalhadores, mais empobrecidos, com bandeiras de sindicatos. Vez ou outra também se percebe, tremulando, a bandeira estadunidense. Não se vê soldados. Tudo flui com tranqüilidade. É a primeira imagem da cidade captada pelas retinas, que logo vão perceber os paradoxos e contradições desta sociedade que ensaia, há sete anos, uma guinada para o socialismo.
O ônibus segue seu caminho em direção ao bairro Sabana Grande e em poucos minutos a cidade parece trocar de lugar. Como num passe de mágica, outra Caracas surge. Não mais as ruas limpas, os enormes out-doors, os prédios clarinhos, os carros importados, os centros comerciais, as gentes bem vestidas. O que se vê são calçadas tomadas pela infinidade de barracas de lona do mercado informal. As ruas estão sujas, há lixo nas esquinas e as pessoas comuns estão envolvidas em uma outra marcha: a da sobrevivência. O grande bulevar da Sabana Grande é pura degradação. Nele vicejam os hotéis de encontros fortuitos, os mendigos, alguns garotos e garotas drogados e mais e mais barracas onde se vende tudo o que há. Mais adiante, na direção da periferia, desaparecem os toldos de lona e surgem as imensas comunidades de tom marrom, que se espalham pelos morros cheias de barracos de tijolo ou lata. É gritante a divisão das duas Caracas, o que torna mais compreensível a guerra ideológica que é travada nas ruas. Nos bairros ricos e limpinhos as pessoas lutam para manter a vida pequeno burguesa, aparentemente protegida, que o dinheiro pode comprar. Nos bairros degradados e na periferia as gentes lutam por mudanças concretas que as levem para uma vida digna, de riquezas repartidas. Essa dicotomia de projetos é tão visível e densa que quase se pode tocar com as mãos.
Os informais
A grande cidade caraqueña pulsa. Ela é toda som. As ruas cheias de barracas de vendedores ambulantes são como enormes salões de baile a céu aberto. As músicas típicas da Venezuela, a “llanera”, a salsa, o merengue e o regatón ecoam por todos os trajetos que se pense fazer, numa altura inominável. Vende-se de tudo e, aparentemente, não há conflito com os vendedores formais, das lojas. O alcade (prefeito) de Caracas, Freddy Bernal tem bem claro que essa não é a vida que o povo da cidade quer ou precisa, mas afirma que está seguro de que os governos - federal e local - estão atacando as causas. “Nós poderíamos reprimir, impedir, mas em que estaríamos ajudando? A aumentar a criminalidade? O que estamos fazendo é o esforço de reativar a economia, apostando na criação de cooperativas de trabalhadores. Mas isso não se resolve num dia. A questão do trabalho informal é um assunto de Estado e é assim que o estamos enfrentando”.
Nas barracas, as opiniões se dividem. Um velho artesão é o primeiro a protestar: “Aqui temos o Fórum Mundial da fome e da insegurança e o governo não está conseguindo mudar isso. Temos médicos formados que estão trabalhando como ambulantes agora. Enquanto isso, Chàvez traz os cubanos para cuidar da saúde do povo. Ele tem que dar emprego é para nossa gente”, reclama. Já os três jovens da barraca ao lado discordam veementemente: “Por mais de 50 anos os médicos venezuelanos recém formados se recusaram a ir para interior, para os bairros, para a periferia. Só queiram ficar na capital, ganhar dinheiro às custas da dor. Agora, com Chàvez, eles tiveram sua chance de ajudar o povo. Não quiseram. Então foi preciso apelar para a solidariedade. Vieram os médicos de Cuba e estamos tendo acesso à saúde nos lugares mais distantes e pobres”.
