Raízes e superação da crise

06/02/2009
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Ao priorizar a acumulação do capital em detrimento dos  direitos humanos e do equilíbrio ecológico, o capitalismo instaura no  planeta uma brutal desigualdade social, além de promover a devastação  ambiental. Hoje, 80% da produção industrial do mundo são absorvidos por apenas  20% da população que vive nos países ricos do hemisfério Norte. Os EUA, que  abrigam apenas 5% da população mundial, consomem 30% dos recursos do  planeta!

O padrão de consumo da sociedade  capitalista é insustentável e tem um papel decisivo no processo de mudança  climática.  Boa parte desse consumo é reservada às práticas ostentatórias  de uma reduzida oligarquia. Segundo o Programa das Nações Unidas para o  Desenvolvimento, a soma da renda das 500 pessoas mais ricas do mundo supera a  de 416 milhões mais pobres. Um multimilionário ganha mais do que 1 milhão de  pessoas!

Segundo a revista Forbes, que se  dedica a radiografar os donos do mundo, essa gente costuma pagar US$ 160 mil  por um casaco de pele; US$ 3.480 por 12 camisas da loja londrina Turnbull  & Asser; ou US$ 241 mil numa única noite num cabaré de strip-tease,  como fez Robert McCormick, presidente da Savvis, empresa que monitora os  computadores da bolsa de Nova York. Pode também comprar o carro mais caro do  mundo, o Bentley 728, que custa US$ 1,2 milhão.

Os muros dos campos de concentração da renda são altos  demais para permitir a entrada da multidão de excluídos. Mas são  demasiadamente frágeis para impedir o risco de implosão. Há que buscar uma  alternativa ao atual modelo de civilização. E essa alternativa  passa, necessariamente, por mudança de valores, e não apenas de mecanismos  econômicos.

Se o mundo roda em torno da economia e a  economia gira em torno do mercado, isso significa que este, revestido de  caráter idolátrico, paira acima dos direitos das pessoas e dos recursos da  Terra. Apresenta-se como um bem absoluto. Decide a vida e a morte da natureza  e da humanidade. Assim, os fins – a defesa da vida no nosso planeta e a  promoção da felicidade humana – ficam subordinados à acumulação privada das  riquezas. Não importa que a riqueza de uns poucos signifique a pobreza de  muitos. Os cifrões de contas bancárias são o  paradigma do mercado e não a dignidade das pessoas.

O princípio supremo da cidadania mundial é o  direito de todos à vida e, como enfatiza Jesus, “vida em plenitude”  (João 10, 10).   Como tornar isso viável? Qualquer  alternativa deverá fugir dos extremos que penalizaram parcela significativa da  humanidade no século XX: o livre mercado e a planificação burocrática  centralizada. Nem um nem outro subordina a economia aos direitos do  cidadão. O mercado afunila oportunidades, concentrando a riqueza em mãos de  poucos, e agrava o estado de injustiça. A planificação burocrática, embora  exercida em nome do povo, de fato o exclui das decisões e muitas vezes  restringe o exercício da liberdade.  Ambos são incompatíveis com o meio  ambiente e conduzem ao dramático processo atual de aquecimento  global.

Para superar esses impasses, urge que a  lógica econômica abandone o paradigma da acumulação privada, para recuperar o  do bem comum e do respeito à natureza, de modo que a cidadania se sobreponha  ao consumismo e os direitos sociais da maioria aos privilégios ostentatórios  da minoria.

O Fórum Social Mundial é uma luz que se  acende no fim do túnel, resgatando a esperança de tantos militantes da utopia  que lutam contra um sistema que imprime ao pão valor de troca,  como mercadoria, e não valor de uso, como bem indispensável à nossa  sobrevivência.  

 Repensar o socialismo supõe não  identificá-lo com o regime derrubado pelo Muro de Berlim, assim como a  história da Igreja não se resume à Inquisição. Se somos cristãos, é porque o  Evangelho de Jesus encerra determinados valores, como a natureza sagrada de  toda pessoa, que servem inclusive de juízo condenatório ao que representou a  Inquisição.

Uma proposta alternativa de  sociedade deve partir de práticas concretas, nas quais economia política e  ecologia se coadunam. Uma das razões da brutal desigualdade social  imperante no Brasil (75,4% da riqueza nacional em mãos de apenas 10% da  população, segundo dado do Ipea, maio de 2008) é a esquizofrenia neoliberal  que divorciou a economia da política, e a política do social e do ecológico.  

A consolidação da democracia e a defesa dos  ecossistemas no nosso país e no mundo dependem, agora, da capacidade de  se enfrentar a questão prioritária: erradicar as desigualdades sociais.  Preservação ambiental e superação da miséria são  inseparáveis.

- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo  Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir),  entre outros livros. 

https://www.alainet.org/de/node/132259?language=es
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