Xangai e Hong Kong: a nova dupla do mercado de ações
24/11/2014
- Opinión
Em matéria de finanças, a Grande Muralha da China se transformou radicalmente na segunda-feira, 17 de novembro, desde que se acelerou o processo de abertura da conta de capital: as bolsas de valores de Xangai e de Hong Kong vincularam suas operações mediante um novo programa denominado “Stock Connect”. Isso permite aos investidores internacionais comprar e vender mais de 500 ações tipo A, originárias da China continental através do mercado financeiro de Hong Kong.
Desde que foi anunciada pela primeira vez, a conexão nas bolsas suscitou muitas expectativas entre as autoridades financeiras asiáticas. Através da cooperação financeira que inclui sua dimensão geopolítica de cara para a rivalidade das divisas no Sistema Monetário Internacional, o programa “Stock Connect” contribui de maneira decisiva para cumprir os objetivos apresentados no XII Plano Quinquenal (2011-2015).
Charles Li, diretor geral da bolsa de Hong Kong, sentenciou no começo de abril de 2014: “acreditamos que este projeto poderia facilitar o caminho para um maior abertura dos mercados de capital […] e ajudar a promover a internacionalização do renminbi. Também acreditamos que poderia proporcionar uma nova oportunidade e criar um impulso para o desenvolvimento de Hong Kong como centro financeiro internacional”.
Desde o ano 2002, os investidores com vocação global podiam apenas comprar ações chinesas através do Programa Chinês de Investidores Estrangeiros Qualificado (QFII, em sua sigla em inglês). Este projeto contém diversos obstáculos regulatório, como por exemplo, estar sujeito à assinatura de um memorando de entendimento entre China e o país de origem do agente financeiro interessado, assim como a um limite de investimento. Em 2012, contudo, as autoridades supervisoras de Pequim anunciaram a criação de um novo mecanismo, o Programa Chinês de Investidores Institucionais Estrangeiros Qualificados em Renminbi (RQFII, na sigla em inglês).
O lançamento do RQFII, além de complementar as operações do QFII, cruzou as fronteiras asiáticas para envolver um maior número de países nos fluxos de comércio e investimento denominados na “moeda do povo” (renminbi/yuan). No final de 2013, George Osborne, ministro de Finanças britânico, anunciou o lançamento da City de Londres como o primeiro mercado financeiro do yuan localizado em território ocidental. A partir de então, os investidores britânicos começaram a realizar operações de compra e venda de instrumentos financeiros de origem chinesa por uma quantia limite de 80 bilhões de dólares. Posteriormente, Alemanha e França começaram a realizar operações análogas à do Reino Unido no continente europeu. Mais recentemente, o RQFII foi adotado pelo Catar e pelo Canadá através de cotas máximas de 30 bilhões e 50 bilhões de dólares respectivamente. No plano global, as cotas dos oito países subscritos até a presente data neste projeto de investimento somam um total de 720 bilhões de dólares.
O novo programa piloto “Stock Connect”, diferentemente dos dois projetos anteriores (QFII e RQFII), reduz o tempo de espera para que um investidor comece a realizar operações de compra e venda de capital acionário de empresas chinesas. Apesar de também funcionar por meio de cotas máximas de investimento, seus limites já não são estabelecidos no âmbito do investidor, mas do mercado.
As regras para os fluxos de capital entre as duas bolsas são basicamente de dois tipos:
Por um lado, para os investimentos dirigidos do mercado de ações de Hong Kong para Xangai ou “Northbound”. Os investidores internacionais podem comprar e vender as ações de 568 empresas chinesas relacionadas com os setores de saúde, materiais industriais e produtos básicos de consumo. O limite de investimento é de 49 bilhões de dólares (300 bilhões de yuanes) e a cota diária de 2 bilhões e 127 milhões de dólares (13 bilhões de yuanes).
Por outro lado, para os invertimentos dirigidos do mercado de ações de Xangai para Hong Kong ou “Southbound”. Os investidores chineses têm acesso aos títulos de 266 companhias que operam na bolsa de Hong Kong e cujas ações representam mais de 82% da capitalização total do mercado. O limite de investimento é de 41 bilhões de dólares (250 bilhões de yuan) e a cota diária de 1,718 bilhão de dólares (10,500 bilhões de yuan). Adicionalmente, os investidores da via “Southbound” devem possuir um mínimo de 500 mil yuan (81 mil 833 dólares) em um conta corrente bancária.
