A tática da profecia que se autorrealiza

12/08/2015
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O Brasil está passando por uma combinação que é sinônimo de crise: governo fraco, Congresso corporativo, Judiciário midiático e imprensa tendenciosa. Sempre que há essa combinação, as condições estão dadas para o emprego da tática da profecia que se autorrealiza, conforme o conceito elaborado por Robert Merton em 1949, no livro Sociologia: Teoria e Estrutura1.

 

Nesse ambiente, as forças conservadoras e as neoliberais esticam a corda para dizer que a situação está muito pior do que efetivamente está, com o objetivo de que sua profecia se realize no imaginário da sociedade, do mercado e do Parlamento. E, aparentemente, vem dando certo.

 

Assim, no caso da sociedade, por intermédio da mídia, essas forças têm atribuído ao governo e ao PT a responsabilidade pela criação de uma suposta crise ético-moral, como se não existisse corrupção no passado ou fosse o PT o responsável exclusivo pelos casos de corrupção apontados. Esse tipo de acusação, quando não respondido adequadamente, mina a confiança das pessoas e do mercado.

 

Como é que o governo que mais propôs, apoiou ou sancionou leis de transparência e de combate à corrupção pode, assim como o PT, aceitar passivamente a pecha de responsável pela ampliação da corrupção?

 

Apenas para ilustrar, na última década foram transformadas em norma jurídica quase uma dezena de leis que facilitam o acesso a informação e criam formas ou meios de combate a eventuais irregularidades e desvios de conduta: Lei da Transparência, que obriga a disponibilização, em tempo real, dos gastos governamentais nos três níveis (Lei Complementar nº 131/2009, conhecida também como Lei Capiberibe); lei de captação de sufrágio, que aceita como ilícita a evidência do dolo para efeito de cassação de registro e de mandato (nº 11.300/2006); Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010); Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011); lei de prevenção e combate à lavagem de dinheiro (nº 12.683/2011); lei de conflito de interesses (nº 12.813/2013); lei de responsabilização da pessoa jurídica, a chamada Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013); lei da delação premiada, ou lei que trata de organizações criminosas (nº 12.850/2013); emenda constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (EC 76/2013).

 

Além disso, nunca os órgãos de fiscalização e controle (PF, CGU, TCU, MPU, Coaf etc.) tiveram tanta liberdade para atuar como na última década.

 

No mercado, como reação ao enfrentamento inicial ao sistema financeiro e aos abusos de concessionários de serviços públicos – com a redução da taxa de juros e dos spreads bancários, a fixação ou limitação da taxa de retorno e a adoção de conteúdo nacional na aquisição de bens e serviços  –, o setor empresarial represou os investimentos e passou a acusar o governo de intervencionista, anticapitalista, anti-iniciativa privada e contra o lucro, sem que este tivesse se defendido adequadamente.

 

O governo também foi acusado pela mídia, sem responder à altura, de descontrolar as contas públicas em razão da adoção de políticas anticíclicas, cujo objetivo era manter o emprego e a renda por meio de contenção de tarifas públicas e concessão de incentivos fiscais, creditícios, renúncias e desonerações ao mercado. Políticas que, é bom lembrar, foram não apenas aprovadas pelo Congresso como por ele ampliadas, quando de sua apreciação, mediante emendas que aumentavam, sistematicamente, a lista de beneficiários dessas medidas.

 

No Parlamento, igualmente, o presidente da Câmara atribui ao governo e ao PT a realização de manobra para esvaziar o PMDB e demais partidos antigos da base com o suposto apoio à criação do PSD e dos Pros, além da entrega, no início da gestão, de dois ministérios estratégicos (Cidades e Educação) a esses partidos. Isso, combinado com os erros da coordenação política, envenenou os partidos contra o governo e o PT, dificultando a governabilidade.

 

Com base nisso, e motivado pelo ressentimento com o fato de o PT ter lançado candidato próprio à presidência da Câmara e também com a inclusão de seu nome na investigação da Lava Jato, Eduardo Cunha, na condição de presidente da Casa, tem feito oposição ao governo, criando toda sorte de dificuldade para a agenda governamental, além de pautar uma série de matérias de cunho conservador ou antigoverno.

 

Assim, a repetição desses mantras vem produzindo a ideia – contra todas as evidências e fatos – de que a crise é grave e só tende a piorar, e a única solução é a interrupção do mandato presidencial, convencendo, cada vez mais, parcelas da sociedade de que isso é verdade. Não há explicação mais plausível para a queda na confiança da sociedade no governo e na presidenta, que foi maior, percentualmente, do que a queda na confiança nas demais instituições, conforme recente pesquisa divulgada pelo Ibope.

 

O objetivo dessas forças com o emprego dessa tática é, de um lado, enfraquecer o governo e criar as condições para encerrar o ciclo atual de poder e, de outro, enfraquecer ou inviabilizar a esquerda brasileira para que prevaleça o discurso único e o neoliberalismo se restabeleça no país em toda a sua força. A forma de enfrentar isso é fazer política, dialogar, responder e contestar a agenda conservadora, neoliberal e antissocial. Ou o governo e o PT reagem, ou, por omissão, ajudam a viabilizar a profecia de encerramento do ciclo político atual.

 

Nota

1. Segundo Merton, “a profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e, assim, faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira”.

 

- Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap

Teoria e Debate, Edição 139, 10 agosto 2015

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