As dívidas se pagam, as fraudes não

24/11/2008
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 tio sam recbiendo deuda
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O presidente Rafael Correa anunciou que "não pagará a dívida ilegítima, a dívida corrupta e ilegal", depois de receber o informe final da Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público (CAIC), integrada por membros da sociedade civil e funcionários do governo.

 

O presidente Correa também anunciou, diante da presença de um grande número de pessoas, que corresponde à função judicial sancionar aos culpáveis do endividamento externo, cujo "peso deve ser trasladado em partes iguais aos responsáveis por adquiri-la com títulos espúrios, com chantagens e traição, e cada qual tem que pagar com seus bens o que corresponda". Acrescentou que "os emprestadores não são menos culpáveis, os que induziram compulsivamente, os que amarraram e pressionaram para empurrar seus empréstimos e lucrar com beneficiosas comissões".

 

A realização desta auditoria da dívida, promovida pelo governo equatoriano e com a participação de economistas, advogados e representantes de organizações sociais tanto do Equador como do exterior, é um feito inédito na América Latina e talvez no mundo, destacou o economista Franklin Canelos, vice-presidente da Comissão.

 

A CAIC, durante mais de um ano, auditou os processos de endividamento do Equador de 1976 a 2006, trabalho que incluiu a dívida comercial contraída com bancos privados internacionais; a dívida multilateral concedida pelos organismos financeiros internacionais; a dívida bilateral (principalmente com Espanha, Brasil e aqueles que formam o Clube de Paris); a dívida interna; e os créditos concedidos à Comissão de Desenvolvimento da Bacia do Rio Guayas para o projeto Multi-propósito Jaime Roldós Aguilera.

 

O informe final de 172 páginas constitui uma profunda análise técnica e jurídica que mostra um dos rostos mais sinistros de três décadas de políticas neoliberais. A dívida externa do Equador aumentou de 240 milhões em 1970 para 17,4 bilhões em 2007. Contudo, este endividamento, ao invés de contribuir para superar a pobreza, a iniqüidade e o atraso, "tem sido uma ferramenta de roubo dos recursos e de submissão a políticas impostas por organismos multilaterais, a pretexto de gestionar questões relacionadas com a obtenção de créditos", assinala o informa da CAIC.

 

O trabalho da CAIC não esteve isento de dificuldades, pois vários organismos do Estado, assim como o Prefeito de Guayaquil, Jaime Nebot, e outros, se negaram a proporcionar as informações solicitadas. O advogado argentino Alejandro Olmos, membro da Comissão, indicou que depois de revisar os arquivos do Banco Central do Equador, percebeu-se que no país "não havia registrada devidamente sua dívida, não havia controle, não havia seguimento e em muitos casos foi paga duas a três vezes a mesma obrigação".

 

No trabalho da Comissão se demonstra a ilegalidade e, portanto, a ilegitimidade do processo de endividamento. Assinala-se o caráter "odioso" da dívida externa, pois foi contraída por uma ditadura militar (1972-1979). De 1976 a 1982, outorgaram-se créditos ao Equador na ordem de 3,4 bilhões de dólares, dos quais 984 milhões foram destinados ao orçamento da Defesa. A Junta Nacional de Defesa, que foi a maior beneficiária, se negou a proporcionar à Comissão os dados dos créditos recebidos e o destino dos mesmos.

 

A dívida externa do Equador tem sido objeto de sucessivos processos de renegociação fraudulentos, nos quais os sucessivos governos aceitaram condições inaceitáveis dos credores, como contrair novas dívidas para pagar antigas dívidas, castigos de mora, altas taxas de juros, anatocismo (pagamento de juros sobre juros), revalorizar títulos de dívida que valiam pouco no mercado, segundo explica o membro da CAIC, Hugo Arias. Os convênios foram redigidos pelos próprios credores e incluíam cláusulas abusivas como renunciar à soberania nacional e aceitar disputas em tribunais internacionais, estabelecer a primazia dos convênios sobre a legislação e a Constituição equatorianas, etc.

 

Estas condições foram aceitas no Plano Brady para Equador (1993), apoiado pelo FMI, no Plano Adam (Pacto para a troca de Brady a Global, estabelecido em 1999), e em troca dos bônus Brady e dos Eurobonos a bônus Global (2000). Neste último caso, o prejuízo para o Equador foi enorme. Os bônus permutáveis, (Brady e Eurobonos), que somavam 6,3 bilhões de dólares, se cotavam no mercado em 30% (1,58 bilhões). Contudo, se trocavam pelos bônus Global 2012 e 2030 por um montante de 3,9 bilhões de dólares, com taxas de 12 e 10%. Até agosto de 2008, o Equador pagou, por conceito destes Bônus Global, 2,4 bilhões de dólares. As gerações futuras, se não se declarar agora o não pagamento desta dívida ilegítima, deverão pagá-la em 2012 e em 2030.

