A lógica das reformas do governo interino
- Opinión
As propostas de reformas do governo interino de Michel Temer reorientam a atuação do Estado para os interesses do mercado, restringem os instrumentos de luta do movimento sindical e atacam os três principais pilares do Estado de Bem-Estar: a previdência e a assistência social, a educação e a saúde universais.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016, que trata do regime fiscal, atribui aos gastos sociais (educação, saúde, previdência) e à despesa com o funcionalismo a responsabilidade pelo problema fiscal do país, ignorando solenemente os gastos governamentais com juros e amortizações, os verdadeiros responsáveis pelo déficit público.
A ideia da reforma da Previdência, por exemplo, além da intenção de retirar ou retardar o usufruto de direitos, com o propósito de gerar superávit primário, tem por objetivo criar as condições para favorecer a previdência privada, beneficiando duplamente o sistema financeiro.
A prioridade governamental conferida aos projetos de prevalência do negociado sobre o legislado e da terceirização e pejotização, inclusive na atividade-fim das empresas, em nome da melhoria do ambiente de negócios, na verdade pretende o desmonte do direito do trabalho.
O programa de privatização, que incluirá a venda de empresas da União ou participação destas em outras empresas do setor privado, especialmente as vinculadas aos sistemas financeiro, Petrobras e Eletrobras, se somará às empresas estaduais que, por força da negociação da dívida, serão repassadas para a União a fim de que esta as aliene, passando à iniciativa privada tudo quanto for possível, nas palavras do presidente interino Michel Temer.
O discurso oficial é de diminuição dos gastos do Estado, mas na verdade o que vão fazer é colocar o orçamento público a serviço do mercado, promovendo a maior transferência de riqueza da sociedade para o sistema financeiro. O que está em jogo, portanto, não é a redução da intervenção do Estado na economia, mas a sua apropriação plena pelo mercado.
O documento “Uma Ponte para o Futuro”, que se constitui na base do Programa de Governo do PMDB, expressa um viés liberalizante, mediante venda das estatais; uma tendência fiscalista, com corte de despesas sociais; uma visão entreguista, a partir de eliminação do conteúdo local e da venda de terras a estrangeiros; e uma postura precarizante, com ataque aos direitos trabalhistas.
Paralelamente às propostas do governo interino, o Congresso também elaborou sua pauta que, além de coincidir com algumas agendas do Poder Executivo, acrescenta outras, como a autonomia do Banco Central, a entrega do pré-sal às petroleiras estrangeiras, a redução da influência dos participantes nos fundos de pensão e a regulamentação do direito de greve do servidor público, dentre outras proposições voltadas à desregulamentação de direitos e regulamentação de restrições.
No caso específico do direito de greve, tema a ser prioridade porque atinge a resistência dos servidores à investida do governo interino sobre seus direitos, a começar pela PEC nº 241/2016, que fixa um teto para o gasto público no âmbito da União, passando pelos PLP nº 257/2014, que modifica a Lei de Responsabilidade em relação à despesa com pessoal na administração pública nos três níveis de governo, e PLP nº 248/1998, que trata da dispensa por insuficiência de desemprego, até chegar à PEC da reforma da Previdência, a ser enviada ao Congresso brevemente.
O projeto escolhido sobre greve para votação, o PLS nº 327/14, em lugar de regulamentar o direito de greve no serviço público, na prática restringe o exercício desse direito fundamental do trabalhador. O projeto, de autoria da Comissão Mista para a Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição, relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR), é uma cópia ampliada do projeto da lavra do senador Aloizio Nunes Ferreira (PSDB/SP), atual líder do governo no Senado.
O texto, contra o qual os servidores e suas entidades devem se mobilizar, dentre outras situações, prevê o desconto dos dias parados; fixa percentual mínimo de 60% para atividade essencial, entre as quais se incluem praticamente todas as áreas de atuação do Estado, e 40% para as demais áreas do serviço público; admite a substituição de grevista, em caso de descumprimento de decisão judicial ou arbitral; prevê multa para a entidade sindical, em caso de descumprimento da lei de greve; proíbe greve nos sessenta dias que antecedem as eleições.
A forma de evitar tudo isso é impedir a consolidação do golpe. O momento é de resistência e mobilização contra essa investida sobre as conquistas acumuladas nos últimos anos. Ou as forças progressistas se unem para enfrentar esse novo ataque aos direitos sociais, ao patrimônio público e ao interesse nacional ou teremos enormes retrocessos civilizatórios.
- Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap
Edição 150, 05 julho 2016
Del mismo autor
- Pós-verdade, Fake News, Democracia e Tecnologia: Que fazer? 29/09/2020
- A estratégia ideológica de ignorar a esquerda e os movimentos sociais 08/05/2020
- Agenda, estrutura e modus operandi do governo Bolsonaro 21/02/2019
- O Ministério do Trabalho e a pauta social de Bolsonaro 16/01/2019
- As práticas antirrepublicanas do governo Temer 07/12/2017
- Reforma trabalhista: vale a Lei ou o Direito? 12/11/2017
- As três visões em disputa na eleição de 2018 08/11/2017
- Poder econômico pode influenciar a eleição 04/10/2017
- A importância da política no combate ao déficit de cidadania 05/07/2017
- Governo Temer: um ano de desmonte 10/05/2017