Irã espremido entre psicóticos imperialistas e europeus covardes

23/05/2019
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O governo Trump traiu unilateralmente o JCPOA, acordo multinacional firmado em 2015 com o endosso da ONU e que também é conhecido como "acordo nuclear do Irã". Impôs ao mundo inteiro um bloqueio financeiro e energético ilegal sobre todas as formas de comércio com o Irã, desde o petróleo e o gás até as exportações de ferro, aço, alumínio e cobre. De todos os pontos de vista práticos, e em qualquer cenário geopolítico, trata-se de uma declaração de guerra.

 

Vários governos estadunidenses vêm retalhando o direito internacional, sucessivamente; violar o Plano de Ação Conjunto Global é apenas o exemplo mais recente disso. Não importa que Teerã tenha cumprido todos os compromissos assumidos no acordo, conforme dizem os inspetores da ONU. Uma vez concluído que o tsunami estadunidense era composto das sanções mais agressivas da história, as lideranças em Teerã resolveram começar a retroceder, gradativamente.

 

O presidente Hassan Rouhani foi taxativo: "O Irã não se retirou do Acordo – ainda! As medidas de Teerã são legais, dentro do arcabouço dos artigos 26 e 36 do JCPOA; e as autoridades europeias foram informadas com antecedência. Mas está claro que o UE3 (Alemanha, França e Grã-Bretanha), que sempre insistiram em apoiar verbalmente o JCPOA, deve agir com seriedade para aliviar o desastre econômico provocado pelos EUA contra o Irã de forma que sirva de incentivo para Teerã tenha continuar cumprindo o Acordo.

 

Pilares da integração eurasiana à qual adere o Irã, Rússia e China apoiam a posição de Teerã. Esse apoio foi bastante discutido em Moscou por Sergey Lavrov e pelo iraniano Javad Zarif, talvez os dois principais ministros de relações exteriores do mundo.

 

Ao mesmo tempo, é ingenuidade política acreditar que a Europa seja capaz de criar uma espinha dorsal assim de repente.

 

A confortável premissa que vigorava em Berlim, Paris e Londres era a de que Teerã não teria como arcar com uma saída do JCPOA mesmo sem receber as recompensas econômicas prometidas em 2015. Contudo, os países do UE3 estão enfrentando agora a sua hora da verdade.

 

É difícil esperar qualquer conteúdo significativo vindo da ora enfraquecida chanceler Angela Merkel, quando Berlim está sendo visada pela ira comercial de Washington, a Grã-Bretanha se encontra paralisada pelo Brexit e um presidente extremamente malquisto como Emmanuel Macron na França já vem ameaçando impor suas próprias sanções caso Teerã não concorde em limitar o programa de mísseis balísticos. O Irã jamais vai permitir que seja inspecionada a sua indústria de mísseis, que se encontra em franca expansão, quando isso sequer fez parte do JCPOA, para início de conversa.

 

No atual estado das coisas, o UE3 não está comprando o petróleo iraniano. Os três países estão aceitando docilmente as sanções dos EUA tanto por parte dos bancos quanto por parte da indústria do petróleo e do gás – sanções que agora se estendem para os setores manufatureiros – sem fazer nada para proteger o Irã dos seus efeitos nocivos. A implementação do INSTEX, a alternativa europeia ao SWIFT para o comércio com o Irã, está definhando. Além de expressar "desculpas esfarrapadas" acerca das sanções estadunidenses, o UE3 está de fato jogando o jogo do lado dos EUA, Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes, e, por extensão, contra Rússia, China e Irã.

 

Ascensão dos psicóticos imperialistas

 

Como Teerã acabou mandando mesmo a bola para o tribunal europeu, as opções que restam ao UE3 são desastrosas. Uma defesa intencional do JCPOA vai instigar no governo Trump uma reação belicista. Um comportamento acuado – o caminho mais provável – vai acirrar ainda mais os psicóticos funcionários imperialistas ávidos por declarar guerra contra o Irã a qualquer custo; o Secretário de Estado Mike Pompeo, evangélico fanático que joga no time do petróleo dos irmãos Kock, e o Assessor de Segurança Nacional estadunidense John Bolton, notório manipulador da inteligência pago pelos Mujahidin iranianos.

