Carta a um jovem internauta

06/11/2009
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Sei que você passa longas horas no  computador navegando a bordo de todas as ferramentas disponíveis. Não lhe  invejo a adolescência. Na sua idade, eu me iniciava na militância estudantil e  injetava utopia na veia. Já tinha lido todo o Monteiro Lobato e me adentrava  pelas obras de Jorge Amado guiado pelos “Capitães de areia”.

 A  TV não me atraía e, após o jantar, eu me juntava à turma de rua, entregue às  emoções de flertes juvenis ou sentar com meus amigos à mesa de uma lanchonete  para falar de Cinema Novo, bossa nova – porque tudo era novo – ou das obras de  Jean Paul Sartre.

 Sei que a internet é uma imensa janela para o  mundo e a história, e costumo parafrasear que o Google é meu pastor, nada me  há de faltar...

 O que me preocupa em você é a falta de síntese  cognitiva. Ao se postar diante do computador, você recebe uma avalanche de  informações e imagens, como as lavas de um vulcão se precipitam sobre uma  aldeia. Sem clareza do que realmente suscita o seu interesse, você não  consegue transformar informação em conhecimento e entretenimento em cultura.  Você borboleteia por inúmeros nichos, enquanto sua mente navega à deriva qual  bote sem remos jogado ao sabor das ondas.

 Quanto tempo você  perde percorrendo nichos de conversa fiada? Sim, é bom trocar mensagens com os  amigos. Mas, no mínimo, convém ter o que dizer e perguntar. É excitante  enveredar-se pelos corredores virtuais de pessoas anônimas acostumadas ao jogo  do esconde-esconde. Cuidado! Aquela garota que o fascina com tanto palavreado  picante talvez não passe de um velho pedófilo que, acobertado pelo anonimato,  se fantasia de beldade.

 Desconfie de quem não tem o que fazer,  exceto entrincheirar-se horas seguidas na digitação compulsiva à caça de  incautos que se deixam ludibriar por mensagens eróticas.

 Faça bom  uso da internet. Use-a como ferramenta de pesquisa para aprofundar seus  estudos; visite os nichos que emitem cultura; conheça a biografia de pessoas  que  você admira; saiba a história de seu time preferido; veja as  incríveis imagens do Universo captadas pelo telescópio Hubble; ouça  sinfonias e música pop.

 Mas fique alerta à saúde! O uso  prolongado do computador pode causar-lhe, nas mãos, lesão por esforço  repetitivo (ler) e torná-lo sedentário, obeso, sobretudo se, ao lado do  teclado, você mantém uma garrafa de refrigerante e um pacote de batatas  fritas...

 Cuide sua vista, aumente o corpo das letras, deixe seus  olhos se distraírem periodicamente em alguma paisagem que não seja a que o  monitor exibe.

 E preste atenção: não existe almoço grátis. Não se  iluda com a ideia de que o computador lhe custa apenas a taxa de consumo de  energia elétrica, as mensalidades do provedor e do acesso à internet. O que  mantém em funcionamento esta máquina na qual redijo este artigo é a  publicidade. Repare como há anúncios por todos os cantos! São eles que bancam  o Google, as notícias, a wikipédia etc. É a poluição consumista mordiscando o  nosso inconsciente.

 Não se deixe escravizar pelo computador. Não  permita que ele roube seu tempo de lazer, de ler um bom livro (de papel, e não  virtual), de convivência com a família e os amigos. Submeta-o à sua qualidade  de vida. Saiba fazê-lo funcionar apenas em determinadas horas do dia. Vença a  compulsão que ele provoca em muitas pessoas.

 E não se deixe  iludir. Jamais a máquina será mais inteligente que o ser humano. Ela contém  milhares de informações, mas nada sabe. Ela é capaz de vencê-lo no xadrez –  porque alguém semelhante a você e a mim a programou para jogar. Ela exibe os  melhores filmes e nos permite escutar as mais emocionantes músicas, mas nunca  se deliciará com o amplo cardápio que nos oferece.

 Se você  prefere a máquina às pessoas e a usa como refúgio de sua aversão à  sociabilidade, trate de procurar um médico. Porque sua autoestima está lá  embaixo e o computador não haverá de encará-lo como se fosse um verme. Ou sua  autoestima atingiu os píncaros e você acredita que não existem pessoas à sua  altura, melhor ficar sozinho.

 Nas duas hipóteses você está sendo  canibalizado pelo computador. E, aos poucos, se transformará num ser meramente  virtual. O que não é uma virtude. Antes, é a comprovação de que já sofre de  uma doença grave: a síndrome do onanismo eletrônico.  

 

Frei Betto é escritor, autor do livro de contos “Aquário  Negro” (Agir), entre outras obras.

Copyright 2009 – FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
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