Impeachment de Dilma: um julgamento sem crime
- Opinión
Câmara dos Deputados, mesmo sem a comprovação da prática ou da ocorrência de crime de responsabilidade, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, numa clara luta pelo poder.
Sob a presidência de Eduardo Cunha, um dos réus da Lava Jato, que conduziu todo esse processo movido pelo sentimento de vingança ou de acerto de contas com o governo, a Câmara dos Deputados deu aval ao parecer do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), uma peça de mistificação política.
O parecer, que recebeu 367 votos a favor e 137 contrários, alega vagamente a existência de “pedaladas fiscais” e edição de decreto de abertura de crédito sem autorização do Congresso, mas não caracteriza o crime de responsabilidade exigido pelo artigo 85 da Constituição Federal como condição para a abertura de processo de impeachment.
Para efeito de comparação, lembre-se de que a abertura do processo de impeachment de Collor foi antecedida por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que apurou e colheu provas, diferentemente do de agora, no qual inexiste comprovação de qualquer ato que possa ser caracterizado como crime de responsabilidade da presidenta Dilma. A decisão foi puramente política.
O Senado Federal, a quem compete aceitar ou não o pedido de abertura de investigação e proceder às diligências necessárias à instrução do processo de impeachment, tem a grande responsabilidade de apurar a “culpa jurídica” para, se comprovada, proceder ao julgamento político.
O primeiro passo será a constituição de uma comissão especial, composta de um quarto da composição do Senado, ou de 21 senadores, distribuídos proporcionalmente aos partidos, para, num prazo de dez dias após sua instalação, apreciar o pedido de impeachment.
O parecer favorável ao impeachment dessa comissão tem peso decisivo no desfecho do processo. Se aprovado pelo plenário por maioria simples dos senadores (metade mais um dos presentes, desde que estejam presentes pelo menos 41 senadores), terá o condão de afastar a presidenta por até 180 dias, com a assunção da chefia do Poder Executivo pelo vice-presidente.
O PT não pode nem deve abrir mão de presidir ou relatar o processo na comissão especial, como tragicamente aconteceu na Câmara dos Deputados. Embora a condução no plenário do Senado, na primeira fase sob a presidência de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e, na segunda, sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, não esteja contaminada como na Câmara dos Deputados, o fato é que há risco de os principais cargos da comissão especial – presidente e relator – serem entregues a adversários da presidenta Dilma.
Na hipótese de um parecer favorável ao impeachment na comissão especial, todo o empenho deverá ser feito para rejeitá-lo ou, no mínimo, ultrapassar um terço dos votos contrários no plenário do Senado, para sinalizar, desde logo, que o impeachment será rejeitado no mérito, sob pena de já ficar caracterizada a vitória dos golpistas na última votação, cujo quórum requerido para aprovação será de dois terços, ou seja, 54 senadores.
Para se ter chances reais de rejeitar e arquivar o pedido de impeachment é fundamental que os partidos de apoio ao governo, os movimentos sociais, os democratas e militantes políticos contrários ao golpe façam o dever de casa, ou seja, mantenham e intensifiquem as manifestações de rua, pressionando os senadores e denunciando, interna e externamente, a ilegitimidade desse processo e as reais motivações que estão por trás da tentativa de destituição da presidenta da República.
É evidente que a verdadeira intenção dos defensores do impeachment, que se escondem atrás de um discurso de suposto combate à corrupção e à recessão e ao desemprego, é interromper o projeto de poder que tem por fundamento a defesa do interesse nacional, o respeito aos direitos sociais, a ampliação das oportunidades escolares, a inclusão social e a defesa da transparência e da ética.
Prova disso é o programa de governo do vice-presidente Michel Temer, expresso no documento do PMDB “Uma Ponte para o Futuro”, que entre outros pontos propõe: a desindexação geral, inclusive da correção dos benefícios previdenciários e do salário mínimo; a desvinculação orçamentária, especialmente das despesas com educação e saúde; a privatização selvagem, como forma de fazer caixa com a venda de ativos; a abertura da economia, com o fim do conteúdo local ou nacional; a livre negociação, com a prevalência do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho; a nova reforma da Previdência, com aumento da idade mínima e desvinculação do salário mínimo como piso de benefício previdenciário, entre outros.
É isso, em essência, o que está em disputa. O impeachment não tem outro objetivo que não o de criar as condições para implementar uma agenda conservadora e neoliberal. E isso precisa ser combatido e denunciado com todas as forças daqueles que lutam por justiça social e pela soberania nacional. Pressão e mobilização são os motes para impedir a ruptura democrática.
- Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap
Edição 147, 19 abril 2016
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