O novo imperialismo
12/06/2002
- Opinión
Quem estuda em seminário adquire certo conhecimento histórico. Não dá
para estudar Bíblia sem remeter-se ao Egito dos faraós. Nem se
aprofundar no contexto dos evangelhos sem ter idéia do que significou
o Império Romano.
Pelas obras de Suetônio e Flávio Josefo, fiz muitas incursões
turísticas pelo Império Romano. A própria noção de império sempre me
provocou calafrios. Nada se opunha ao poder dos Césares. Tito,
Domiciano, Nero, Calígula, teriam sido homens que reduziram o direito
a seus caprichos pessoais. A vontade deles era lei. Divinizados pela
teologia pagã, comportavam-se como se fossem deuses, a quem a plebe
era obrigada a prestar culto.
O Império Britânico também me impressionou. Nele, jamais o Sol se
punha, tamanha a sua extensão pelo orbe terrestre. Aos poucos, ruiu
como todos os impérios precedentes. E deixou em seu rastro, na Ásia e
na África, um rosário de ex-colônias marcadas pela miséria.
Assim são todos os impérios: sanguessugas. Só o chinês, que não
chegou a consolidar-se mundo afora, agiu pela lógica inversa: a de
cuidar melhor dos povos que subjugava. Por isso abandonou Mogadíscio,
no século XV, quando a empresa colonial tornou-se onerosa.
Hitler tentou erguer um império, o 3º Reich. Stalin, o soviético.
Deram com os burros n`água. Em 1962, em Argel, Che Guevara denunciou
o social-imperialismo da União Soviética. Nunca mais se ouviu seu
nome no Leste europeu, exceto para acusá-lo, como ouvi da boca de um
dirigente russo, de aventureiro e terrorista.
Com a queda do Muro de Berlim, julguei que a bipolaridade marcasse o
advento da multipolaridade. Teríamos, assim, um mundo mais
democrático. Ledo engano. Como assinalou Emir Sader, União Européia,
Japão e China não conseguiram se afirmar como superpotências e
equilibrar os pratos da balança. Hoje, estamos entregues ao império
dos EUA, que submete o planeta à sua estratégia militar e a seus
interesses econômicos.
Isso não é apenas um fato. É também uma teoria. Basta conferir o que
propõe Robert Cooper, conselheiro político de Tony Blair (Jornal do
Brasil 5/5/2002, p. 21). Ele defende que o mundo se encontra dividido
entre Estados pré-modernos (Somália, Afeganistão), modernos (China,
Índia) e pós-modernos (União Européia e EUA). E, sem nenhum pudor,
afirma o diplomata de Sua Majestade: "Quando lidamos com Estados mais
fora de moda (grifo dele), de fora do pós-moderno continente europeu,
temos que regredir para os duros métodos de uma era anterior força,
ataques preventivos, engodos (grifo meu), o que for necessário para
lidar com aqueles que ainda vivem no mundo do século 19, de cada
Estado por si".
José Rainha é preso por causa de uma escopeta encontrada no fusca que
lhe deu carona, mas o conselheiro do primeiro ministro britânico
sequer é denunciado à Corte Internacional de Haia por crime de lesa-
humanidade e incitação ao genocídio. Ao contrário, Cooper insiste:
Entre nós, respeitamos a lei, mas quando atuamos na selva, temos que
usar também a lei das selvas. E que lei é esta? Um novo tipo de
imperialismo, aceitável para um mundo de direitos humanos e valores
cosmopolitas.
Quem, sinceramente, acredita que o american way of life é paradigma
para um mundo melhor? Cooper aponta o narcotráfico e o terrorismo
como os principais inimigos na atualidade. Não se pergunta se são
causas ou efeitos. E propõe como solução, para a nova pax americana,
o imperialismo liberal, que teria duas características: operar por um
consórcio internacional, através de instituições financeiras
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, e o que pode ser batizado de imperialismo de vizinhos.
Instabilidade ao lado representa ameaça que nenhum Estado pode
ignorar. Mas como Osama bin Laden demonstrou agora para quem não
havia percebido, hoje o mundo todo, pelo menos potencialmente, é
nosso vizinho.
Em nenhum momento o arauto do novo imperialismo se pergunta por que
há tanta fome e miséria no mundo. Por que tantos conflitos e guerras?
Por que as metrópoles européias exauriram suas ex-colônias? E muito
menos o que têm feito os EUA, nos últimos 200 anos, pelo mundo
afora...
Considero que ainda não saímos do estágio animal da humanidade, onde
predominam as relações de força, e não de justiça; de competição, e
não de cooperação; de uso da arma, e não do espírito do amor. Nesse
sentido, o futuro imediato me parece sombrio. Aos olhos do império,
tudo aquilo que não for do seu agrado será identificado como
narcotráfico e/ou terrorismo. E como é válido o engodo proposto pelo
conselheiro de Tony Blair, então todo tipo de pretexto, como as
armas biológicas que Cuba estaria fabricando, será usado para
erradicar da face do planeta os governos que resistem aos caprichos
de Tio Sam.
O Brasil, neste ano eleitoral, tem a opção de eleger um Presidente
que resgate a sua soberania. Isso certamente não interessa ao governo
Bush, que pretende ver toda a América Latina dobrar os joelhos no
genuflexório da ALCA e adorar a Estátua da Liberdade. Deles.
Nesta eleição, o voto ganha uma dimensão supranacional. Ao escolher o
novo Presidente, estaremos aprovando ou não o império liberal. Em
outras palavras, estaremos optando por ampliar ou não a nossa
liberdade, como nação e como pessoa.
* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Emir Sader, de
"Contraversões - civilização ou barbárie na virada do século", entre
outros livros.
https://www.alainet.org/en/node/105975
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