Dialogando com o sol, a lua e as estrelas: um debate sobre trajetórias
- Opinión
“Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado”.
(Provérbio Árabe)
Vivemos num mundo que se impõe como unilateral, onde os caminhos e os destinos são apresentados como únicos e já traçados. Mesmo que o Ocidente não reconheça no seu arcabouço jurídico o sistema de castas, alguns grupos se assumem em condições privilegiadas e repudiam qualquer tipo de transformação.
Ora, se os caminhos já estão traçados, e os destinos pré-definidos, qual é a razão de viver? Poderíamos ser substituídos por autônomos, que carentes de sentimentos, desejos e vontades, teriam muito mais facilidade para seguir tal roteiro.
Contudo, a unilateralidade da vida e a restrição de alternativas, sobrevivem apenas num campo do pensamento dominado por aqueles que destroem e subjugam os mais fracos com o uso do seu poder, normalmente amparados na força econômica ou física. Para estes, a possibilidade de aceitar que o mundo pode ser transformado, que novas forças sociais podem derrubar paradigmas, é objeto de medo constante.
Não por acaso, somos policiados diariamente em nossas mentes, dentro do nosso íntimo, e forçados a aceitar conceitos pré-formados como únicos e verdadeiros. Resistir a tal domínio do pensamento é um ato de insolência. A rebeldia, o pensar diferente, é algo não aceito, e que deve ser punido com a exclusão pela SS midiática.
As crises são tratadas como insolúveis, muitas vezes maiores do que realmente são. E arte criativa e ousada do investimento na vida, e não no capital, também é conduta condenada pelo pensamento dominante, que nos força a ser rígidos, isolados, amesquinhados e medíocres. Trocamos o público pelo privado, o político pelo técnico, a coragem pelo ajuste…
Somos eternamente condenados a não ter medo apenas do outro, mas de nós mesmos! Aliás, o medo absurdo que temos das nossas próprias ações, reações e pensamentos, nos leva a considerar nossos próprios erros como tragédias, e não como passos em busca de um aprimoramento moral ou espiritual. Pedir perdão, arrepender-se, é considerado como sinal de fraqueza, e não de grandeza moral. A assertiva frase popular “errar é humano”, está perdendo conteúdo quando observamos as aberrações da violência provocada por alguns.
Ser diferente, pensar diferente, viver de forma distinta, fugir da mesmice imposta pelo pensamento único dominante, inclusive em relação aos hábitos de consumo, é um crime de “lesa pátria”.
Apesar disto, ainda existe um grande espaço de resistência e que merece ser ocupado. Não podemos ter medo de defender ideias, conceitos e valores destinados à construção de uma sociedade nova, equilibrada, justa e com equidade. Ao contrário, esta é uma missão para as pessoas que ainda acreditam num mundo melhor.
Assim como Martin Luther King Jr. prefiro caminhar na chuva e me molhar, ser tratado como louco, do que viver inconformado aceitando passivamente o que me é imposto pela classe dominante. O meu papel, como militante e como agente social, é propor o novo, transformar, mesmo que isto importe em ruptura de paradigmas.
É preciso romper com as “redomas”, com as “jaulas de ferro”, e com os sistemas opressivos que nos aprisionam e nos impendem de pensar, de ir adiante, e de pôr em prática os nossos projetos. Como deve ser triste a vida de uma pessoa que busca exclusivamente a proteção de uma redoma de cristal onde pode agir de forma mecânica na sua zona de conforto! É um caminho certo para uma vida de frustações e para um envelhecimento precoce.
Desde pequenos somos ensinados pela natureza a buscar algo mais da nossa vida, senão passaríamos o tempo engatinhando. Mas, ao contrário, o simples ato de aprender a caminhar é uma ruptura de limite para cada criança. Aprender a falar e a interagir com o mundo também. Portanto, porque não acreditar que é possível tocar as estrelas?
Somos diariamente ensinados pela própria natureza que a convivência e o diálogo entre diferenças é possível! Tanto ao alvorecer como ao cair da tarde, quando o Sol e a Lua promovem um encontro de luzes, sombras e cores que nos é sonegado pelo cotidiano mecânico, posto que trocamos a relação com a natureza pelo aprisionamento em gaiolas chamadas de escritórios, como tal postura fosse perfeita e única, somos brindados com um extraordinário encontro dialogado de diferenças.
A liberdade tem sido esquecida em nome da aceitação e, novamente, do conforto! Estamos perdendo a nossa capacidade de indignação e aceitando a crueza de um mundo injusto como algo natural. E assim, caminhamos para um abismo de um mundo que vai sendo destruído por mudanças climáticas cada vez mais irreversíveis, provocadas pela própria humanidade. Ou seja, o mundo do conforto, do aprisionamento pelas horas, do controle pelo relógio, da eficiência mecânica, da aceitação da crueldade, da perda da sensibilidade, e de outras mazelas da sociedade, é o “coveiro da nossa própria civilização”!
É por isso que precisamos despertar! Levantar nossas cabeças como foi feito pelos nossos ancestrais nas longínquas planícies africanas e ver que podemos ir além do horizonte. As soluções para os problemas da humanidade não vão ser encontradas em pensamentos místicos, nem em passes de mágicas, mas dentro do nosso próprio íntimo e da nossa capacidade de pensar, de agir diferente.
Como já ensinou Weber, a racionalidade capitalista promoveu o “desencantamento do mundo”. Todavia, ainda somos brindados pela magia dos sentidos e do sentir.
E aqui um novo ponto importante. Caminhar sozinho nunca é a melhor solução. Como ensina um provérbio árabe, “toda a jornada é abreviada quando andamos acompanhados”.
Desta forma, e novamente, devemos buscar o diálogo, pois a solução para os nossos problemas não será encontrada no isolamento de cavernas, muito menos no nosso auto aprisionamento em redomas individuais, mas no coletivo, na esfera pública, num ambiente onde cada vez mais as palavras “cidadania” e “participação” formam um binômio realmente revolucionário…
- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
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