Uma marcha pela vida

11/03/2007
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Albina Rodrigues, de 67 anos, não sentiu o sol forte que castigou Florianópolis. O chapéu de aba larga, de palha, foi sua casa, tal qual é no campo quando planta o feijão que, mais dia, menos dia, chega à mesa das mulheres e homens da cidade. Ela balançou a bandeira lilás do movimento de mulheres camponesas e pisou firme o chão, chamando as gentes da cidade para a luta conjunta. “Eu levo mais de 20 anos nessa luta, brigando pra ter saúde, pra ter crédito, educação. Sabe, me dói o coração ver a gente da roça ficando doente por causa dos agrotóxicos, sem um apoio para ficar no campo. Por isso a gente caminha e a gente luta”. Junto com Nair, 60 anos, sua companheira que veio de Curitibanos e também está há mais de 20 anos na luta, a camponesa diz que não perde a esperança de ver o país mudar. “Nós vamos derrotar o agronegócio, os transgênicos, mas, pra isso precisamos da gente da cidade. Sem eles, nada muda!”

E foi com esse objetivo que mais outras 600 mulheres saíram de vários pontos do estado de Santa Catarina e vieram para a capital reivindicar direitos e buscar um diálogo mais fecundo com as mulheres da cidade. Aproveitando o Dia Internacional da Mulher, elas articularam reuniões e pousos nos bairros periféricos de Florianópolis. Ali puderam conversar cara a cara com suas companheiras, falar das dificuldades da vida no campo, da cadeia que as une no processo produção/consumo e ainda discutir o preço dos produtos, que sofrem aumentos abusivos na cadeia de comercialização, além dos prejuízos dos alimentos transgênicos e da ganância do agronegócio. “Foi muito bom poder ficar nas casas, subir os morros, conhecer um pouco da realidade das mulheres da periferia. Esperamos agora que estes laços frutifiquem e que a gente possa fazer uma luta conjunta”, diz Noeli Taborda, uma das coordenadoras do Movimento das Mulheres Camponesas.

Outra ação que chamou a atenção do povo da capital foi a vigília que elas fizeram em frente ao prédio do Instituto Nacional de Seguridade Social. Durante toda a noite, centenas de mulheres se revezaram nas pequenas fogueirinhas, tomando chimarrão e conversando com as companheiras da cidade que foram também reivindicar. Elas buscaram mostrar que os direitos previdenciários, tanto das mulheres do campo como das da cidade, ainda precisam avançar. Mulheres pescadoras não têm sua profissão reconhecida, assim como as donas de casa também não. “Essas mulheres trabalham muito, dão duro e precisam ter os direitos reconhecidos”.

Além de buscar a visibilidade da luta camponesa, as mulheres insistiram em conversar com o governador do estado, Luis Henrique da Silveira, pois também traziam uma pauta de suas questões específicas. Mas, esta foi uma tentativa vã. O governador sequer apareceu na janela do palácio enquanto as mulheres faziam cantorias e gritavam palavras de ordem. Quem recebeu uma pequena comissão foi o secretário de Coordenação e Articulação, Ivo Carminati. E aí, a história foi protocolar. Elas deixaram a pauta e o secretário prometeu que o governador iria examiná-la. “A gente sabe que sem a luta mesma, nada sai do papel”, reconhece Noeli.

Caminhada contra o Bush

Depois de todo o agito político discutindo a necessidade de alimentos saudáveis, as camponesas abriram suas fileiras para o protesto contra a presença de George W. Bush no Brasil. Durante toda a semana anterior ao 8 de março, movimentos populares, estudantes e sindicatos estiveram articulando uma parceria com as mulheres para realizar um ato massivo de repúdio ao presidente estadunidense. Assim, na parte da tarde, lá estavam todos, unidos depois de tanto tempo, uma vez que há grandes divergências entre os grupos por conta do governo Lula. Os movimentos e sindicatos articulados junto à Conlutas repudiam também a presença das tropas brasileiras no Haiti e fazem críticas pesadas a política de Lula. Já o próprio movimento de mulheres e o MST ainda estão trabalhando com a lógica de debater por dentro das estruturas. Isso gera alguns atritos e muitas divisões. Mas, contra Bush, o acordo se fez, e pelas ruas da capital marcharam as mulheres, distribuindo alimentos, repudiando os transgênicos e o agronegócio, e também os movimentos mais à esquerda, tentando desvelar os motivos dos problemas levantados pelas mulheres, com gritos de abaixo o capitalismo, fora Bush do Iraque e Lula do Haiti.

Ainda assim, com cada grupo podendo se manifestar livremente, não faltaram as farpas por conta do uso do caminhão de som. Lá em cima, só falaram as mulheres, e os gritos de “Fora Bush” ficaram no chão, sem poder se expressar desde os alto-falantes. De qualquer forma, panfletos foram distribuídos e foi possível perceber na população o repúdio ao presidente dos Estados Unidos. Por onde passava a caminhada, as pessoas aplaudiam e faziam sinais de positivo para as faixas vermelhas que pediam o “fora bush”. Júlia de Souza Pinto, de 23 anos, vendedora, vibrava na porta do comércio. “Esse cara pensa que é o rei. Mas a gente não quer saber dele. Ele que vá cuidar do país dele”.

E, desta forma, sem ações mais radicais, a passeata terminou em frente ao terminal urbano, pacificamente. No dia seguinte, a imprensa burguesa deu algumas linhas e uma pequena foto. Para a imprensa, o ato praticamente não aconteceu, afinal, só vira notícia se alguém quebra um vidro ou enfrenta a polícia. Como tudo foi na ordem, a imagem de mais de duas mil pessoas marchando e gritando fora Bush só ficou mesmo na retina de quem viu.

Em outros estados do Brasil as manifestações também se uniram às atividades do 8 de março e das mulheres camponeses. Algumas delas foram muito reprimidas pela força policial, como as de São Paulo - cidade onde estava Bush. Ali, houve confronto e as imagens correram o mundo. Nas demais capitais também milhares de pessoas saíram às ruas em protestos. Os brasileiros, no geral, demonstraram seu repúdio ao governo imperial de George Bush. “Ele agora vem com essa conversinha de ajudar a América latina e fica beijando criancinhas. Nem chega perto da verdade do Chávez. O cara lá da Venezuela sim, se preocupa mesmo com os países mais pobres e com as pessoas. Quem não se lembra que durante a tragédia do Katrina, ele ofereceu ajuda e o Bush não quis? Já o Bush deixou seu próprio povo morrer”, disparou Jussara Costa, funcionária pública, durante a caminhada em Florianópolis.

- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina.
http://www.ola.cse.ufsc.br
https://www.alainet.org/de/node/119911?language=en
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