Zé da silva e as contas do brasil
15/07/2001
- Opinión
Zé da Silva é um brasileiro médio que difere da média dos
brasileiros. Assalariado e arrochado, não vê aumento há seis anos e
meio. Mas Zé da Silva possui talão de cheques. Cada vez que assina um
deles, paga a Contribuição Provisória por Movimentação Financeira, a
CPMF, teoricamente destinada a melhorar a saúde da nação.
Na verdade, a contribuição é tão provisória quanto as medidas
provisórias editadas permanentemente pelo governo. Fala-se, agora, em
estender a CPMF até 2003. Como ninguém reage, a turma de Brasília
age.
De Zé da Silva em Zé da Silva, o governo confisca, por ano, R$ 18
bilhões do bolso dos brasileiros. Collor adotou o tratamento de
choque ao confiscar poupanças. FHC prefere medidas homeopáticas. Zé
da Silva fica mais pobre todo dia, o país idem, mas o governo jura
que o futuro ao Brasil pertence.
O atoleiro cambial
De janeiro a junho, o dólar criou asas e decolou, enquanto o real
perdeu 24,2% de seu valor. Se Zé da Silva tivesse dívidas em dólar,
passaria a dever 24,2% a mais. O Brasil, que tem sua economia
atrelada ao dólar, ficou R$ 105,5 bilhões mais pobre. Perdeu, em seis
meses, seis anos de CPMF. Cheque assinado pelo ministro Malan e
confiscado pelo FMI. Traduzido em recursos administrativos, o país
perdeu hospitais, proibiu internações, cancelou cirurgias, vetou
exames, esvaziou campanhas preventivas, matou pacientes. Sem choro
nem vela.
Zé da Silva mantém um gráfico, riscado a giz vermelho, na parede do
quarto alugado em que mora. Sabe que os parcos reais que traz no
bolso valem, agora, 24,2% a menos. Subiu no banquinho que lhe serve
de criado-mudo e marcou o pico da dívida e(x)terna brasileira: US$
215,3 bilhões. Quase metade de toda a riqueza existente no país, bens
e serviços, simbolizada na sigla PIB Produto Interno Bruto. Hoje,
orçado em US$ 500 bilhões.
Zé da Silva gravou do lado, com giz amarelo, a dívida interna do
país: R$ 596,7 bilhões. Traduzida em dólares pela cotação de 13 de
junho, equivale a US$ 246,5 bilhões. Somou as duas faces da dívida
pública, a externa e a interna. Deu US$ 461,8 bilhões. Subtraiu do
valor do PIB. Sobraram US$ 38,2 bilhões. É tudo que o governo FHC
deixaria no caixa nacional se saldasse toda a dívida. Uma declaração
de falência e incompetência.
Zé da Silva está doente. Não sabe se de febre amarela, tuberculose ou
dengue. Sabe apenas que é uma dessas doenças que, oficialmente, o
Brasil havia erradicado de seu prontuário médico desde os anos 60.
Mas que o governo FHC trouxe de volta. Não por gostar de doenças, mas
por menosprezar a saúde da nação.
Fuçador, Zé da Silva descobriu que, no orçamento federal deste ano, a
verba para a saúde é de R$ 21,5 bilhões. Sentado no banquinho de seu
quarto, Zé da Silva calculou a dívida externa em reais. Concluiu que
ela saltou, nos primeiros seis meses do ano, de R$ 421,5 bilhões para
R$ 521 bilhões. A diferença daria para financiar a saúde por quase
cinco anos.
Filósofo, Zé da Silva ergueu na mente uma indagação metafísica: por
que o governo não tem dinheiro para investir, mas tem para perder?
