Descascadores de abacaxis

13/09/2012
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Amigo meu esteve no Japão, convidado a visitar famosa empresa transnacional de produtos eletrônicos. Fabricam-se ali desde computadores a componentes aeronáuticos. Empregam-se mais de 50 mil pessoas. Impressionou-o o ritmo de trabalho. O engenheiro, que lhe serviu de anfitrião e explicou o processo interno da empresa, trabalha de segunda a sábado.
 
O japonês esclareceu que trabalha também um domingo por mês, e o faz porque a empresa consegue que os funcionários encarem suas tarefas como atividades prazerosas. O cuidado da família, incluídos lazer e cultura, faz parte do projeto da empresa.
 
Naquela semana, por exemplo, ele tinha como serviço recepcionar o brasileiro, levá-lo a comer nos melhores restaurantes, conhecer algo da arte do país, percorrer pontos turísticos.
 
Meu amigo perguntou se teria chance de conhecer o presidente da empresa. A resposta o surpreendeu: o presidente se encontrava, por três meses, recolhido a um mosteiro budista, sem sequer utilizar o celular. Ali, desfrutava da tranquilidade necessária para refletir sobre o perfil da empresa... daqui a trinta anos!
 
Como é possível um executivo de alto nível prescindir do andamento cotidiano da empresa? O anfitrião explicou que o sistema de delegação de funções e tarefas, respaldado na confiança depositada na competência de cada funcionário, permite a executivos em postos de direção se envolverem menos com desafios e problemas do cotidiano.
 
No Brasil ocorre exatamente o contrário, descreveu meu amigo. Executivos são regiamente pagos para vender a saúde à empresa: vivem dependurados no celular, apagam um incêndio a cada hora, matam três leões por dia, correm de um lado ao outro, raramente têm condições de pensar o empreendimento a longo prazo, e ainda sacrificam a vida familiar, ignorada pela empresa.
 
Isso vale para a iniciativa privada e o serviço público. Quem comanda, tem a pretensão de monitorar todos os detalhes, nem sempre confia suficientemente nos subalternos, tende a centralizar todo o poder de decisão. Sem a calma necessária para tocar os negócios, extravasa o nervosismo nos companheiros de trabalho, vive brigando com o tempo e modifica a agenda a cada dia.
 
Não há planejamento estratégico, as metas a serem atingidas sofrem atrasos consideráveis, as reuniões se prolongam mais do que deveriam e nem sempre terminam conclusivas. A cada momento é preciso arrancar a faca da cintura para descascar um novo abacaxi...
 
O japonês, interessado pelo sistema brasileiro, perguntou como funciona, em nossas empresas e repartições públicas, o método de crítica interna. O visitante, de início, pensou que ele se referia à avaliação dos subalternos pelos superiores. Era o contrário: como os subalternos criticam o desempenho de seus chefes?
 
O brasileiro ficou perplexo. Ali naquela poderosa empresa se atribui o êxito dos negócios ao fato de ninguém se sentir na obrigação de calar a crítica que lhe parece procedente. A cada dois meses, toda a equipe de um determinado setor se reúne para que sejam ditas e consideradas queixas e propostas, tanto em relação à produção quanto ao trato entre funcionários.
 
O faxineiro que cuida dos banheiros do setor de embalagem, frisou o japonês, tem o direito e o dever de enviar ao presidente da empresa uma crítica, ainda que de caráter pessoal. E a cultura que se respira ali dentro permite que isso não redunde em retaliação ou ressentimento. Todos os dias, nos primeiros minutos do horário de trabalho, os funcionários são convidados a praticar meditação, o que apazigua espíritos e favorece a amizade.
 
Muito diferente do Brasil, frisou meu amigo. Aqui o chefe finge acreditar que todos o admiram e todos fazem de conta que estão muito satisfeitos com o desempenho do chefe. E haja estresse, gastrite, depressão, e até consumo de drogas, para suportar o macabro exercício cotidiano de engolir um sapo atrás do outro.
 
Meu amigo retornou convencido de que não há lucro a longo prazo sem investimento em recursos humanos a curto prazo.
 
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de “Mística e espiritualidade” (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org>Twitter:@freibetto.
 
Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
https://www.alainet.org/de/node/160995?language=es
America Latina en Movimiento - RSS abonnieren