Seus dados são voce

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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 528: Internet ciudadana o monopolios 16/11/2017

Sem sombra de dúvidas, a internet se tornou algo quase que essencial para a atual sociedade. Similar ao que aconteceu com a televisão e o rádio quando surgiram a internet tem se colocado como um serviço que tem desenvolvimento, novas oportunidades comunicacionais, incremento nas áreas de saúde e educação e novas formas de sociabilidade.

 

Inicialmente presente em meios militares e/ou acadêmicos, a rede mundial de computadores passou a ser utilizada por vários segmentos sociais. Exemplo disso são os estudantes que passaram a buscar informações para pesquisas escolares, enquanto jovens a utilizavam para a pura diversão em sites de games. As salas de chat tornaram-se pontos de encontro para um bate-papo virtual a qualquer momento. Desempregados iniciaram a busca de empregos através de sites de agências de empregos ou enviando currículos por e-mail. As empresas descobriram na Internet um excelente caminho para melhorar seus lucros e as vendas on line dispararam, transformando a Internet em verdadeiros shopping centers virtuais. Só no primeiro semestre de 2015, foram movimentados mais de 18,6 bilhões de reais de compras e-commerce, segundo dados da E-Bit/Buscapé.

 

Junto com todos esses novos paradigmas, a internet trouxe também novas formas comerciais, assim como novas violações á direitos já consagrados, como a violação de privacidade e venda de dados pessoais. Dados pessoais se tornaram o novo petróleo do mundo. Para se ter uma ideia do que nossos dados representam no mercado digital, segundo jornal El País, nosso dados valem em média 8 centavos de dólar, por pessoa. Este é o valor que as empresas interessadas nas informações de internautas pagam para montar seus próprios bancos de dados. Essas informações são posteriormente usadas para mapear perfis específicos com hábitos de compras, preferências pessoais e até orientação política de milhões de pessoas.

 

Segundo o diretor de comunicação da Anistia Internacional na Espanha, Miguel Ángel Calderón, “O fato de se poder comercializar essas listas e de que elas possam acabar chegando a pessoas indevidas torna possível que sejam usadas em iniciativas que poderiam atingir os direitos humanos, como a criação de perfis sofisticados que podem atentar contra a privacidade”.

 

Inclusive, foi na Espanha que o Facebook, uma das redes sociais que está entre as maiores empresas que coletam dados pessoais dos usuários, foi multada. A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) impôs uma multa de 1,2 milhão de euros ao Facebook por violar as regras espanholas de proteção de dados. A Agência constatou que a empresa recolhe, armazena e utiliza dados dos seus usuários, incluindo os que são protegidos para fins publicitários sem autorização nenhuma das pessoas.

 

Um aspecto importante que precisa ser destacado, é que esse “tráfico” de dados seja para venda ou para potencializar e direcionar campanhas publicitárias, não é algo que acontece somente coma s empresas de tecnologias. No Brasil, podemos citar vários casos, dentre eles o da rede de supermercados Pão de Açúcar.

 

A empresa, uma grande rede nacional de supermercados, criou um aplicativo, o “Pão de Açúcar Mais” que já foi baixado por mais de 500 mil pessoas, cujo objetivo é garantir descontos importantes em diversos produtos. Até ai tudo bem, afinal quem não quer ter bons descontos em produtos e serviços? Mas fica uma pergunta: o que a empresa ganha com isso? A resposta é: os dados pessoais dos clientes usuários do aplicativo. Apesar do negócio do Pão de Açúcar não ser tecnologia, a partir do momento em que ele tem acesso aos dados pessoais dos usuários do aplicativo, que são fornecidos como condição para ele poder utilizar o aplicativo, é possível direcionar campanhas em sua ampla rede de estabelecimentos ou pior ainda, fornece-los para empresas parceiros. E isso pode ser de maneira gratuita ou com mediante algum preço.

 

Essas práticas muitas vezes têm em comum os modelos de termos de uso e política de privacidade. Hoje, para termos acesso às diversas facilidades de serviços por meios dos aplicativos, seja de uma compra com desconto, como este caso da rede de supermercados brasileira, ou facilidades de comunicação, como no caso de uma aplicação como o Facebook, temos que nos submeter ás regras impostas pelos termos uso e aceitar as políticas de privacidade dessas grandes corporações.