A luta de classes está estabelecida em cada esquina. Contra ou a favor, as gentes da capital discutem e declaram suas opiniões. A batalha de idéias fervilha no metrô, nos ônibus, nos bares, nas barracas, em todo lugar. Jornais de direita e esquerda vendem aos borbotões. Raramente se vê um caraqueño sem um periódico na mão. Mesmo os que se dizem neutros arriscam falar: “Eu não sou chavista nem esquálido. Acho que têm algumas coisas boas sendo feitas, mas o que acontece é que o presidente está muito mal de acompanhantes. Muita coisa fica barrada pelos governadores e alcaides”, diz um dono de loja de material fotográfico. As pessoas tampouco desconhecem que por centenas de anos o país esteve entregue à mera extração do petróleo. Quase nada se fabrica na Venezuela, pouco se planta. Tudo o que os venezuelanos precisam, o dinheiro do petróleo traz de fora. Daí a dificuldade em resolver a questão do trabalho informal. Antes de prometer emprego para toda a gente alijada do processo produtivo, o governo de Chàvez precisa criar uma rede de produção endógena – “desde adentro”. Além disso, há que trabalhar toda uma nova cultura de produção agrícola que não é coisa que se consiga em poucos anos. “As coisas estão indo no rumo certo. Temos agora um fundo que dispõe recursos para projetos produtivos nas comunidades organizadas, temos o governo apoiando as fábricas ocupadas, temos a Missão Zamora, que incentiva o plantio das terras. A caminhada é lenta, pois as mudanças são radicais. Por isso, antes de tudo, é preciso educar o povo para uma nova sociedade. Sem isso, não avançamos”, afirma, cheia de esperança, a professora de escola infantil, Rosa Herrera. O filho de camponês, Marcos Hernandez, que vive no Estado de Zulia, fronteira com a Colômbia - e desfilava orgulhosos na marcha do fórum - confirma as palavras de Rosa. Ele, junto com toda a família, faz parte da Missão Zamora e acredita que com o incentivo do governo e a educação dos camponeses a terra vai começar a parir em todos os cantões da Venezuela. “Está na hora de plantarmos nossa própria comida”.
Os telefones de aluguel
Em meio à babel de cores e sons, a cidade de Caracas oferece um serviço absolutamente essencial: a telefonia de rua. Ao contrário do Brasil, em que quase cada ser tem um celular, na capital venezuelana as gentes usam o serviço das barraquinhas informais. Em todas as esquinas dos bairros mais populosos e do centro há uma mesa com vários celulares presos por uma corrente e uns dois telefones fixos. Por 300 bolívares – que equivalem a 30 centavos de real – qualquer um pode chamar a qualquer lugar, inclusive para o exterior. Ocorre que na Venezuela existe um serviço de telefonia fixa que é feito por satélite, portanto não é necessário que o telefone esteja conectado a um ponto na parede.
José Menezes, 33 anos, é um desses trabalhadores que monta sua barraca, todos os dias, em algum ponto movimentado da cidade. Ele não é o dono dos telefones. Trabalha para uma mulher que tem vários aparelhos distribuídos pelo centro e é ela quem fica com o lucro maior. Cada linha de telefone fixo custa em torno de 170 mil bolívares (170 reais) e os “moviles” (celulares) custam 180 mil. Assim, para montar uma barraca com telefones próprios é preciso um pequeno capital. José é soldador de profissão, mas já faz alguns meses que está desempregado. Então, o jeito foi encontrar uma saída no trabalho informal onde consegue tirar perto de 100 mil bolívares por semana (100 reais). “É pouco, mas já dá para sustentar a mulher e os dois filhos”.
Crítico do governo Chávez, ele insiste em dizer que tampouco é esquálido. Reconhece que o governo está fazendo muita coisa boa. “Os restaurantes populares são uma bênção. Têm comida de graça e salvam a nossa pele. As missões Robinson (educação superior) e a Ribas (alfabetização) são excelentes. Os médicos cubanos estão chegando aonde nunca ninguém chegou. Mas, há coisas por fazer. A Venezuela é um país muito rico por causa do petróleo e esse dinheiro tem que vir para os pobres. O presidente é bom, ampara os necessitados, mas acho que ele viaja muito. Tem que cuidar mais aqui de dentro”. José também acredita que é preciso investir mais na educação para mudança de hábitos. Diz que a missão Mercal, que distribui alimentos em mercados populares a custo muito baixo, também precisa de reformas. “O povo joga fora os alimentos que acredita não interessar. Isso é errado. Nunca se deve jogar comida fora”. Outra crítica que faz é com relação ao trabalho informal. “O presidente disse que não descansaria enquanto não tirasse todo mundo da rua. Já passou o tempo e a gente ainda está aqui”. José conta que nunca votou. Não confia em políticos. Agora, Chàvez caminha para mais uma eleição e quer fazer 10 milhões de votos. “E aí, vais votar?”. Ele sorri, pensa um pouco e brejeiramente faz suspense até responder: “No sé!”