 

A Comissão também constatou que vários governos equatorianos cederam às exigências dos credores privados e foram cúmplices de irregularidades e abusos contra a economia do país. Por exemplo, no início da década de 1990, o Equador teve a oportunidade de amparar-se ao direito de prescrição da dívida comercial previsto pela legislação dos Estados Unidos e Londres para os casos de mora por mais de seis anos consecutivos. Isto teria permitido ao Equador economizar cerca de 7 bilhões de dólares de dívida comercial. Contudo, em 9 de dezembro de 1992, as partes equatorianas, representadas por Mario Ribadeneira, ministro de Finanças, Ana Lucía Armijos, Gerente Geral do Banco Central, e Miriam Mantilla, Cônsul do Equador em Nova York, firmaram nesta última cidade um acordo de renúncia unilateral da prescrição da dívida externa. Este convênio de Garantia de Direitos (Tolling Agreement) foi legalizado no mesmo dia por um decreto firmado pelo ex-presidente do Equador, Sixto Durán Ballén, e o Ministro de Finanças encarregado, Sebastián Pérez Arteta. Cabe indicar que por este e outros "méritos" a economista Ana Lucía Armijos terminou como funcionária do FMI.

 

Outros exemplos que merecem ser citados são as dívidas com os organismos multilateriais. No período 1976-2006, o Equador contraiu 286 créditos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, Banco Inter-americano de Desenbolvimento (BID), Coorporação Andina de Fomento, Fundo Latino-americano de Reservas e Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agropecuário, no valor de 12,5 bilhões de dólares, o que representa 42% da dívida externa pública contratada no citado lapso. Estes créditos, destinados no papel a "projetos de desenvolvimento", vieram acompanhados de condições que deram lugar à "debilitação do Estado e sua capacidade de planejamento, ajustes estruturais, processos de desregulação e mudança de competências ao setor privado prejudiciais aos interesses da nação, e seguindo uma matriz imposta aos países do Sul. Isto gerou instabilidade política e contínuos enfrentamentos de governos com setores sociais", assinala a Comissão.

 

Um exemplo que ilustra o caráter ilegítimo e fraudulento da dívida multilateral é um empréstimo de 14 milhões de dólares concedido pelo Banco Mundial para "desenvolvimento mineiro e controle ambiental" denominado PRODEMINCA. Com este empréstimo, se reformou a legislação para fazê-la "atrativa" ao investimento privado e se fez um levantamento de informação geoquímica para localizar onde se encontravam as jazidas mineiras com o objetivo de que fossem entregues, mediante concessões, às transnacionais. Ou seja: o povo equatoriano, mediante dívida pública, subsidia a penetração das transnacionais para que venham levar seus recursos naturais e destruir o meio ambiente.

 

Depois do anúncio da Ministra de Finanças, María Elsa Viteru, de prorrogar o pagamento por trinta dias dos juros dos bônus Global 2012 até conhecer o informe da CAIC, a imprensa sensacionalista previu obscuras nuvens para o país. Contudo, Alejandro Olmos assinala que "o Equador, nestes 25 anos, tem pago muito mais do que recebido, isso já é um indício do que é a dívida equatoriana. Se não se paga a dívida não acontece nada, na história de todos os países que não têm pago a dívida, não lhes têm acontecido nada".

 

- Eduardo Tamayo G. é jornalista da Agência Latino-americana de Informação (Alai).

 

1.Informe final da Auditoria para baixar em pdf: http://www.auditoriadeuda.org.ec/images/stories/documentos/informe_final_CAIC.pdf

2.  A CAIC está integrada pelos equatorianos: Ricardo Patiño, Franklin Canelos, Maria Rosa Anchundia, Hugo Arias, Angel Bonilla, Aurora Donoso, Karina Sáenz, Piedad Mancero, César Sacoto, Ricardo Ulcuango, y por Maria Lucia Fattorelli (Brasil), Gail Hurley, Jurgen Kaiser, Alejandro Olmos (Argentina) , Eric Toussaint (Bélgica)

 

3. No direito internacional se considera "dívida odiosa" àquela que foi contraída "sem o consentimento da população (por um regime despótico), que se utiliza contra os interesses ou o bem estar da população, e tudo isso se realiza com o conhecimento dos credores". A dívida ilegítima tem um caráter mais amplo e se refere aos empréstimos contraídos "fora do marco legal nacional e internacional, em um contexto injusto, inadequado, abusivo, de falta de transparência, violando a soberania e os direitos humanos". Ver: Weber, Gabriela , Qué es la deuda ilegítima, em "Sobre la deuda ilegitima", Centro de Investigaciones Ciudad (2008), Quito.

 

4. Arias, Hugo, La deuda ecuatoriana y la auditoría, en "Sobre la deuda ilegítima", Centro de Investigaciones Ciudad (2008), Quito.

 

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/as-dividas-se-pagam-as-fraudes-nao

 

 

 

https://www.alainet.org/de/node/131128
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