 

Mal se pode dizer que a manobra gangsteriana de Pompeo e Bolton seja algo como a Realpolitik de Bismarck. Ela consiste em forçar a barra o tempo todo para que Teerã cometa algum erro, qualquer que seja, e deixe de cumprir suas obrigações determinados no âmbito do JCPOA, de forma que a "falha" seja alardeada para a volátil opinião pública estadunidense como proverbial "ameaça" à lei e à ordem disfarçada de casus belli.

 

Há uma coisa que a destrambelhada guerra econômica estadunidense contra o Irã conseguiu: unidade interna na República Islâmica. A meta inicial da equipe de Rouhani para o JCPOA era se abrir para o comércio com o Ocidente (o comércio com a Ásia sempre esteve ativo) e de alguma forma conter o poderio do Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica (IRGC), que controla amplos setores da economia iraniana.

 

A guerra econômica de Washington mostrou o contrário, que o IRGC sempre esteve certo, fazendo eco ao sentimento geopolítico do Líder Supremo, o Aiatolá Khamenei, que vive chamando atenção para o fato de que não se pode – nunca, jamais – confiar nos norte-americanos.

 

E por mais que Washington tenha rotulado o IRGC de "organização terrorista", Teerã retrucou na mesma moeda, rotulando o CENTCOM da mesma forma.

 

Os agentes independentes que comercializam petróleo do Golfo Pérsico descartam a noção de que a cleptocrata Casa de Saud – dirigida de fato pelo amiguinho de Whatsapp do Jared Kushner das Arábias, Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da coroa saudita – detenha cerca de 2,5 milhões de barris de petróleo por dia em capacidade disponível que daria conta de substituir os 2 milhões de barris que o Irã exporta (de uma produção total cotidiana de 3,45 milhões). A Casa de Saud parece mais interessada em aumentar os preços do petróleo para os clientes asiáticos.

 

Bloqueio problemático

 

O bloqueio de Washington contra o comércio iraniano de energia está fadado ao fracasso.

 

A China continuará comprando os seus 650.000 barris diários, e até poderá vir a comprar mais. Várias empresas chinesas trocam tecnologia e serviços industriais pelo petróleo iraniano.

 

O Paquistão, o Iraque e a Turquia – todos compartilhando fronteiras com o Irã – continuarão comprando o petróleo bruto iraniano, que é leve e de alta qualidade, lançando mão de todo e qualquer método de pagamento (inclusive ouro) e transporte que esteja à sua disposição, seja ele formal ou informal. O relacionamento comercial de Bagdá com Teerã continuará prosperando.

 

Uma vez que a asfixia econômica não será o bastante, o Plano B é – e o que mais seria? – uma ameaça de guerra.

 

Já ficou estabelecido que as informações – boatos a bem da verdade – acerca das ditas manobras iranianas para atacar os interesses dos EUA no Golfo foram passadas para Bolton pelo Mossad, na Casa Branca, tendo sido o próprio Assessor de Segurança Nacional de Israel Meir Ben Shabbat quem as passou.

 

Todos têm ciência do corolário: reposição patrimonial (em "pentagonês") – do destacamento do grupo de ataque do porta-aviões USS Abraham Lincoln para o pouso de 4 bombardeiros B-52 na Base Aérea de Al Udeid no Qatar, como parte de um "alerta" para o Irã.

 

Um estardalhaço de guerra crescente que agora toma todo o fronte libanês, assim como o iraniano!

 

Razões para a fúria psicótica imperialista

 

O PIB iraniano é parecido com o da Tailândia, sendo o seu orçamento militar bastante parecido com o de Cingapura. Implicar com o Irã é um absurdo geopolítico e geoeconômico. O Irã pode ser um ator emergente do Sul Global – poderia tranquilamente integrar o G20 – mas não pode jamais ser considerado como uma "ameaça" aos EUA.

