Os poderosos no banco dos réus?
21/07/2014
- Opinión
Durante o julgamento no STF da AP 470, não faltaram vozes que anunciavam um novo tempo para o poder Judiciário do nosso país: os poderosos também sentam no banco dos réus!
A mídia empresarial não poupou espaços para divulgar essa versão. As vozes do jornalismo mais reacionário, os rola-bostas, na feliz definição do teólogo Leonardo Boff, em êxtase saudavam as condenações dos petistas e endeusavam a atuação do ministro Joaquim Barbosa, ungido o precursor desse novo tempo.
Ao fazer as acusações, parecendo seguir um roteiro ditado pela mídia, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não hesitou em afirmar que era o maior caso de corrupção brasileira. Um escárnio com a história do país. Seria demasiada expectativa nossa exigir que o atribulado magistrado conhecesse obras como a do jurista Raimundo Faoro, Os donos do poder. E, possivelmente sua opção partidária, legítima, não lhe aguçou a curiosidade de, sequer, folhear ou ler a orelha de livros como A privataria tucana, O príncipe da privataria ou Operação banqueiro.
O prevaricador Gurgel, acusação feita pelo senador Collor de Mello, apenas deu continuidade aos passos iniciados pelo seu antecessor, Antônio Fernando de Souza, que sentenciou os réus, antes mesmo do julgamento, como os 40 ladrões. Ironia da história: Souza hoje é empregado do banqueiro Daniel Dantas, tido, por muitos, como um verdadeiro Ali Babá na privatização das telecomunicações, ocorrida no governo de FHC. O mesmo banqueiro que está no centro do livro, já citado, de Rubens Valente, Operação banqueiro.
Mas, se a AP 470 significava um novo tempo, por que banqueiro não vai para a cadeia? Daniel Dantas, preso e acusado de inúmeros crimes, foi imediatamente posto em liberdade por dois habeas corpus dados pelo ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF.
O ex-presidente do Banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá, foi acusado de evasão de divisas e fraudes contra o sistema financeiro. Um processo que se arrasta desde 1996. Condenado, recebeu uma pena de sete anos de reclusão. Mas nunca esteve preso.
Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, foi condenado a 21 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro, após a intervenção em seu banco, em 2004. Dez anos depois, ele segue em “liberdade provisória”.
No dia 11 de julho, a Justiça Federal condenou Carlos Eduardo Schahin, sócio do antigo Banco Schahin, a quatro anos de prisão em regime semiaberto e a multa de R$ 670 mil por evasão de divisas. De acordo com o blog do jornalista Altamiro Borges, “há provas concretas de que ele desviou dinheiro de acionistas e clientes do Banco Schahin para a conta de uma empresa de fachada nas Ilhas Virgens. Mas o juiz Marcelo Cavali não viu motivos para condená-lo à prisão em regime fechado. O banqueiro ainda alegou dificuldades financeiras, apesar de o seu banco ter sido vendido para o BMG, em 2011, por R$ 230 milhões.”
A corrupção no sistema de transporte público de trens e metrô do estado de São Paulo – iniciado ainda no governo de Mário Covas, e continuado nos de Geraldo Alckmin e José Serra – apesar da fartura de provas, não penalizou nenhuma autoridade tucana e conta com o conluio da mídia empresarial para assegurar total impunidade. Dinheiro do transporte público, em bilhões de reais, que abasteceu o caixa 2 do PSDB e dos Democratas, além de fazer a fortuna individual de vários deles.
O mesmo vale para o mensalão tucano de Minas Gerais. Sendo mais antigo que o do PT, não há nenhum tucano na gaiola. Aliás, nem mesmo a apreensão de meia tonelada de cocaína, transportada em helicóptero, pertencente à família do senador Perrella, amiga do tucano Aécio Neves, foi o suficiente para colocar certos poderosos na cadeia.
Novos tempos exigiriam do poder Judiciário fazer a Rede Globo sentar no banco dos réus. Em 16 de outubro de 2006, a Globo foi autuada por sonegação de impostos devidos pela compra dos direitos de transmissão da Copa da Fifa de 2002. Uma trapaça fiscal, feita pela toda poderosa Rede Globo. E a mídia burguesa, submissa à Globo, mantém um conivente silêncio sobre o caso. O processo chegou a ser furtado por uma funcionária da própria Receita Federal. Identificada, ela foi presa e imediatamente solta por um habeas corpus dado pelo ministro Gilmar Mendes. Sempre atuante.
Nesses dias, novas informações surgiram sobre esse crime cometido pela Globo, envolvendo a quantia de R$ 615 milhões, em valores de 2006. E outros documentos sobre o caso deverão surgir. Cogita-se, inclusive, documentos com as assinaturas dos donos da Globo, os irmãos Marinho.
Para Miguel do Rosário, autor da denuncia em O Cafezinho, “é preciso esclarecer à opinião pública se houve crimes contra o sistema financeiro, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Além disso, é preciso quebrar o silêncio criminoso da grande imprensa sempre que o assunto é ela mesma, sobretudo se o personagem é a sua representante mais poderosa, a Globo.”
Há um poder Judiciário que se mostra seletivo com os réus e uma mídia conivente com a essa prática. Esta, acusa os que julga serem seus inimigos, assegura a impunidade dos seus próprios crimes e protege seus poderosos anunciantes e partidos políticos que lhe convém.
Cada vez é mais urgente e necessária uma reforma a política, que fortaleça e democratize o poder Judiciário e a mídia em nosso país.
- Editorial da Edição 595 do Jornal Brasil de Fato
22/07/2014
https://www.alainet.org/en/node/101824?language=en
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