Dragão da inflação
Zé da Silva sabe que 23% da dívida do governo federal no mercado
interno estão ancorados na variação cambial. Sobe o dólar, sobe a
dívida. Em janeiro de 1999, quando FHC divorciou o real do dólar,
pondo fim à lua-de-mel entre as duas moedas, inúmeras empresas
quebraram. As importações ficaram mais caras. Agora, prevenidas, as
empresas compram dólar no mercado para fazer caixa. Não confiam na
política cambial do governo.
A alta do dólar acorda o dragão da inflação, que andava adormecido
sob a cama de Zé da Silva. Sobe o dólar, sobem os preços dos
combustíveis, as tarifas de energia elétrica e telefones, os
medicamentos, o pãozinho do café da manhã e tudo o que contém trigo.
Quase 80% do trigo consumido no Brasil é importado.
Longe da pensão em que mora Zé da Silva, o ministro Malan, sensível
aos números, tenta domar o dragão erguendo o chicote do aumento da
taxa de juros. Com juros tão elevados quanto a pressão arterial de Zé
da Silva, ficam mais caros os financiamentos para investimentos e
consumo. O ministro doma o dragão, segura a inflação, mas não o balão
da dívida pública. Em dezembro de 1999, ela era de R$ 516,5 bilhões.
Um ano depois, R$ 563,1 bilhões. Agora, R$ 596,7 bilhões.
Cansado dos males do governo, Zé da Silva quer saber como se safa a
economia do setor privado. De janeiro a junho, a conta da
desvalorização do real, instado à anorexia compulsória, pousou na
mesa do setor privado, cuja dívida pulou de R$ 208,3 bilhões para R$
261,1 bilhões. Após erguer o guardanapo à boca e tossir constrangido,
o setor privado sutilmente empurrou a conta para a mesa do governo.
Como fez em janeiro de 1999, captando, via bancos Marka e
FonteCindam, a bagatela de R$ 1,6 bilhão.
À medida que o real se desvaloriza, o mesmo acontece com o país. É
isso que angustia Zé da Silva. As ações ficam mais baratas para o
investidor estrangeiro. E o Brasil vai sendo comprado, fatia a fatia,
deixando Zé da Silva mais desolado.
Eleições 2002
Zé da Silva já pensa nas eleições do ano que vem. Desta vez, jura
para si mesmo que vai deixar de ser bobo e votar no mais falante e
mais elegante. Tem medo de repetir a dose e eleger o mais farsante.
No radinho de pilha que traz colado à orelha, Zé da Silva ouviu o
ministro Malan ditar a pauta dos futuros candidatos a presidente da
República. O novo presidente terá de respeitar as restrições
orçamentárias do setor público. Malan repetiu o que o FMI ditou.
Traduzindo do economês, o governo brasileiro está proibido de gastar.
E tanto deixou de gastar que não investiu no setor energético. Anda
agora em meio às trevas, enxergando um túnel no fim da luz.
Como o burro da fábula, o Brasil aprende com os economistas
efemizados a viver sem comer. Agora, a falta de salário e de luz.
Amanhã, de água. Dentro em pouco, rodízio diário de narinas para
economizar oxigênio. Zé da Silva já treina com um pegador de roupa.
Fecha a narina direita nos dias pares e a esquerda nos ímpares. A
questão é saber se o burro do brasileiro vai sobreviver quando
aprender a deixar de comer.
Zé da Silva observa os gráficos na parede de seu quarto. Confere que
a dívida federal, em títulos, era de R$ 61,8 bilhões quando FHC tomou
posse em 1995. Em abril deste ano, estava em R$ 553,9 bilhões.
Inferior a 30% do PIB no primeiro mandato, subiu para 50% do PIB
atual.
Ora, pergunta-se Zé da Silva, como o Brasil pode dever tanto se andou
vendendo empresas estatais para diminuir o peso da dívida? Cadê o
dinheiro das privatizações? Este é um mistério que Zé da Silva não
consegue decifrar. Como não logra entender essa cara de austeridade
do ministro Malan, vestindo um terno de bolsos furados, de tanto
endividar o setor público.
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