A maioridade penal e o Brasil
- Opinión
Se há algo que não subestimo é a capacidade e a esperteza dos grupos de poder que dominam esse país, por isso me mantive quieta quando da votação da proposta de maioridade penal na última terça-feira, dia 30 de junho. O Congresso Nacional já havia realizado manobras para aprovar o que era de interesse das forças econômicas que verdadeiramente mandam no Brasil, e no mundo, já que o núcleo duro do capitalismo é internacional. Foi o que aconteceu na votação do financiamento das campanhas por empresas. O tema foi votado e derrotado. Depois voltou outra vez ao debate e a votação anterior foi anulada.
Assim que não foi surpresa ver o que aconteceu na noite de ontem quando, a partir de uma manobra, o presidente do Congresso colocou de volta em votação a matéria sobre a maioridade penal, já vencida. Todas as regras da democracia foram burladas, mas sempre haverá algum “notório” jurista para dizer que não, que tudo está dentro da lei, que isso é possível, que aquilo também é. A lei não é feita para garantir igualdade de direitos, muito menos justiça. Ela existe para ser usada contra os pobres, os sujos e os marginalizados. A velha máxima: “aos amigos tudo, aos inimigos, a lei”. E, no capitalismo, nós somos os inimigos.
É preciso que se compreenda que esse sistema “democrático” no qual vivemos é a ditadura do capital. Tudo é feito a partir de seus interesses. Os avanços que as gentes conquistam só são garantidos na luta renhida. Luta cruenta, na qual se morre e se mata. Nada pode ser conquistado na via institucional, a qual está dominada pelos grupos de poder que efetivamente dão as cartas.
Vejam o que acontece no Mato Grosso do Sul com os indígenas. Eles são os legítimos donos da terra, mas são sistematicamente expulsos, mortos, trucidados, desaparecidos. E a “justiça” do estado chega a divulgar que “é impossível diminuir os crimes contra os indígenas”, numa clara aliança com os assassinos. Ao dizer isso, deixa que a impunidade grasse. O governo, omisso, faz vista grossa e, assim, os fazendeiros vão “limpando” a área, onde plantarão soja para a exportação, adubada pelo sangue e pelo corpo dos povos indígenas. Nada se faz! Não há protestos massivos e apenas os indígenas – com poucos aliados – denunciam e resistem.
A lei brasileira manda prender um jovem que, numa manifestação, foi “pego” com um frasco de desinfetante e outro de água sanitária. Que crime é esse? Nada foi provado que aqueles elementos poderiam – numa louca mistura química - se tornam um explosivo ou coisa assim. Mas, o rapaz é condenado a cinco anos de prisão e tem sua vida destruída. Enquanto isso, o jovem Thor Batista, filho de um milionário, em alta velocidade atropela e mata um homem e não sofre qualquer punição. Ou outro garoto da fina estirpe catarinense, que estupra uma moça e sai impune, sem qualquer arranhão da lei. Esses são alguns exemplos gritantes, mas poderiam ser citados inúmeros outros. As coisas são assim no Brasil e em qualquer outro lugar do mundo.
Os movimentos sociais brasileiros foram adormecendo durante o governo Lula e esse adormecimento é, talvez, a maior perversidade provocada pelo grupo governista. Agora, passada mais de uma década de cooptação e conivência com a ideia de que Lula ou Dilma iriam virar o leme para a esquerda e fazer acontecer alguma mudança nesse país, estamos diante da barbárie. Um congresso tomado por conservadores, reacionários e até alguns fascistas, dando as cartas sobre a vida da nação. Ao mesmo tempo, um governo fraco que, em vez de combater esse ovo de serpente que cresce no planalto central, vai costurando acordos, tecendo malhas ainda mais conservadoras e perversas, em nome de uma “governabilidade”.
São tristes momentos os que vivemos. E muito por essa incapacidade de compreender o caráter subserviente desse governo do PT, o que faz com que não se dê combate, e se espere que das cadeiras estofadas do Congresso saiam as soluções.
Ora, o Congresso Nacional nunca foi do povo. A maioria nunca esteve em nossas mãos. A luta não se dá ali dentro. A batalha é na rua. Mas, tampouco pode ser uma batalha suicida e sem direção. Os tempos são duros e há que reconstituir uma esquerda capaz de dar respostas efetivas ao país. Reformar a colcha capitalista, tentando dar verniz “humanitário” à barbárie é um erro de lesa humanidade. Ao capitalismo há que se dar combate.
O que se repetiu ontem no Congresso Nacional ultrapassa a questão de o estado poder prender menores de 18 anos. O buraco é maior. É a ruptura com a tal da democracia liberal, que nem é a melhor das democracias. E se nem essa democracia formal é respeitada, que mais podemos esperar?
É tempo de entender as mudanças provocadas por esses 13 anos de governo petista e avançar para novos caminhos. Será uma longa jornada, mas temos de dar o primeiro passo.
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