Aquecimento global e suas consequências: novas descobertas
- Análisis
No final de 2019, as temperaturas na Austrália marcaram recorde de média (média!) de 40,9oC. Os incêndios neste país ocorreram, apesar de importantes para a manutenção das espécies endêmicas ao bioma – algo parecido com o que ocorre em nosso Cerrado – chamaram a atenção pela proporção catastrófica, fruto da seca enorme que atinge o país, em reflexo direto das mudanças climáticas. Afinal, o aquecimento global é o vilão da história?
É importante que se entenda o aquecimento global (efeito estufa). É um fenômeno de extrema importância para a manutenção da vida, pois permite a retenção do calor na Terra. Seus principais gases, que criam uma espécie de “cobertor” ao redor do planeta (que não é plano, POR FAVOR!) são o CO2 (dióxido de Carbono) e CH4 (Metano). Qual é o problema então? Simples: a quantidade desses gases que está sendo liberada é muito maior do que a capacidade que a própria natureza tem de capturá-los de volta através de ciclos biogeoquímicos, mantendo-os em quantidade ideal na atmosfera - precisamos lembrar que os oceanos são os principais responsáveis por absorver o CO2 através do processo de fotossíntese realizado pelo fitoplâncton e algas marinhas.
Estudo divulgado pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) durante a Conferência do Clima da ONU (COP-25), realizada em Madri, na Espanha, afirma que as mudanças climáticas, associadas a poluição por nutrientes, estão retirando o O2 (oxigênio) dos oceanos, o que indica uma ameaça direta às espécies, principalmente animais maiores – quanto maior, mais energia necessária, portanto, maior demanda por O2.
Já outro estudo divulgado na revista chinesa Advances in Atmospheric Sciences aponta que em 2019 a temperatura média dos oceanos atingiu a marca mais alta já registrada, o que pode gerar ondas de calor marinhas fatais a vida marinha e proporcionarem a formação de furacões.
Percebe-se, portanto, que as alterações climáticas, além de elevar o nível dos oceanos, têm outros efeitos sérios até então desconsiderados. Além dessa diminuição de O2, a absorção de CO2 (cerca de 33%) ocorre também nesse local, causando a morte de corais (e outros animais que dependem do cálcio para sua constituição física) pela acidificação – uma vez que o gás reage com a água e gera ácido carbônico. Consequentemente, todo ecossistema marinho é ameaçado. Um ponto importante que poucos lembram: de todo O2 atmosférico, cerca de 60% (alguns falam em até 80%) provém justamente das algas, a maioria marinhas.
Ou seja, o aquecimento global, em ritmo descontrolado como está hoje, gera uma reação em cadeia que desestabiliza e coloca em risco a sobrevivência de muitas espécies...inclusive a nossa.
Pesquisas realizadas na Austrália e no Reino Unido mostram que os veados-vermelhos (Cervus elaphus), que habitam uma ilha escocesa, estão nascendo em um menor intervalo de tempo – em cada década, reduzem 3 dias. Os cientistas justificam isso pelas alterações genéticas que a espécie vem sofrendo.
Ok. Mas por que isso é importante? Primeiro porque a antecipação pode influenciar no próprio comportamento dos animais, uma vez que os nascimentos sempre ocorrem em momentos adequados, como durante a presença de alimentos, por exemplo. A partir do momento em que o ambiente não seja favorável, pode comprometer essa espécie ou até mesmo as espécies vegetais das quais se alimenta. Além disso, serve de alerta, afinal, é uma espécie que evolutivamente estaria conseguindo se adaptar às mudanças climáticas, mas que todos animais – e outros seres vivos – apresentariam essa capacidade de adequação?
No caso da espécie humana, estudos recentes dos estadunidenses Alan Barreca e Jessamyn Schaller, publicados na conceituada revista Nature, também relacionam um tempo menor de gestação, o que afeta o desenvolvimento do feto, gerando problemas de saúde em bebês prematuros (asma, redução da função pulmonar, elevação do risco de derrames e ataques cardíacos), incluindo o desenvolvimento cognitivo.
De forma indireta, as crianças que nascem na atual conjuntura ambiental, também têm mais chances de enfrentar fome e adquirir arbovirores como dengue, zika e chikungunya, conforme indica o Relatório Internacional Lancet Countdown 2019, elaborado por 35 instituições acadêmicas do mundo todo e pelas agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Somos, portanto, uma das espécies inaptas para tais mudanças no clima.
Quais os reais motivos desse aquecimento exagerado? Basicamente por dois motivos principais – e antrópicos: o avanço do agronegócio e a poluição do ambiente. Devem estar se indagando como isso é possível. Vamos lá.
De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), as emissões de CO2 no Brasil se dão pelo desmatamento (46%) e atividades de agropecuária (24%), totalizando 68%, tornando o país o sétimo maior emissor do planeta.
