Retorno de Cristina preocupa Macri, e também os peronistas
- Opinión
Uma multidão superlotando o estádio do clube Arsenal de Sarandí, na tarde desta terça-feira (20/6), preenchendo tanto as arquibancadas quanto o gramado e as ruas contíguas, na região da Zona Sul da Grande Buenos Aires conhecida como território peronista. Dezenas, talvez mais de uma centena de milhares de pessoas, os números variam de acordo com as simpatias políticas de quem os calcula, mas é evidente que havia muita gente no local, muita gente mesmo.
Sozinha no centro de um pequeno e rebaixado palco principal, permitindo aos fotógrafos uma imagem sua bem próxima do público, estava Cristina Kirchner, ex-presidenta e principal referente da centro-esquerda argentina. O comício foi realizado no dia do feriado nacional pelo Dia da Bandeira Argentina, no qual se aproveitou para lançar um novo referente político, uma frente chamada Unidade Cidadã, que tem como evidente objetivo o de ser o catalisador político do kirchnerismo.
A quatro meses das eleições legislativas que definirão os equilíbrios políticos para a segunda metade do mandato de Maurício Macri – e que servirão inevitavelmente como prévia das presidenciais de 2019 -, o kirchnerismo dá uma importante demonstração de força e consegue uma pequena vitória moral, já que o presidente, com popularidade em baixa, preferiu se refugiar num ato oficial restrito a convidados, para evitar manifestações contrárias.
Entretando, também houve certa frustração, já que o evento terminou sem o movimento definitivo, que seria a confirmação da candidatura de Cristina ao Senado Federal. Sua declaração a esse respeito durante o comício manteve a postura de contornar o tema com a frase, que já se tornou clássica, de que “se a Argentina precisar de mim, eu me apresentarei”. A cautela no anúncio pode ter a ver com os processos que ela responde na Justiça, e que poderiam complicar sua candidatura, mas ela não tem muito tempo para se tomar uma decisão definitiva, já que o prazo para as inscrições às primárias se encerra neste dia 24 de junho – e tanto ela quanto seus correligionários sabem que para que sua nova plataforma política possa ter sucesso é preciso tê-la presente nas eleições.
Durante o evento, Cristina não poupou críticas ao governo de Mauricio Macri e sua política de ajustes. “Não venho contar a vocês nada que já não saibam, porque vocês sofrem isso em própria carne e conhecem outros que também sofrem, com o fantasma do desemprego, da precarização do trabalho, dos salários baixos, das tarifas de serviços básicos que se tornaram impagáveis”, afirmou a líder de esquerda, que completou: “é imprescindível vencer (as próximas eleições) e colocar um freio no neoliberalismo, nesta agenda que deixou a Argentina sem futuro, desorganizando nossas vidas”.
A possível candidatura de Kirchner seria mais uma péssima notícia para um Macri acossado pelas pesquisas, que não só dizem que sua popularidade está em baixa – entre 40% e 44% dependendo do instituto – como também revelam um sentimento popular de que o governo precisa de um contrapeso político. Outra medição, realizada pela consultoria Hugo Haime & Associados, apontou que 64% dos argentinos consideram que o governo precisa de um limite depois de dois anos com uma fortíssima agenda econômica neoliberal. A mesma pesquisa afirma que outros 31% consideram que o governo precisa ser fortalecido para que suas políticas tenhas sucesso.
Porém, não é só o macrismo que vê o retorno de Cristina ao cenário eleitoral com receio. Parte do peronismo – setor político reunido no PJ (Partido Justicialista), o mais centrista entre os que formam parte da Frente Para a Vitória (FpV), criada por Nestor Kirchner – vê a criação da frente Unidade Cidadã como uma ruptura, e que o discurso da ex-mandatária teria sido mais progressista do que o aceitável por algumas das legendas da clássica coalizão kirchnerista. Há quem tema que as diferenças surgidas entre os partidos de centro e de esquerda avancem a uma situação irreconciliável.
Contudo, isso dependerá de como as pesquisas avaliem a candidatura de Cristina, caso ela seja oficializada. Um possível favoritismo dela na corrida ao Senado, como representante da Província de Buenos Aires, poderia ser o suficiente para se esquecer as diferenças e alcançar a unidade desejada.
Outro cenário possível seria o de uma ruptura preventiva de grupos mais preocupados com a esquerdização da coalizão. Quem poderia liderar um desses grupos é Florencio Randazzo, ex-homem de confiança do governo de Cristina Kirchner, cuja deserção é citada com frequência por meios que antipatizam com o kirchnerismo, assim como sua possível aliança com a Frente Renovadora, de Sérgio Massa e Margarita Stolbizer, considerada a terceira via da política argentina atual e que lidera as intenções de voto para as eleições na Província de Buenos Aires (o maior colégio eleitoral do país), segundo as pesquisas mais recentes.
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