 

Contudo, o país leva os psicopáticos funcionários imperialistas a acessos de ira por três razões bastante sérias. Os neoconservadores não se importam com os custos dessas tentativas de destruir o Iraque ultrapassarem os 6 trilhões de dólares – sem falar que foi um crime de guerra de grandes proporções, um desastre político e um abismo econômico, tudo num pacote só. Tentar destruir o Irã vai custar um montante indizivelmente superior.

 

A razão de maior destaque para esse ódio irracional é o fato de a República Islâmica ser um dos pouquíssimos países na face da terra que está sempre desafiando a hegemonia – e isso já há décadas.

 

A segunda razão é que o Irã, assim como a Venezuela – e isso é todo um fronte de guerra combinado – se comprometeu com o anátema supremo, comercializando energia sem passar pelo petrodólar, a pedra fundamental da hegemonia estadunidense.

 

A terceira razão (invisível) é que atacar o Irã é desarticular a emergente integração eurasiana, assim como usar a espionagem da NSA para acabar colocando o Brasil no saco foi um ataque à integração latino-americana.

 

A histeria sem fim em torno da possibilidade de o Presidente Donald Trump estar sendo manipulado por seus psicopatas de estimação para entrar em guerra contra o Irã – ora, ele chegou a dizer que o Irã viesse falar com ele – foge um pouco do contexto. Conforme já foi mostrado, o possível fechamento do Estreito de Ormuz, por qualquer razão que seja, teria sobre a economia um efeito equivalente ao impacto de um meteoro. E isso se traduziria, inevitavelmente, em derrota eleitoral para Trump em 2020.

 

O Estreito de Ormuz jamais precisará ser fechado se o petróleo que o Irã consegue exportar for comprado pela China, por outros clientes asiáticos e até mesmo pela Rússia – que poderia lhe dar um novo rótulo. Mas Teerã sequer piscaria ante a possibilidade de fecha-lo caso se veja às voltas com um feroz estrangulamento econômico.

 

Segundo um especialista em inteligência norte-americana dissidente, "os Estados Unidos estão em clara desvantagem; pois, se o Estreito de Ormuz for fechado, o país entrará em colapso. Mas se conseguirem evitar que a Rússia defenda o Irã, este então poderá ser atacado e a Rússia não terá ganhado nada com isso, uma vez que os neoconservadores não têm interesse em apaziguar os ânimos com a Rússia e a China. Trump sim, mas o "estado profundo" (N.T. - do turco derin devlet) não pretende permitir."

 

Admitindo que tal hipótese esteja correta, os suspeitos de sempre no governo dos Estados Unidos estão tentando dissuadir Putin da questão do Estreito de Ormuz ao mesmo tempo em que mantêm a fragilidade de Trump, enquanto os neoconservadores continuam avidamente empenhados em estrangular o Irã. É difícil enxergar o Putin caindo nessa malfadada arapuca.

 

Sem blefe

 

E agora, o que vai acontecer? O Professor Mohammad Marandi da Faculdade de Estudos Mundiais da Universidade de Teerã apresenta uma ótica mais sóbria: "Depois de 60 dias, o Irã vai levar o atual estado das coisas um pouco mais além. Não acho que o país esteja blefando. Eles também estarão, por vias distintas, dando o troco aos sauditas e aos emiradenses."

 

Marandi prevê "um aumento das tensões" pela frente:

 

"Os iranianos já vêm se preparando para uma guerra contra os Estados Unidos desde a invasão do Iraque em 2003. Depois do que viram na Líbia, na Síria, no Yemen, na Venezuela, já sabem que os americanos e os europeus são capazes de muita brutalidade. Todo o litoral do Golfo Pérsico no lado iraniano e o Golfo de Omã estão cheios de túneis e mísseis subterrâneos de alta tecnologia. O Golfo Pérsico está repleto de navios equipados com avançadíssimos mísseis mar-mar. Se houver uma guerra de verdade, todas as instalações de petróleo e gás da região serão destruídas e todos os navios petroleiros também serão destruídos."

