Moro e a legitimação do absurdo pela roupagem racional
- Opinión
Max Weber pode ser considerado o primeiro grande sociológico que buscou interpretar a racionalidade humana sem depreciar as outras formas de conhecimento. Assim, tanto as emoções como a religião, vistas como irracionais pelo mundo científico, passaram a ser reconhecidas pelo mestre alemão, seja como racionalidade afetiva ou como racionalidade com respeito a valores (Wertrational).
Entretanto, a teoria da racionalidade de Weber ganhou corpo no mundo capitalista para analisar a administração burocrática. Ao contrário do que muitos pensam, tal tipo de administração não está assentada apenas na administração pública, mas é observada em todas as formas de organização social, seja no mundo do trabalho, seja na política. Os traços característicos da administração racional são a impessoalidade, a formalidade, a especialização, a hierarquização e a identificação clara da autoridade. Assim, no modelo de administração contemporâneo ficou muito mais fácil garantir eficiência produtiva com a definição clara de quem manda, quem decide, quem produz, quem obedece. A racionalidade, de certa forma, passou a legitimar o poder sem precisar da aquiescência divina, em mais um exemplos do processo de desencantamento do mundo.
Em uma sociedade dominada por modos racionais de organização é muito mais fácil legitimar decisões e criar barreiras para a ruptura. Daí a preocupação de Weber com a transformação da racionalidade não em um meio para atingir determinado fim, mas na sua transformação em fim. Quando a racionalidade deixa de ser um meio e torna-se um fim, temos o aprisionamento social por seus próprios instrumentos, e o símbolo da “Jaula de Ferro” ou “Gaiola de Ferro” weberiana é o mais evidente. Nos tornamos prisioneiros do “monstro racional” que nós mesmos criamos! O exemplo mais gritante desse processo de banalização do forma e do instrumental foi o holocausto nazista e a administração racional da morte pelo extermínio em campos de concentração. Contudo, todos os dias somos confrontados com abusos da legitimação racional do absurdo.
Transferindo tal interpretação para o mundo o mundo da vida, tomando emprestado a tipologia habermasiana, podemos verificar que a racionalidade instrumental vem ganhando autonomia derivada dos abusos das autoridades no Brasil. Submetidos tradicionalmente a relações de mando e obediência, observamos o vilipêndio contínuo de direitos fundamentais pela ação abusiva daqueles que deveriam proteger a nossa vida, nosso direito e segurança, tudo isto com o uso de uma roupagem formal de legitimação.
Na prática, se colocarmos os tipos ideais de Weber numa balança, vamos notar que a racionalidade com respeito a valores praticamente não tem peso, frente à orgia violenta da racionalidade instrumental. O nosso direito está sendo violado pelo domínio da forma e dos instrumentos sobre o conteúdo, e o resultado imediato é a falência democrática.
O maior símbolo da legitimação do absurdo jurídico pelo formalismo é a conduta do juiz federal Sérgio Moro. A prática despóstica do magistrado desconsidera valores, direitos fundamentais, a dignidade humana e a própria sociedade numa busca encarniçada pela exposição do seu poder.
Protegido no seu microcosmos, o paladino do conservadorismo empurra a economia nacional para um buraco por meio de decisões equivocadas, prisões abusivas e julgamentos sem base probatória suficiente. Os resultados estão manifestos em um recuo democrático e jurídico sem precedentes. A cada prisão decretada por Sérgio Moro, cada vez mais a sociedade é empurrada para dentro de uma “jaula de ferro” sem saída ou luz evidente.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
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