Deve o Brasil se retirar das negociações da ALCA?
14/08/2002
- Opinión
1. Os defensores da participação do Brasil nas negociações para a formação de
uma Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, ficam especialmente preocupados
e irritados com a possibilidade de o Brasil vir a se retirar dessas negociações.
Apresentam, em seu entusiasmo pan-americanista, argumentos diversos para que o
Brasil permaneça nas negociações, os quais merecem análise e resposta.
2. O primeiro desses argumentos é de que ainda não se sabe o formato final
dos compromissos da ALCA e que, portanto, é necessário negociar para criar uma
ALCA favorável ao Brasil. Este argumento é parente próximo, mas certamente não
igual àquele que afirma “Outra ALCA é possível’”.
3. Sabemos, com absoluta certeza, que a ALCA será um esquema de integração
muito mais amplo e complexo do que um acordo tradicional de livre comércio, pois
incluirá normas que determinarão não apenas o livre comércio de bens e de
serviços, mas também a desregulamentação total dos investimentos estrangeiros; o
livre acesso a compras governamentais; o tratamento mais favorável às empresas
detentoras de patentes; a defesa comercial e, finalmente, regras privilegiadas
sobre a solução de controvérsias entre Estado e investidor estrangeiro.
4. Ora, 88% do PIB total das Américas corresponde ao conjunto dos países do
NAFTA. Certamente, os três países que compõem o NAFTA, Estados Unidos, Canadá e
México, não modificarão substancialmente as regras tão arduamente negociadas e
aprovadas de sua área de livre comércio para satisfazer e incorporar a ela os
demais 31 países que representam em conjunto 12% apenas do PIB do Continente, a
esmagadora maioria deles em profunda crise social, econômica e política e,
portanto, com reduzido poder para influir, em seu favor, sobre as negociações. A
ALCA será o NAFTA ampliado, conforme prevê, de certa forma, seu artigo 2204, e
talvez com regras ainda mais favoráveis aos Estados Unidos, o que eles chamam de
NAFTA–plus.
5. Os defensores da continuidade das negociações da ALCA argumentam que, se o
Brasil delas não participar, ficará isolado dos países latino-americanos, dos
Estados Unidos e do Canadá, o que acarretaria graves prejuízos econômicos, pois
70% do nosso comércio exterior se faz com esses países, podendo inclusive
sujeitar o Brasil a retaliações americanas.
6. Ora, inicialmente, se o Brasil deseja preservar e expandir de forma
verdadeira e consistente suas relações econômicas e políticas com seus vizinhos
sul-americanos (e mesmo com os países centro-americanos), poderá ampliar
vigorosamente os acordos que com esses países mantêm no âmbito da ALADI e assim,
ao invés de se isolar, o Brasil se aproximará deles, de imediato.
7. Há dois contra-argumentos que se apresentam a esta idéia. O primeiro
afirma que somente se poderia negociar tal ampliação de acordos em conjunto com
os demais parceiros do Mercosul, devido à existência da Tarifa Externa Comum, a
TEC, o que seria difícil, pois os parceiros do Mercosul resistem à abertura do
mercado brasileiro, pois não desejam sofrer nele a concorrência de empresas de
outros países latinos. O segundo contra-argumento é de que a abertura do mercado
brasileiro, através de acordos tipo ALADI, prejudicaria nossas empresas, que
enfrentariam nova concorrência.
8. Os dois contra-argumentos são frágeis. A TEC hoje em dia é uma verdadeira
“peneira”, tal o número de “perfurações”, i.e. de exceções à tarifa comum.
Segundo, é necessário superar a situação atual em que o “rabo (Argentina,
Uruguai e Paraguai) abana o cachorro (Brasil)”, sem qualquer proveito maior para
o cachorro. Hoje, a política comercial (e a política econômica em geral)
brasileira é refém dos interesses argentinos, uruguaios e paraguaios (que são
distintos dos brasileiros), sem maior vantagem para o país, pois o poder
negociador do Brasil não se ampliou com a aliança com parceiros que não perdem
ocasião para confrontar as posições brasileiras em todos os foros, como ocorreu
com a Argentina em todo o seu longo período de “relações carnais” com os Estados
Unidos. É necessário reorientar a política econômica externa em torno da meta
estratégica central de criar um bloco sul-americano a partir da abertura
controlada, sem exigir reciprocidade, do mercado brasileiro às exportações dos
vizinhos sul-americanos. Acordos semelhantes aos da ALADI podem ser negociados
com os países centro-americanos ainda que tenham eles mercados insignificantes
que diferença nenhuma fariam, abertos ou fechados, para as exportações
brasileiras.
