O fardão lhe cai bem

31/08/2008
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Jamais pensei ver meu modesto e discreto amigo sentado na cadeira de Zélia Gattai, que foi ocupada primeiro e sobretudo por ninguém menos que Machado de Assis. Jamais o imaginei igualmente cumprindo os rituais da Academia, vestido com o suntuoso fardão dos imortais. Seu jeito amigo, próximo e coloquial, não me parecia combinar tão bem com a pompa e circunstância que cercam a solene pertença acadêmica.

Conheci-o por afinidades jornalísticas e teológicas, e nossos encontros sempre foram em ambientes sociais, sim, mas também e sobretudo eclesiais. Sei de sua paixão pela Bíblia, de seu profundo conhecimento dos padres da Igreja e dos clássicos da teologia. Ele os leva como cartas na manga, tirando-as quando se faz necessário para compor um artigo, coordenar o grupo de Bíblia que há anos reúne em sua casa, ou para dar testemunho da fé que carrega em sua intimidade e vive com discreta devoção.

Não me surpreendi, no entanto, ao sabê-lo eleito com sobeja folga. A Academia ainda sabe, graças a Deus, reconhecer valores reais e sólidos. E na eleição de Luiz Paulo Horta quis sentar na cadeira ora vaga não apenas o jornalista, mas o amante e especialista em música clássica, o conhecedor profundo da literatura brasileira e universal, e dessa linguagem outra, melodiosa e misteriosa, das notas musicais e suas mágicas combinações. É a primeira vez que um especialista e crítico musical entra no espaço exclusivo e restrito da Academia e é alentador ver que isso aconteceu com Luiz Paulo Horta. Mostrar e demonstrar que a música é imortal e que deve ser lida, além de ouvida, será talvez a primeira e mais imediata missão do novo acadêmico.

No entanto, não é apenas por todos esses atributos que Luiz Paulo merece nosso entusiasta e alegre aplauso por sua nova imortalidade. É por tudo isso, sim, mas por muito mais também e sobretudo. É por sua doçura e afabilidade, que não fazem acepção de pessoas. É por sua simplicidade, que faz com que os netinhos pequenos o amem com loucura e o sigam por toda parte como um verdadeiro mestre. É por sua abertura ao outro, que o faz juntar ao redor de si e da leitura da Bíblia as pessoas mais diferentes e díspares, crentes ou não, em busca ou solidamente ancoradas na vida, inquietas, feridas

ou desorientadas. Todas são por ele acolhidas com o mesmo carinho e a todas presta a mesma afetuosa atenção.

É por isso, mais que nada, é por isso sobretudo e para além de todos os méritos justamente reconhecidos com essa eleição que, apesar do primeiro estranhamento, não hesitamos em afirmar que o fardão lhe cai bem. Tenho certeza de que jamais será para ele motivo e causa de vanglória ou vaidade. Bem o sabe ele, amante do Qohélet, grande livro sapiencial, que tudo é vaidade e que a glória deste mundo é frívola e fugaz, mudando de amantes como quem muda de camisa.

A imortalidade de que foi recentemente revestido meu amigo Luiz Paulo é, na verdade, “epifania” de uma imortalidade outra, que constitui seu segredo mais profundo e íntimo, e que ele sempre esconderá na humildade que é sua forma constitutiva de ser. Ele sabe que tudo é dom e graça. E, portanto, tudo só cresce e dá frutos na gratuidade do amor, que toma as variadas formas de amizade, desvelo, ternura, fidelidade, e todas as outras que a caridade inventa. Inclusive o aproximar os outros da Verdade da Palavra de Deus e da beleza infinita da música. Seja bem-vindo à Academia, amigo. E encha-a de sonoridade e beleza com seu amor à música. E de verdade com sua fé em Deus.


- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/ágape
https://www.alainet.org/de/node/129482?language=en
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