Nem com uma flor...
29/01/2007
- Opinión
O ano que passou e que já vai longe no tempo foi pródigo em episódios de violência. Entre estes, a violência contra a mulher teve lugar nada desprezível. Em novembro de 2006, inconformado pelo que chamou de traição da ex-mulher, Cristina Ribeiro, o marido abandonado André Luiz Ribeiro da Silva a manteve sob a mira de um revólver das 8h às 18h20m dentro de um ônibus. Cerca de 50 pessoas foram inicialmente mantidas reféns pelo homem, que ameaçava matá-la e suicidar-se. Felizmente tudo terminou sem mortes, mas com um horrível trauma para a Cristina e para todos os reféns, que sofreram durante horas à mercê das paixões desatadas de André.
Em dezembro, a manicura Aglais Pereira de Oliveira foi morta a facadas pelo marido, inconformado com a separação. Tendo ido queixar-se à polícia, foi oferecido a ela o abrigo municipal para mulheres vítimas de violência. Aglais preferiu dar mais uma chance ao companheiro e perdeu a vida.
Entre os casos de Cristinas e Aglais, Marias e Joanas, ainda no mês de dezembro uma clamorosa injustiça dá testemunho do machismo que reina na avaliação dos números da violência. O jornalista Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da namorada Sandra Gomide, foi condenado mas não preso. Voltou para casa. A indignação dos familiares de Sandra e de todas as instituições que lutam contra a violência feita à mulher é compreensível. Trata-se de algo inexplicável que um homem que matou uma moça 30 anos mais nova, de forma premeditada, por motivo torpe, réu confesso, condenado pelo Tribunal do Júri, receba, seis anos depois, o benefício de continuar aguardando em liberdade o julgamento do recurso. Infelizmente, no entanto, ainda há muito que caminhar neste campo em nosso país.
No Brasil, pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que a cada 15 segundos uma mulher é agredida. Estima-se que mais de dois milhões de mulheres são espancadas a cada ano por maridos ou namorados, atuais e antigos. Por outro lado, os números sobre a incidência da violência contra a mulher no país contrastam com dados de recente pesquisa, que revelam um alto grau de rejeição à violência contra as mulheres. Na pesquisa em questão, 82% dos entrevistados respondem não existir nenhuma situação que justifique a agressão do homem a uma mulher. Além disso, 91% consideram muito grave o fato de mulheres serem agredidas por companheiros e maridos. Ao mesmo tempo, o velho ditado que afirma que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ainda tem boa aceitação (66%), reforçando a dupla moral e a cultura machista.
Observa-se que há uma atitude mental e interior contrária à violência, mas não há um comportamento equivalente.
O processo de emancipação da mulher ainda provoca muita insegurança no homem. Como aquele ser frágil, dependente, de repente se arvora em ter idéias próprias, trabalhar fora, olhar para o lado? Esse que é um dos processos mais revolucionários da cultura contemporânea até hoje não conseguiu plena cidadania nos países latinos, entre eles no nosso.
A raiz do problema sendo social, a solução também deve sê-lo. Uma sociedade violenta só pode produzir seres humanos – homens ou mulheres – igualmente violentos. Quem usa de violência tem sua personalidade por ela configurada, quem sabe na infância, quem sabe por que tortuosos caminhos e experiências? Em um ato violento, todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade também no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta.
Não se defende aqui a impunidade e a negação do delito que deve ser sancionado. Mas, por outro lado, aparece claro que o problema é mais global do que pensamos. Enquanto não construirmos uma sociedade mais justa e pacífica em todas as suas dimensões, infelizmente não conseguiremos convencer os homens de que “em uma mulher não se bate nem com uma flor”.
Em dezembro, a manicura Aglais Pereira de Oliveira foi morta a facadas pelo marido, inconformado com a separação. Tendo ido queixar-se à polícia, foi oferecido a ela o abrigo municipal para mulheres vítimas de violência. Aglais preferiu dar mais uma chance ao companheiro e perdeu a vida.
Entre os casos de Cristinas e Aglais, Marias e Joanas, ainda no mês de dezembro uma clamorosa injustiça dá testemunho do machismo que reina na avaliação dos números da violência. O jornalista Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da namorada Sandra Gomide, foi condenado mas não preso. Voltou para casa. A indignação dos familiares de Sandra e de todas as instituições que lutam contra a violência feita à mulher é compreensível. Trata-se de algo inexplicável que um homem que matou uma moça 30 anos mais nova, de forma premeditada, por motivo torpe, réu confesso, condenado pelo Tribunal do Júri, receba, seis anos depois, o benefício de continuar aguardando em liberdade o julgamento do recurso. Infelizmente, no entanto, ainda há muito que caminhar neste campo em nosso país.
No Brasil, pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que a cada 15 segundos uma mulher é agredida. Estima-se que mais de dois milhões de mulheres são espancadas a cada ano por maridos ou namorados, atuais e antigos. Por outro lado, os números sobre a incidência da violência contra a mulher no país contrastam com dados de recente pesquisa, que revelam um alto grau de rejeição à violência contra as mulheres. Na pesquisa em questão, 82% dos entrevistados respondem não existir nenhuma situação que justifique a agressão do homem a uma mulher. Além disso, 91% consideram muito grave o fato de mulheres serem agredidas por companheiros e maridos. Ao mesmo tempo, o velho ditado que afirma que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ainda tem boa aceitação (66%), reforçando a dupla moral e a cultura machista.
Observa-se que há uma atitude mental e interior contrária à violência, mas não há um comportamento equivalente.
O processo de emancipação da mulher ainda provoca muita insegurança no homem. Como aquele ser frágil, dependente, de repente se arvora em ter idéias próprias, trabalhar fora, olhar para o lado? Esse que é um dos processos mais revolucionários da cultura contemporânea até hoje não conseguiu plena cidadania nos países latinos, entre eles no nosso.
A raiz do problema sendo social, a solução também deve sê-lo. Uma sociedade violenta só pode produzir seres humanos – homens ou mulheres – igualmente violentos. Quem usa de violência tem sua personalidade por ela configurada, quem sabe na infância, quem sabe por que tortuosos caminhos e experiências? Em um ato violento, todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade também no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta.
Não se defende aqui a impunidade e a negação do delito que deve ser sancionado. Mas, por outro lado, aparece claro que o problema é mais global do que pensamos. Enquanto não construirmos uma sociedade mais justa e pacífica em todas as suas dimensões, infelizmente não conseguiremos convencer os homens de que “em uma mulher não se bate nem com uma flor”.
- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
www.users.rdc.puc-rio.br/ágape
https://www.alainet.org/de/node/118969?language=en
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