Ódio e preconceito

29/06/2015
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Na semana passada, na zona sul do Rio de Janeiro, ocorreu um fato emblemático dos dias que estamos vivendo. Dois meninos negros trocavam sopapos dentro de um ônibus e o motorista, corretamente, parou o carro e determinou que eles descessem. Na calçada, em frente ao shopping da Gávea, destinado a pessoas de média e alta renda, os rapazes continuaram as suas vias de fato, quando foram interrompidos por policiais, que orientaram que eles permanecessem no solo, de bruços. Como os policiais estavam armados, logo chamaram atenção das pessoas que transitavam no local e várias delas permaneceram no entorno dos jovens detidos.

 

Um dos meninos tenta levantar, certamente já perplexo com o que já estava acontecendo, pois parte do grupo pedia o ”justiçamento” imediato de ambos, fazendo em coro um apelo brutal: “mata!”, “mata!”, “mata!”. Quando um dos meninos ergue-se recebe um violento pontapé (ou uma “voadora”), de um dos manifestantes pró-justiçamento imediato, e vai ao solo novamente. Tudo isso já foi divulgado amplamente por alguns jornais e nas redes, mas quero fazer uma pequena reflexão sobre a gravidade do sintoma político e de sociopatia, que isso representa.

 

É inaceitável e óbvia a desumanidade de qualquer linchamento, mas, neste caso, ocorre uma particularidade estarrecedora. O pedido de ”mata!”, foi feito sem que as pessoas estivessem informadas de qualquer crime cometido pelos jovens, contra a propriedade, a vida ou a honra de terceiros. Nem ameaça, explícita ou implícita, de destruição de qualquer bem público ou privado, por parte deles, que apenas resolviam, por meios errados, alguma pendência pessoal.

 

O grande problema, certamente, é que eles eram negros, pobres, e resolveram brigar num lugar “errado”, recebendo a resposta característica de uma certa ideologia sociopática, que é o gérmen do fascismo, que não admite nem o diferente, nem as pessoas que não conhecem o “seu lugar” e, por isso, mereciam ser mortos, na rua, como cães raivosos, que sequer merecem o benefício da dúvida. Em outro artigo, publicado aqui nesta página, já me referi à gravidade da situação de intolerância social e política que estamos vivendo.

 

É o ódio de classe se expressando como ódio racial, ou é o contrário, o ódio racial se expressando como ódio de classe? Qualquer que seja a resposta é a barbárie se expondo sem nenhuma vergonha e um apelo à violência generalizada, bem como a provocação, também, da violência generalizada como resposta. A pergunta que fica é: se aqueles dois meninos fossem brancos e bem vestidos, teria ocorrido aquela tentativa de assassinato por linchamento? Penso que a ampla maioria dos leitores concordará comigo que não.

 

Dom Pedro Casaldáliga dizia que “o problema não é ter medo, o problema é ter medo do medo”. É hora de dizer em alto e bom tom, a maioria da sociedade, independentemente das diferenças religiosas, sociais e políticas, que nos separam: não vamos ter medo do medo, não vamos aceitar ser cobaias de um fascismo que já está incrustado em determinados setores sociais, homofóbicos, racistas, sexistas, que se acham seres humanos superiores e são apenas feixes de preconceito e de ódio.

 

- Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

 

http://www.sul21.com.br/jornal/odio-e-preconceito/

https://www.alainet.org/de/node/170752?language=en
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