Em relação a poluição, são vários os tipos, mas a principal delas diz respeito às substâncias que contaminam o ambiente e são liberadas na atmosfera. E novamente, o agronegócio tem papel fundamental nisso ao promover o uso indiscriminado dos agrotóxicos – em um ano do atual (des)governo brasileiro foram liberados 503 novos registros desses produtos, sendo 20% extremamente tóxicos e fatais para agentes polinizadores como as abelhas.
(Essa atitude é mais uma que atende os interesses das multinacionais como Bayer/Monsanto e Dow AgroSciences/Corteva, ignorando estudos e pesquisas científicas sérias).
No Brasil, a bancada do agronegócio e seus interesses escusos ditam regras que afetam diretamente o aquecimento global. A Floresta Amazônica, sendo devastada e queimada sob a tutela do (des)governo Bolsonaro, coloca em risco a própria agricultura. Isso porque ela é responsável não apenas pelo sequestro de CO2, mas pela emissão de umidade na atmosfera, a qual é carregada por correntes de ar até a região Sudeste, por exemplo. No entanto, com sua diminuição, além de não absorver o CO2, também afeta diretamente os regimes de chuva em épocas de plantio (safra), comprometendo a geração de alimentos.
Só em 2019, as áreas desmatadas na Amazônia cresceram 85% e mesmo assim, são minimizadas e até ignoradas pelo atual presidente do país.
(Vale salientar também que ao desmatar e sofrer queimadas – em uma relação direta entre as áreas – há liberação de CO2 dessa queima, afinal, imagine uma árvore de 50 anos, período no qual retirou o CO2 da atmosfera e de repente, ao ser queimada, libera todo o CO2 de uma única vez. Uma vez desmatado, o local servirá para o plantio de soja e pastagens. Pastagens que alimentam o gado, potencializando o efeito estufa, pois esses animais liberam outro importante gás, o CH4 (gás metano), cuja capacidade de retenção de calor na atmosfera é cerca de 30 vezes maior que o próprio CO2).
Paralelamente a essas arbitrariedades, resoluções da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) – como a recente Resolução Normativa nº24 – são tomadas na surdina para facilitar a liberação e uso de organismos geneticamente modificados (“OGMs”, também chamados de “transgênicos”). O mais curioso é que as próprias empresas detentoras da tecnologia e da produção desses OGMs – e investimentos bilionários – é que ficam responsáveis pelos estudos para comprovar o nível de risco associado aos mesmos. Ou seja, não é do interesse dessas empresas estimar o risco fielmente, colocando sob risco seus investimentos – lembremos do documento da Monsanto, publicado no livro “O mundo segundo a Monsanto”: “não podemos nos dar ao luxo de perder nem sequer um dólar em nossos negócios”)
(Recomendo a leitura do artigo “Os casos envolvendo a Monsanto e outras corporações”, onde falo um pouco mais sobre esse livro e suas denúncias perturbadoras -https://biologosocialista.wordpress.com/2016/01/13/os-casos-envolvendo-a-monsanto-e-outras-corporacoes/)
Além de tendenciosas, tais resoluções e aparelhamento da máquina pública por pessoas ligadas a essas empresas/corporações – a chamada “porta-giratória” – escondem os danos à saúde que os OGMs causam; além de necessitarem de maios quantidade de agrotóxicos, apesar de venderem e propagandearem o oposto aquilo que a literatura científica prova. Como bem define o colaborador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida e membro da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Leonardo Melgarejo, a RN24 promove a “falsa ideia de cientificidade em uma decisão que atende interesses políticos”.
Sendo assim, de nada adiantarmos lutar contra o aquecimento global se não condenarmos o agronegócio e seus interesses capitais. O Agro, além de tóxico, é inimigo do equilíbrio ambiental.
- Luiz Fernando Leal Padulla é Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências, Especialista em Bioecologia e Conservação.
Links:
AXWORTHY, J. B.; GAMIÑO-PADILLA, J. L. 2019. Microplastics ingestion and heterotrophy in thermally stressed corals. Scientific Reports, 9: 1-8. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41598-019-54698-7.pdf>
BARRECA, A.; SCHALLER, J. 2019. The impact of high ambient temperatures on delivery timing and gestational lengths. Nature, 1-10. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41558-019-0632-4>.
SÉRALIN, G.E.; CLAIR, E.; MESNAGE, R.; GRESS, S.; DEFARGE, N.; MALATESTA, M.; HENNEQUIN, D.; DE VENDÔMOIS, J.S. 2014. Republished study: long-term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize. Environmental Sciences Europe, 26:14. Disponível em: <https://enveurope.springeropen.com/track/pdf/10.1186/s12302-014-0014-5>
WATTS, N. et al. 2019. The 2019 report of The Lancet Countdown on health and climate change: ensuring that the health of a child born today is not defined by a changing climate. The Lancet, 394: 1836-1878. Disponível em: <https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)32596-6/fulltext>
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