O adeus de Eduardo Galeano e a eternidade das suas palavras
- Opinión
No último dia 13 de abril a América Latina despediu-se do mestre das palavras, que nos ensinou a caminhar para a utopia, e escancarou a violência selvagem da nossa colonização.
Eduardo Galeano era uruguaio, jornalista, escritor, apaixonado por futebol, razão pela qual, na sua adolescência, pensou exercitar sua arte no esporte bretão. Mas quis o destino que trilhasse o caminho de outra arte, a da escrita, com a qual desvelou imagens apagadas da nossa história pelas diversas formas de colonização.
Foi preso durante a ditadura uruguaia em 1973, e posteriormente colocado na lista dos esquadrões da morte do mesmo regime, elemento que motivou o seu exílio na Espanha para a proteção de sua vida. Antes disso, na década de sessenta, foi editor do jornal Marcha, publicação que contava com a influente colaboração de Mário Vargas Llosa e Mário Benedeti.
Nos seus textos, denunciou o genocídio praticado pelos europeus e norte-americanos contra a América Latina mas, também, a tortura, a violência, as prisões sem sentido impostas pelos poderosos do subcontinente ou pelas ditaduras, contra aqueles que ousavam pensar e falar de forma autônoma.
“[…] No projeto de uma sociedade de surdos-mudos, cada cidadão deve se transformar no seu próprio Torquemada. […] No projeto de uma sociedade de sonâmbulos, cada cidadão deve ser a polícia de si mesmo e dos demais. […]”.
Ao celebrar a voz, demonstrou que era possível falar mesmo sob o peso da opressão:
“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada”.
Nas suas metáforas denunciou a pedagogia do adestramento, que nos impede de reconhecer a própria identidade. Tal como os cães em cursos de obediência, quando falamos somos repreendidos pelos professores, mas recompensados pelo silêncio, pela desmemória… “são muitos os cidadãos que perdem a opinião por falta de uso”!
Dissertou sobre a manipulação eletrônica dos meios de comunicação, especialmente da televisão que, nos nossos países, não demonstra o que acontece, mas o que os seus dirigentes querem que aconteça, criando a sua própria realidade. E muitos de nós acreditamos nessa realidade manipulada, moída e moldada.
Com a riqueza da sua ironia literária, que um pobre camiseiro do Uruguai, ao ser orientado por um anjo em seus sonhos, conseguiu vender mais camisas e pagar suas dívidas ao trocar o nome da sua loja para o patriótico Uruguai Sociedade Anônima, mas que a sigla transformou em verdade o uso da etiqueta colonizada “Made in U.S.A.”.
Ao tratar do crepúsculo do século XX demonstrou a inversão de valores defendida pelos grupos dominantes, ao declarar que não se fala mais em cidadãos, mas consumidores, nem mais pessoas, apenas públicos, a chuva virou “chuva ácida”, o ar, “desar”, e “para elogiar uma flor diz-se: ‘Parece de Plástico’”…
Na simplicidade de suas palavras, Galeano sempre demonstrou que podemos encontrar a resistência da vida e até certa riqueza, mesmo nas mensagens opressoras:
“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”.
Cada vez mais fica claro que a morte do corpo faz perecer apenas a matéria. É claro que o falecimento de uma personalidade como Eduardo Galeano, independentemente de sua idade cronológica, nos parece sempre precoce. Contudo, sua obra permanece, e às suas palavras simples, exatas, inteligentes e, tantas vezes, inspiradoras, cabe serem eternas. Palavras que Galeano tanto prezava e festejava, sem sombra de dúvida, farão o seu espírito nobre, gentil, combativo e contestador das injustiças permanecer, para sempre, vivo entre nós.
“Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me diz que somos feitos de histórias”. E as histórias que fizeram o mestre uruguaio não poderiam ser mais admiráveis. Viva Galeano!!!
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