 

Esses termos de uso, combinados com a política de privacidade dessas aplicações permitem o monitoramento da navegação dos usuários em outros sites (por meio da instalação de cookies, arquivos de internet que armazenam temporariamente o que o internauta está visitando na rede). Em quase todos os casos, estes termos não são lidos. E se caso fossem e tivéssemos alguma discordância, nem a chance de questiona-los teríamos, porque ao nega-los, simplesmente não temos acesso ao aplicativo. Ou seja, não é um acordo e sim uma imposição.

 

Essa é uma prática abusiva e impositiva aos usuários. No fundo, observa-se que esses serviços não são grátis. São formas de captar nossas informações, seja de navegação ou de dados pessoais para subsidiar campanhas ou serem objetos de venda para outras empresas. É importante frisar que essa prática, a de coletar e sistematizar dados não é nova.

 

Seguradoras e empresas de cartões de créditos, por exemplo, já tinham essa prática de coletar nossas informações para cadastros socioeconômicos e perfis de compras. Mas agora, a diferença são duas: a primeira, é alta capacidade de “inputs” de informações que fazemos nessas plataformas. Diariamente, essas plataformas são abastecidas com nossas informações em uma velocidade vertiginosa pois a digitalização dos dados facilitou essa prática  e faz com que geremos informações em tempo real a partir do momento que estamos conectados. E hoje, passamos muita parte do tempo de um dia conectado. O volume de dados gerados é enorme.

 

A segunda é a capacidade de processamento das informações coletadas. Antes, essas informações eram armazenadas em papel ou em algum banco de dados que não permitia uma comunicabilidade e cruzamento entre eles. A partir do momento em que você cria uma tecnologia capaz de cruzar determinadas informações, você cria um novo leque de informações capaz de direcionar e individualizar ações que antes eram feitas sem muita precisão. Isso é o que se chama de Big Data.

 

A partir da análise adequada de todo esses conjuntos de dados, é possível encontrar tendências de negócios, gostos e toda espécie de preferência de uma pessoa. Antes destas empresas de tecnologia, o Estado era o maior detentor de informações de um cidadão. Em São Paulo por exemplo temos visto a prefeitura da capital, comandada por Dória, utilizar dados dos cidadãos usuários cadastrados no programa bilhete único como moeda de troca na tentativa de obter um bom negócio com empresas.

 

Diante dos graves problemas apontados aqui, é preciso alertar a sociedade em geral sobre o que está acontecendo com os seus dados. No Brasil, entidades organizadas na Coalizão Direitos na Rede (que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, pesquisadores e organizações de defesa do consumidor) lançou, nessa semana, a campanha “Seus Dados São Você: liberdade, proteção e regulação”. A iniciativa vai promover diversas ações para pautar o tema e chamar atenção para a necessidade de construir regras que evitem esses abusos, em especial uma legislação para o assunto.

 

A Campanha tem uma extensa agenda que passa por eventos e à disseminação de matérias em redes sociais, na tentativa de denunciar as abusividades cometidas por aqueles que usam dados pessoais e privados como moeda de troca. É importante frisar, como já foi dito, que é necessário navegar na internet e utilizar todas as facilidades proporcionadas pelas aplicações existentes. Mas isso não significa de forma alguma que nossa privacidade seja violada ou que devemos ser reféns das praticas abusivas dessas grandes

 

Um outro ponto que precisa ficar claro que é que este debate não passa pela lógica do “não tenho nada a esconder”. O foco aqui é impedir que empresas ganhem como nossas informações pessoais e parem de nos monitorar sem nossa autorização. Temos o direito de não ter nossa privacidade violada. É preciso compreender que este é um direito que não merece ser violado. É nossa intimidade que está em jogo.

 

É preciso que a sociedade civil de toda a América Latina cobre dos governos de seus países a criação de órgãos reguladores que garantam a proteção de dados pessoais dos cidadãos, prevendo leis que impeçam a venda e o uso sem autorização de suas informações pessoais.

 

A garantia em lei desses nossos direitos é o que nos permitirá uma maior segurança perante esses gigantes da internet e governos que usam nossas informações como mercadoria. A internet é uma tecnologia que veio para garantir direitos, como o da liberdade de expressão, e não para retira-los.

 

- Marcos Urupá: Jornalista e advogado. Integrante do Conselho Diretor do Intervozes -Coletivo Brasil de Comunicação Social. Doutorando em Políticas de Comunicação na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília - UnB.

 

https://www.alainet.org/de/node/190308

Publicado en Revista: Internet ciudadana o monopolios

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