Alckmin e a retomada da privataria

19/10/2006
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Ao colocar em pauta o debate programático e ofuscar o falso moralismo da direita neoliberal, o segundo turno das eleições presidenciais acuou o candidato Geraldo Alckmin. Ele está na defensiva, tendo que prestar contas à sociedade. Na sua propaganda gratuita de rádio e televisão, ele insiste em dizer que não privatizará a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios. O candidato chegou a assinar uma “carta antiprivatização” para atrair o PDT. Mas ninguém acredita nas suas promessas e nas suas peças publicitárias. Motivos para desconfiança não faltam e não adianta o candidato ficar irritadinho.

 

Se quiser conquistar alguma credibilidade, Alckmin precisará tomar quatro atitudes: 1) pedir desculpas aos eletricitários paulistas por ter assumido o compromisso, em 1994, de que não privatizaria as empresas de energia de São Paulo; 2) fazer autocrítica das privatizações efetuadas sob o seu comando no Estado; 3) criticar áspera e publicamente o seu padrinho político, o tucano-mor FHC, que promoveu a maior entrega do patrimônio público da história; 4) desfiliar-se do PSDB, romper a aliança com o PFL e demitir todos os seus atuais assessores e conselheiros, que defendem abertamente a retomada das privatizações no país.

 

Um homem sem palavra

 

Na campanha eleitoral de 1994, a dupla Mário Covas/Geraldo Alckmin participou de inúmeras audiências públicas na Assembléia Legislativa de São Paulo nas quais se comprometeu a não privatizar as empresas energéticas do Estado. Pouco depois de eleito, entretanto, o governo tucano passou a fatiar as companhias do setor para preparar sua privatização. Geraldo Alckmin foi nomeado presidente do Programa Estadual de Desestatização (PED), criado em 1996. Em pouco tempo, a maioria das estatais foi vendida, em negócios até hoje obscuros, para poderosas corporações estrangeiras; pouco depois, houve o apagão de energia.

 

Dirigentes do Sindicato dos Engenheiros, que participaram destas audiências, lembram até hoje deste ato de traição, que maculou de vez a imagem dos tucanos na base. Um boletim do Sindicato dos Eletricitários de Campinas recorda a quebra de palavra: “Foi durante o carnaval de 1996 que o então governador Mário Covas quebrou um compromisso de campanha e enviou a Assembléia Legislativa um projeto que criava o PED, depois transformado em lei 9.361. O então vice-governador e presidente do PED, Geraldo Alckmin, apressou o programa de privatização e cindiu todas as estatais para a venda”.

 

Já o deputado Renato Simões registra que “em 1994, quando Covas e Alckmin foram ao segundo turno, apresentaram na porta da CPFL, Eletropaulo e Cesp uma carta-compromisso dirigida aos eletricitários. Na carta, assinada de punho por Mário Covas, ele assumiu o compromisso solene de não privatizar o setor elétrico. Como tantos outros compromissos dos tucanos, esse também foi rasgado”. Diante deste episódio histórico inesquecível, por que acreditar agora na palavra empenhada pelo candidato Geraldo Alckmin de que não privatizará a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios?

 

O desmonte de São Paulo

 

Alckmin não apenas desonrou sua palavra. Ele foi o maior privatista da história recente de São Paulo. No comando do PED, ele entregou de mão-beijada a Eletropaulo, CPFL, Elektro, Cesp, Comgás, Ceagesp, aeroporto Viracopos e as rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco, Dom Pedro, Carvalho Pinto, Ayrton Senna, Imigrantes e Anchieta. Além disso, vendeu ações da Nossa Caixa e da Nossa Caixa Previdência. A alienação de todo este patrimônio rendeu R$ 35,6 bilhões, segundo a própria Secretaria da Fazenda. Isto sem contar a Fepasa e o Banespa, que foram federalizados antes de serem privatizados.

 

Muitas destas privatizações geraram suspeitas. A do Banespa é exemplar. Antes do seu criminoso leilão, em 2000, tinha ativos de R$ 29 bilhões e patrimônio de R$ 11 bilhões. Mas foi doado ao banco espanhol Santander por apenas R$ 7,05 bilhões – que, descontada a isenção fiscal, não pagou nada pela compra. A privataria foi feita sob o pretexto de dar um “choque de gestão” para sanar as dívidas públicas. Mas os R$ 35 bilhões obtidos com as “vendas” serviram apenas para pagar os juros e o caos financeiro se agravou. A dívida pulou de R$ 34 bilhões, em janeiro de 1995, para R$ 123 bilhões em março passado. Baita choque!