Miraflores
Está bem ali, no meio do caos urbano, perto do fervilhar das barracas e do povo em confusão. Não é permitido andar pela calçada da frente, apenas pelo outro lado da rua. Mesmo assim, circulam livremente carros e gentes num ir e vir frenético. No portão principal do Palácio Miraflores ficam alguns “boinas rojas”, da guarda nacional, que são sempre muito simpáticos e abertos a conversas. Cumprimentam, apertam mãos, sorriem. “Do Brasil? Que belo. Estivemos lá, na semana passada, com o presidente. Estejam à vontade!”. São todos muito jovens, quase meninos. Fotografias não são permitidas e isso até parece pueril quando se percebe que, por todo o lado, estão os prédios altos de habitações populares. A impressão que passa é de que da janela do quarto andar de qualquer um daqueles edifícios pode-se ver o presidente dentro do palácio. Mas, é só impressão. A segurança de Chàvez, apesar de amistosa, é bastante eficaz e cuidadosa.
Naqueles dias de Fórum Social Mundial, com mais de 80 mil pessoas circulando por Caracas, não foram poucos os visitantes dispostos a perscrutar cada detalhe do prédio, rememorando os fatos mais quentes da história recente, quando do golpe em 2002. “Eu fiquei ali, olhando o portão de ferro onde o povo lutou bravamente para ter Chàvez de volta durante o golpe de Carmona e seus comparsas. Foi uma emoção muito forte”, conta o mexicano Adolfo Morales, professor de Economia na Universidade Autônoma do México, que perambulou pela rua por um longo tempo, a olhar com profunda reverência cada rosto caraqueño que lhe sorria. “A gente vem e vê onde o povo resistiu, onde alguns venezuelanos morreram para defender a Constituição e parece que tudo fica mais forte no coração”, diz, emocionada a estudante paraguaia Laura Torres.
Misturado ao corre-corre de Caracas, Miraflores não tem nada de especial. É um grande prédio amarelo-pálido, por onde entram e saem trabalhadores e soldados de boina vermelha. Mas, como num encantamento - que pode ser tudo o que significa a revolução bolivariana - ele adquire uma aura que transcende ao arquitetônico. Quem viu o vídeo “A revolução não será televisionada” não pode deixar de se arrepiar ao caminhar por aquele paço onde milhares de pessoas trouxeram de volta, no grito, na raça, o seu presidente. “Chàvez tem o coração bom, é um homem bendito. Nós o amamos. O que move os esquálidos contra ele é o ódio. É que antes tudo era para os ricos. Agora, é para o povo todo. Por isso o queremos”, conta a professora Sormarina Enrique, que esteve lá, na rua, em defesa do presidente. “Nas eleições, Chàvez vai varrer. Faremos os 10 milhões”.
O interior
A cidade de Puerto Ordaz fica na beira do Orinoco e tem sua economia baseada no setor de mineração e industrial. Dali sai ferro, bauxita, ouro e alumínio. Dos seus rios sai a energia elétrica que supre quase 70% do consumo do país. É uma cidade rica que também enfrenta os mesmos paradoxos que a capital, Caracas. Ali vive Alberto Soares, 54 anos, um típico trabalhador venezuelano que aposta toda a sua vida na proposta da revolução bolivariana. Filho de um maquinista de trem, criado nas minas, ele não tem dúvidas em dizer que agora o país está bem melhor. “Quando eu era soldado tinha como missão levar as cartas que chegavam para o presidente. Lembro que ninguém nem abria aqueles envelopes. O povo não tinha vez. Hoje não. As cartas são entregues ao Chàvez, ele lê, responde na televisão ou por carta também. Isso é bom. Temos os médicos cubanos que atendem a todo mundo. Antes, um trabalhador não tinha condições de comprar óculos. Hoje os ganhamos. Estamos também incrementando a indústria. A Venezuela vai fazer tratores e vender para o Irã. Havia mais de 20 anos que não eram criadas universidades. Hoje temos a Universidade Bolivariana, ensino de graça para todos. Que mais a gente pode querer?”.