9. O segundo contra-argumento é, para dizer o mínimo, curioso. Temem as
empresas brasileiras a concorrência das modestas empresas sul-americanas, mas
não temem a concorrência devastadora das megaempresas multinacionais americanas,
as maiores e mais dinâmicas do mundo, que decorreria de nossa participação na
ALCA. Segundo, não faz sentido esse contra-argumento porque os acordos tipo
ALADI podem ser negociados de forma muito mais controlada incluindo a fixação de
quotas etc. Aqueles que tanto desejam a ALCA deveriam aceitar a idéia de
integrar o mercado sul-americano e assim testar a capacidade competitiva de
nossas empresas antes de partir para vôos temerários e fadados à catástrofe sem
volta.
10. A abertura gradual e controlada, sem exigir reciprocidade, para as
exportações de bens efetivamente produzidos (confirmada a produção por
certificados de origem e fiscalização) nos países sul-americanos seria o
instrumento estratégico político essencial para acelerar a formação de um bloco
sul-americano. É tal a assimetria econômica e tecnológica entre o Brasil e seus
vizinhos que a negociação comercial e econômica, com exigência de reciprocidade,
esbarra na sua pequena diversidade produtiva e da pauta de exportações.
11. A não participação do Brasil nas negociações da ALCA e a eventual
celebração de uma “ALCA sem o Brasil” ou de acordos de livre comércio bilaterais
entre os Estados Unidos e cada um ou alguns dos demais países latino-americanos
não deve assustar o Brasil, em termos da qualidade de nossas relações econômicas
com os Estados Unidos, ou de nossa posição no mercado daqueles países latino-
americanos. O fato, por exemplo, de o México ter integrado o NAFTA a partir de
1994 não reduziu as exportações brasileiras para lá, as quais, aliás,
aumentaram. Poderia o Brasil celebrar com cada um desses países um acordo de
livre comércio com as mesmas condições alcançadas pelos Estados Unidos e assim
preservar nossa posição competitiva.
12. Segundo, são de tal forma variados e importantes os vínculos e os
interesses americanos no Brasil, ocasião e lugar para importantes oportunidades
de investimento e de lucros muito significativos para suas megaempresas, que não
teriam os Estados Unidos jamais interesse em “sancionar” o Brasil por não
desejar participar de uma ALCA, nem o direito de fazê-lo porque não há nenhuma
norma de direito internacional que obrigue um país a negociar ou a participar de
um esquema de integração econômica com qualquer país, norma em que pudessem os
Estados Unidos se apoiar. Qualquer medida retaliatória americana seria
facilmente derrotada na OMC onde teríamos o apoio de todos os países membros,
tal sua ilegalidade e arbítrio. Nossas relações com os Estados Unidos podem ser
bem conduzidas bilateralmente, através de negociações diretas bilaterais para
reduzir obstáculos específicos ao comércio ou multilateralmente no âmbito da
OMC, onde a posição negociadora brasileira é muito mais forte do que no âmbito
da ALCA, devido aos interesses e ao peso político de outros países-membros com
os quais poderíamos nos aliar.
13. Outro argumento dos defensores da ALCA é de que as negociações da ALCA
seriam a única possibilidade de abrir o mercado dos Estados Unidos para as
exportações brasileiras, em especial para as exportações agropecuárias, que
seriam altamente competitivas.
14. Este argumento é igualmente frágil, por três motivos. Primeiro, é possível
abrir o mercado americano, de forma adequada, para os produtos que nos
interessam através de negociações bilaterais ou no âmbito das negociações da
OMC. Muitos dos produtos brasileiros já entram livres de direitos nos Estados
Unidos, inclusive devido ao interesse americano (como no caso de produtos
primários como o café) e segundo, não nos interessa obter livre acesso
permanente para todos os produtos da pauta, pois muitos deles simplesmente não
fabricamos. Os obstáculos que enfrentam nossos exportadores são localizados,
específicos, agravados pela legislação de defesa comercial americana, que,
aliás, a lei de Trade Promotion Authority (TPA) determinou que não pode ser
objeto de negociação. No caso dos produtos da agropecuária, os interesses da
agricultura americana, sua representação política no Congresso, as difíceis
relações comerciais agrícolas dos Estados Unidos com a União Européia e as
recentes leis americanas que mantiveram e ampliaram os subsídios à agricultura e
o TPA, que dificulta ou impede as negociações de numerosos produtos de interesse
brasileiro, como o açúcar e o tabaco, indicam claramente que a ALCA não é nem
pode ser a estratégia adequada para a expansão do comércio exterior brasileiro.
15. Outro argumento dos defenso˜Ü¯ˆË×
https://www.alainet.org/en/node/106327
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