 

Prova de sua concepção privatista – e de que não dá para confiar na sua palavra –, já nos estertores do seu governo Geraldo Alckmin ainda vendeu a Companhia de Transmissão Paulista (CTEEP), numa transação estranha com uma empresa colombiana menor do que a ex-estatal paulista. Também acelerou o processo de privatização da Linha 4 do Metrô. “Para completar, pouco antes de se desincompatibilizar, o ex-governador autorizou a venda de 20% das ações da Nossa Caixa, manobra impedida por seu sucessor Cláudio Lembro”, lembra o jornalista Gilberto Maringoni, em reportagem à Agência Carta Maior.

 

FHC, o chefe da privataria

 

Mas não basta fazer mea-culpa da irresponsável e criminosa entrega das estatais paulistas. O candidato do PSDB-PFL ainda deve uma dura crítica à política de privatizações imposta por FHC nos seus oito anos de reinado. É certo que Alckmin procura evitar FHC, que é odiado pelo povo e só causa prejuízos eleitorais. Mas não adianta esconder. Ele precisa pedir desculpas de joelhos por ter seguido caninamente a política privatista do tucano-mor. Do contrário, ninguém acreditará na sua desgastada palavra, por mais que ele prometa que não vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios.

 

Os conselheiros privatistas

 

Por último, Geraldo Alckmin ainda necessita se desfiliar do PSDB, romper a aliança com o PFL e demitir todos os seus atuais consultores. Afinal, é público e notório que um importante integrante da executiva do PSDB, Luiz Gonzaga Mendonça de Barros, ex-ministro de FHC, defende a privatização da Petrobras. Em palestra para empresários da Abamec, em 2004, afirmou: “O governo já deveria pensar na privatização da Petrobras”. Mais recentemente, numa entrevista à revista Exame, ele foi mais incisivo: “Se eu estivesse no próximo governo, trabalharia forte na privatização da Petrobras”. Assim não dá! O economista que “faz a cabeça de Alckmin”, segundo outra reportagem da revista Exame, precisa ser dispensado imediatamente!    

 

Outros tucanos assumidos ou enrustidos, que compõem sua equipe de governo, deveriam ser afastados. É o caso da economista Eliana Cardoso, ex-servidora do FMI e ex-integrante de “um grupo de leitura que inclui banqueiros e funcionários do Pentágono”, segundo a revista IstoÉ. Em entrevista à falida Primeira Leitura, ela aconselhou: “A privatização do BB e da CEF é uma medida indispensável à transparência dos orçamentos e à estabilidade financeira... Os bancos estatais representam empecilho ao crescimento”. Já o ex-ministro Maílson da Nóbrega escreveu artigo na semana passada, no Correio Braziliense, insistindo na tese de que “a privatização seria o melhor caminho para o futuro do Banco do Brasil”.

 

Acredite se quiser

 

No caso do PFL, é o próprio presidente deste partido de oligarcas, o racista Jorge Bornhausen, que prega a entrega da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Logo que assumiu o Senado, em 1998, ele fez um apaixonado discurso na tribuna pregando a imediata entrega de todas as estatais. Até criticou o governo FHC pela demora. Segundo Lydia Medeiros, do Correio Braziliense, foi um libelo em defesa da privatização. “O cidadão precisa enxergar o nosso compromisso com a urgente e indispensável privatização das estatais ainda restantes e com a complementação da reforma previdenciária”, afirmou. Hoje, mais cauteloso – nem sequer disputou as eleições com medo da derrota –, evita tratar do assunto.    

 

O próprio programa do PSDB-PFL, talvez escrito sem o conhecimento do candidato, propõe de forma marota a privatização da Petrobras. Afirma que o presidente tucano deverá “estabelecer parcerias com a iniciativa privada para o crescimento do setor”, “incentivar a participação da iniciativa privada em companhias de distribuição de gás natural” e “incentivar a entrada de novos agentes no mercado de refino e transporte do petróleo e gás natural”. Como se observa, a desconfiança sobre o risco de uma nova onda privatista num governo tucano é plenamente justificável. Não adianta o candidato se descabelar.

 

Somente se Geraldo Alckmin anunciar, até 29 de outubro, as quatro medidas propostas acima, a sociedade poderá acreditar que ele não vai mesmo privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios. Acredita se quiser!

 

-Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

https://www.alainet.org/de/node/117704
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