Alfredo conta que trabalha atualmente num dos mercados populares criados pelo governo para abastecer as populações empobrecidas. “O Mercal é uma coisa ótima, permite que as pessoas possam comprar alimentos baratos. Antes, os empresários faziam o preço que queriam e os pobres ficavam na mão. Hoje, num Mercal, o quilo de frango - base da comida venezuelna – custa 1.500,00 bolívares (equivalente a 1,50 real), enquanto que nos mercados privados passa dos quatro mil bolívares (quatro reais). “Os empresários não gostam, mas eles precisam aprender que é preciso investir na produção e que a prioridade tem de ser o povo. Hoje, com o Mercal, o alimento chega a todos, até nas comunidades indígenas”.
Para o trabalhador de Puerto Ordaz a vida só melhora. “Imagina se eu ia conseguir emprego com 54 anos, antes da revolução bolivariana... Quando fui procurar uma vaga no Mercal, ninguém me perguntou a idade ou minha filiação partidária. Eu sou crítico. Se o governo faz algo errado, eu protesto, mas o que é bom tem que ser dito”. Alfredo conta que enfrenta a divergência dentro da própria casa. A mulher dele, professora primária, é anti-chavista mas, segundo Alfredo, sequer consegue argumentar porquê. “Eu digo que agora as coisas funcionam. Ela diz que o estado está militarizado. Está bem, é verdade. Mas eles (os militares) são mais honrados que os civis. Quando os civis tiveram sua chance de governar não responderam bem”. Como quase todo venezuelano, Alfredo está muito bem informado sobre o que acontece na Venezuela e no mundo. Diz que tem um pouco de medo do que os Estados Unidos podem fazer contra Chàvez e contra seu país. Lembra do que aconteceu no Iraque, no Afeganistão e no Chile, com Allende. Mas, como conhece todas as missões que estão em andamento, acredita que o povo vai saber defender esse patrimônio que estão construindo.
Puerto la Cruz fica na beira do mar do Caribe. Vive do turismo, de algumas indústrias e tem uma das mais importantes refinarias de petróleo. André é motorista de táxi e vive ali desde menino. Também vê com bons olhos o que acontece no país. Sabe que as coisas estão melhores do que antes, mas tem lá as suas críticas. Segundo ele, em sete anos de governo, já era para Chàvez ter resolvido algumas questões fundamentais como a da moradia e do emprego. Ele tem pressa. Jesus é produtor de TV e também acredita na mudança que a revolução bolivariana vem provocando na vida de todo mundo. “O problema é que Chàvez está mal cercado. Tem muito governador e alcaide que faz as coisas erradas. Eles têm seus protegidos e isso tira a confiança do povo. O presidente tinha que ficar mais atento a isso”. Angelita é dona de um pequeno restaurante na beira do mar. Não gosta de Chàvez e nem quer falar sobre política. “Ele é muito autoritário. Não gosto e ponto”.
Na Isla Margarita, principal reduto turístico do país, no meio do mar do Caribe, há um sentimento anti-chavista bem grande, pelo menos entre os profissionais liberais e comerciantes. Ninguém apresenta argumentos muito claros, mas é visível a incomodação que provoca qualquer comentário positivo ao presidente. “Aqui ninguém quer saber de Chàvez. E se ele ganhar as eleições alguma coisa vamos fazer. Não vamos aceitar”, diz Reñedo, que vive de levar turistas a passear no seu táxi por toda a ilha. No centro da capital, Asunción, apesar de serem visíveis as atividades das missões bolivarianas, parece que as pessoas ainda não conseguiram assimilar a importância do que está acontecendo. Na beira da praia de El Humo, um pescador, vestido com uma camiseta da missão Robinson admite que é bom que chegue a educação, mas não tem opinião alguma sobre Chàvez. Diz que nem vota.
