Os fins justificam os meios? desde quando?
- Opinión
“Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente,
não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar”
(Nicolau Maquiavel, O Príncipe)
Muitos atribuem a frase “os fins justificam os meios” a Nicolau Maquiavel. Contudo, tal posicionamento nunca foi proferido pelo mestre florentino. “O Príncipe”, sua obra mais famosa, é um excelente manual tático sobre e para a ação política. Mas no centro do texto há uma palavra essencial que deveria ser observada sempre: “virtu” (traduzida ao português como virtude ou virtuosidade).
Maquiavel era republicano, acreditava firmemente em ideais coletivos e na construção de uma Itália unificada, sem os atropelos da “guerra de todos contra todos” travada por mercenários dos grandes senhores feudais. Talvez tenha escolhido mal a pessoal para quem direcionou o livro, Lourenço de Médici. Este sim, um político que amava o poder a qualquer custo e que não media esforços para alcançá-lo.
Digo isto para introduzir um debate que interessa a qualquer pessoa preocupada com o mínimo de dignidade e democracia. É possível uma sociedade justa com a instalação de um estado policial onde todos podem ser violados em seus direitos e garantias? A resposta de Maquiavel seria simples, “não”, pois esta seria uma sociedade dominada pelo ódio e distante de qualquer ideal de virtude.
A histórica é pródiga em relatos de países onde direitos e garantias fundamentais foram violadas de qualquer forma mesmo depois da sua consagração com nas Declarações de Virgínia (1776) e da França (1789). O pior de todos os exemplos foi a Alemanha nazista de Hitler, protótipo perfeito para o conceito de totalitarismo arendtiano. Entretanto, os exemplos locais de violações não fogem muito deste e, até hoje, deixaram as suas chagas abertas na sociedade.
É exatamente por isto que decisões judiciais, especialmente, que violam a intimidade, a honra, a vida privada e a dignidade de cidadãos e cidadãs, devem ser combatidas. Nada, absolutamente nada, justifica os abusos cometidos por integrantes do estado contra os indivíduos, nem contra aqueles que são responsáveis pela sua defesa: os advogados.
Logo, são relevantes os movimentos de advogados em torno da defesa das prerrogativas constitucionais, pois estas, em essência, beneficiam a qualquer cidadão ou cidadã. Quando tais prerrogativas são violadas, temos um “efeito em cascata” contra a sociedade. Lembro que o direito de qualquer pessoa a um advogado e ao sigilo da relação entre defensor e defendido foi garantido até aos criminosos nazistas em Nuremberg. Todavia, é algo cada vez menos respeitado no Brasil, hoje vitimado pelo crescimento dos tribunais e juízos de exceção.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
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