A reforma política que a direita conservadora quer
- Opinión
Diferentemente do que propunham os movimentos sociais brasileiros – expresso na campanha popular por uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político – a reforma política, enfim, chegou ao Congresso Nacional.
As organizações sociais já alertavam para os eminentes riscos de construção de uma proposta de reforma do sistema político que fosse apresentada e votada pelos próprios parlamentares. Veja bem, é a materialização do ditado popular que diz que colocaram a raposa para cuidar do galinheiro.
Essa parece ser mais uma das especificidades do sistema político brasileiro – historicamente conduzido de maneira concentradora e antidemocrática pelas elites brasileiras – que pretende ter a prerrogativa de legislar sobre si próprio, em um contexto em que prevalecem os fisiologismos e os interesses do grande capital. Não poderia ocorrer outra coisa se não a máxima deturpação e aprofundamento das mazelas desse decadente sistema parlamentar.
Sem nenhuma consulta à sociedade brasileira – muito embora ela já tenha dado significativos sinais de exigência de participação nos rumos da política, vide a votação de 8 milhões de pessoas do plebiscito popular sobre o sistema político – a reforma política caminha a passos tortos.
Como se não bastasse o golpe na democracia dado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que fez uma verdadeira manobra para refazer uma votação outrora perdida sobre a constitucionalidade do financiamento privado de campanha, as demais propostas votadas e apresentadas vão à contramão dos anseios populares e da crise de representatividade da política no Brasil.
É, no mínimo, muita hipocrisia encher a boca para blasfemar contra a corrupção, garantindo sua principal forma de perpetuação que é o financiamento privado de campanha (ou é outra a origem de esquemas de corrupção como Lava Jato, Cartel do Metrô Paulista, entre outras?).
Em que pese a esquizofrênica proposta do “Distritão” ter sido rechaçada, ontem foi aprovada a chamada “cláusula de barreira”, que não é outra coisa se não ir implantando dificuldades para os partidos ideológicos (na sua maioria os de esquerda) manterem-se presentes no cenário político.
Dessa forma, a Câmara dos Deputados estabeleceu que partidos que não tenham representatividade no Congresso não poderão mais acessar o fundo partidário, nem mesmo dispor do insignificante tempo de TV de que dispunham. Isso não é outra coisa se não mecanismos de reproduzir os que já estão no poder, em um ciclo vicioso no qual quem tem mais cadeiras acessa mais recursos, os quais irão contribuir para que eles tenham mais cadeiras, e assim vamos caminhando para a existência, somente, de partidos perfeitamente integrados à ordem.
Esse será um círculo vicioso nos quais os partidos menos estruturados têm seu tempo de pronunciamento reduzido porque obtiveram menos votos, e obterão menos votos, pois não têm possibilidade de dialogar com o eleitor.
Além disso, outras importantes pautas elencadas pela sociedade brasileira nos seus mais distintos (embora reduzidos) espaços de manifestação pública nem sequer aparecem de forma secundária entre as pautas propostas para votação.
Dessa forma, o debate principal, que compreende a crise de representatividade do Congresso Nacional, parece não importar àquela grande massa de homens, brancos, heterossexuais, de meia idade e empresários que legislam para uma maioria de mulheres, negros, trabalhadores e com crescente expressão de homossexuais e outras minorias não representadas.
É por essa razão que dou esse título a essa breve reflexão. Qual a proposta de reforma política que a direita e os setores conservadores querem? Exatamente essa, que não enfrenta o status quo, que mantém o poder dos grandes grupos econômicos, e que impõe mecanismos para as coligações fisiológicas, para a crescente despolitização das eleições e para a perpetuação dos mesmos que há mais de 500 anos seguem fazendo política à margem dos interesses e demandas do povo brasileiro.
- Juliane Furno é graduada em ciências sociais pela UFRGS, mestranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do plebiscito constituinte do comitê Unicamp
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