Noris é assistente social do estado de Nova Esparta e está na estrada pedindo carona. A alcadia não tem recursos para transporte e o ônibus demora demais. Ela também compartilha da idéia de que quem estraga o trabalho de Chàvez são os governantes locais. Ela mesma se vê frustrada no seu trabalho diário. “Eu visito as famílias, vejo quem tem necessidade de ajuda, de emprego, de cesta básica. Faço os relatórios, encaminho os pedidos, mas as coisas ficam barradas na burocracia. Muitos dos alcaides e governadores primeiro ajudam seus amigos. A gente fica desacreditada”. Já os pescadores da praia de Manzanillo culpam Chàvez até pelo estado do mar. Naqueles dias de 2 e 3 de fevereiro não conseguiram sair para pescar pois havia muita agitação na água. “Aqui precisamos de novas construções para vender o peixe, de barcos mais modernos. E nada vem”. Já Noris entende que o que precisa mudar na ilha é a cultura de esperar sempre por alguém que dê as coisas de mão beijada. “O povo não tem a cultura de se organizar e lutar pelas coisas. Não consegue nem organizar o lixo, vê? Isso é um desafio para o governo bolivariano. É o que precisa mudar antes de tudo”.
A vida segue...
O certo é que na Venezuela, entre a população, as opiniões se dividem de forma muito clara. Há os que são a elite predadora de sempre e que não quer, de maneira alguma, perder seu poder. E há os que têm muito medo do socialismo, porque não o conhecem e são aterrorizados diariamente pela empresas de televisão e de radiodifusão. Os programas de debates chegam a extremos de agressividade contra a pessoa do presidente. Coisa que nenhum outro suportaria. Jornalistas famosos dizem as maiores barbaridades no rádio e na TV e ainda acusam o governo de censurar a comunicação. Nada mais falso. Eles dizem o que querem e provocam o pavor. Defendem o governo estadunidense da forma mais aberta possível e dizem que se o presidente continuar a desafiar o país de Bush, a guerra fatalmente virá. Muitos deles funcionam ainda como porta vozes das autoridades estadunidenses, respaldando-os como homens de boa fé. Isso causa confusão e muito temor nas camadas médias da população que temem perder pequenos privilégios que o dinheiro garante.
Por outro lado, as televisões estatais apresentam os discursos de Chàvez na íntegra e, neles, o presidente procura apresentar aos venezuelanos a sua versão dos fatos. Com uma linguagem simples ele vai contando histórias e trazendo informações sobre o que anda fazendo. Também as TVs e rádios comunitárias fazem sua parte tentando mostrar outras coisas que a TV comercial não mostra. A guerra ideológica também se explicita nesse campo. Vários casos de agressão a repórteres populares são registrados diariamente e há uma batalha na justiça contra um jornalista de uma grande rede que chegou a quebrar a câmera de um repórter durante uma manifestação de esquálidos. Há sempre uma tensão no ar e nada garante a estabilidade da proposta bolivariana. Há muitas consciências a ganhar e muito trabalho de base por fazer.
Nos bairros mais pobres também se apresenta uma ambigüidade. A maioria das pessoas aposta na figura de Chàvez. É ele quem monopoliza a esperança e a crença num tempo melhor. Quem nunca teve acesso à educação, saúde, lazer, alimentação, devota a ele o maior amor. Isso pode ser um caminho para o personalismo e o paternalismo, risco diário da revolução bolivariana. Chàvez mesmo sabe disso e procura, via a institucionalidade do estado, organizar as comunidades. Mas, mesmo ele acredita que essa organização tem que nascer do desejo das gentes. Não pode ser mais uma “doação” do governo. “Tivemos muitos anos de um país dependente de tudo. Agora, temos de começar do zero. Esse é o nosso maior desafio a vencer”.
Outro elemento importante para julgar os avanços sociais do governo bolivariano é a consciência de saber que nestes sete anos - que parece muito tempo – o presidente e seus aliados enfrentaram a elaboração de uma nova Constituição, novas eleições presidenciais, um golpe de estado e um referendo revocatório. Tudo isso foi feito junto com o processo de instalação das missões que cuidam dos mais variados aspectos da vida da população. Trabalho de gigantes, ainda em construção... A Venezuela é uma promessa, tudo pode acontecer!
- Elaine Tavares – jornalista no OLA/UFSC
https://www.alainet.org/de/node/114328?language=es
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