 

E se tudo isso de fato acontecer, Marandi considera o Estreito de Ormuz como um "espetáculo à parte":

 

"Os americanos vão acabar sendo expulsos do Iraque. As exportações iraquianas chegam a 4 milhões de barris de petróleo por dia; mas isso pode acabar, com os ataques e outros meios. Seria uma catástrofe para os Estados Unidos. Seria uma catástrofe para o mundo inteiro, bem como para o Irã. Mas os americanos simplesmente não vão vencer."

 

Então, conforme Marandi explica – e a opinião pública iraniana já concorda em grande parte – a República Islâmica tem alavancagem pois eles sabem que "os americanos não podem arcar com uma guerra. Loucos como Pompeo e Bolton podem até querer, mas há muitas outras personalidades do sistema que não querem".

 

Teerã pode ter desenvolvido um arcabouço modificado da destruição mútua assegurada (que, em inglês, forma a sigla MAD, ou "louco") para se alavancar, acima de tudo para acalmar o aliado de Trump, Mohammed bin Salman. Marandi diz ainda: "vamos admitir que os loucos não tenham tanta voz ativa; mas, se tiverem, aí é guerra. Contudo, por ora ainda é improvável."

 

Todas as opções na mesa?

 

Em termos da Guerra Fria 2.0, desde a Ásia Central até o Mediterrâneo Oriental e desde o Oceano Índico até o Mar Cáspio, Teerã conta com um bom conjunto de alianças formais e informais. Esse conjunto não só se centra no eixo Beirute-Damasco-Bagdá-Teerã-Herat como também inclui a Turquia e o Qatar. E o mais importante de tudo é que as principais peças no tabuleiro da integração eurasiana, Rússia e China, estão em parceria estratégica.

 

Quando se reuniram na semana passada em Moscou, Zarif e Lavrov discutiram praticamente tudo: Síria (negociam juntos no processo de Astana, agora de Nur-Sultão), o Cáspio, o Cáucaso, a Ásia Central, a Organização para Cooperação de Xangai (da qual o Irã vai se tornar membro), o JCPOA e a Venezuela.

 

O governo Trump foi praticamente arrastado contra a sua vontade para se reunir com Kim Jong-Un à mesma mesa por causa dos testes dos mísseis balísticos intercontinentais da RPDC. E foi aí que o Kim encomendou mais testes dos mísseis, porque, em suas próprias palavras, conforme citadas pela coreana KCNA, "a paz e a segurança genuínas só são garantidas num país por força física que seja forte o suficiente para defender a soberania nacional".

 

Vigilância do Sul Global

 

A maioria esmagadora dos países do Sul Global está de olho na ofensiva neoconservadora dos Estados Unidos que visa acabar estrangulando "o povo iraniano", bem ciente de que o Irã poderá ser importunado à exaustão simplesmente por não dispor de uma contrapartida nuclear. O IRGC (Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica) também chegou a essa conclusão.
Isso significaria a morte do JCPOA – e a rediviva questão de "todas as opções sobre a mesa".

 

Porém, haverá muitas reviravoltas na Arte da Negociação (Demente). Por exemplo, e se – e vamos colocar "se" nessa história – então, e se Donald Trump estiver sendo acossado por seus próprios psicopatas de estimação?

 

Que fale o Negociador-mor:

 

"Torcemos para que não seja preciso fazer nada quanto ao uso de força militar... Podemos chegar a um acordo, um acordo justo... Só não queremos que eles tenham armas nucleares. Não é pedir muito. E ainda os ajudaríamos a recuperar a saúde plena. Pois, estão em situação bem precária agora. Não vejo a hora em que possamos de fato ajudar o Irã. Não queremos magoar o país. Quero que eles fiquem fortes e saudáveis, com uma economia grandiosa... Nós não temos segredos. E eles podem ser fortes, financeiramente muito fortes. Têm um grande potencial."

 

Depois, o Aiatolá Khamenei veio e disse: Não se pode confiar nos americanos, nunca.

 

- Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

 

22 de Maio de 2019
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/pepeescobar/394227/Ir%C3%A3-espremido-entre-psic%C3%B3ticos-imperialistas-e-europeus-covardes.htm

 

https://www.alainet.org/de/node/199998
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