Não restam dúvidas de que a conexão no mercado de ações entre Xangai e Hong Kong será coadjuvante para apoiar gradualmente a liderança global da China e do yuan, ao mesmo tempo que constitui um mecanismo de engenharia financeira para aliviar, ao menos em curto prazo, as crescentes contradições internas do regime de acumulação.
Em primeiro lugar, existem múltiplas suspeitas em torno da solvência do sistema bancário chinês como efeito de uma crise vinculada ao sobreinvestimento e à sobrecapacidade produtiva no setor imobiliário. Em seu informe relativo ao terceiro trimestre de 2014, o Banco Popular da China confirmou ter realizado duas rodadas de injeções de liquidez durante o ano por um total de 125 bilhões e 900 milhões de dólares (769 bilhões e 250 milhões de yuan). Por outro lado, diversas pesquisas científicas calculam em mais de 250% a soma da dívida pública e privada como porcentagem do PIB. Adicionalmente, o crescimento exponencial do sistema bancário na sombra (shadow banking system), assim como sua participação ascendente nos circuitos de financiamento tradicionais, representam uma grave ameaça tanto para a economia chinesa como para o resto do mundo.
Segundo os cálculos realizados por Xiao Qi (beyondbrics, 20/11/2014), o sistema bancário na sombra de origem chinesa poderia possuir ativos financeiros de alto risco por uma quantia equivalente a 7.56 bilhões de dólares (46,30 bilhões de yuan), aproximadamente a décima parte do PIB global do ano de 2013 medido em termos nominais.
Em segundo lugar, tanto a falta de liquidez como a queda da rentabilidade das empresas provocaram profundos estragos no mercado de ações nos últimos anos. Ficou para trás o ápice de outubro de 2007, quando o índice principal da bolsa de Xangai (SSE Composite Index) obteve seu registro mais alto por um total de 5 mil 954 pontos. A partir da crise do crédito nos Estados Unidos em agosto desse mesmo ano, os registros da bolsa chinesa mostraram uma queda de maneira constante até alcançar um mínimo de 728 mil pontos no começo de outubro de 2008, uma queda de mais de 70%. Entretanto, após anunciar o programa “Stock Connect”, o mercado de ações chinês voltou a registrar cotações altas: entre 3 de abril e 18 de novembro do ano em curso, passou de 2 mil 58 a 2 mil 456 pontos, aumento significativo de 20 %, apesar de ainda estar abaixo da metade do nível alcançado no final de 2007.
Um dos grandes paradoxos da crise atual consiste no aparente desacoplamento entre a força do mercado da potência econômica em ascensão (China) e o poder financeiro hegemônico em relativo declive (Estados Unidos). Até o momento, nenhuma divisa parece desafiar o poderio do dólar no mercado mundial de capitais. Segundo estimativas de Jonathan Anderson, membro da Emerging Advisors Group, os investidores internacionais têm acesso a aproximadamente 56 bilhões de dólares em ativos financeiros denominados em dólares, incluindo bônus e ações. Sob denominação do euro e do iene japonês, podem dispor de quantidades equivalentes a 29 bilhões e 7 bilhões de dólares respectivamente. Em contraste, os ativos financeiros denominados em yuan à disposição global alcançam um montante de 300 bilhões de dólares, cifra quase 187 vezes menor em relação ao dólar (The Economist, 21/06/2014).
Em suma, as consequências da conexão entre as bolsas de Xangai e de Hong Kong não escapam a um sem número de riscos e desafios em escala nacional, regional e global. Diversas incógnitas poderiam, eventualmente, colocar em situação grave o êxito da nova dupla do mercado de ações e, de maneira especial, um componente será essencial no futuro mais próximo: evitar a todo custo os efeitos perniciosos da mundialização do capital financeiro sob a hegemonia do dólar e de Wall Street.
Tradução: Daniella Cambaúva (Carta Maior)
- Ariel Noyola Rodríguez é membro do Observatório Econômico da América Latina do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade Nacional Autônoma do México. É colunista da revista Contralínea (México) e colaborador da Red Voltaire (França). Contato: noyolara@gmail.com
https://www.alainet.org/de/node/165710
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