A herança envenenada de FHC
11/02/2003
- Opinión
Há mais de quatro anos, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança), do Ministério da Ciência e Tecnologia, "aprovou" a
primeira liberação comercial de um produto transgênico no Brasil, a
soja resistente ao herbicida Roundup (ambos, semente e herbicida,
produzidos pela multinacional americana Monsanto).
Imediatamente, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)
e o Greenpeace Brasil questionaram juridicamente a competência legal
da CTNBio. A Justiça deu ganho de causa às ONGs, considerando que,
pela Lei de Biossegurança, essas liberações cabem aos Ministérios da
Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura e que à CTNBio apenas
compete aconselhar o governo. A Constituição exige a realização de
estudos de impacto ambiental avaliados pelo Ibama, anteriores à
liberação de transgênicos no meio ambiente.
Apesar de a Monsanto e os ministros de FHC afirmarem que esses
produtos são inócuos e seguros, eles não responderam às exigências da
Justiça, de realizar estudos de impacto e apelaram ao Tribunal
Regional Federal, em Brasília.
O governo FHC pressionou juízes e baixou medidas provisórias para
fortalecer a CTNBio. Criminosamente, não reprimiu o contrabando de
sementes transgênicas oriundas da Argentina para o Rio Grande do Sul
nem os plantios clandestinos e ostensivos naquele Estado. Fechou os
olhos para os produtos contaminados com transgênicos e vendidos
livremente no país e pressionou o Conselho Nacional do Meio Ambiente
para evitar rigor nos estudos de impacto ambiental dos transgênicos.
Paralelamente, a Monsanto gastou rios de dinheiro com propaganda na
mídia, seminários para potenciais "formadores de opinião" e lobby
para parlamentares votarem um projeto de lei favorável à liberação
facilitada dos transgênicos.
A imprensa em geral tratou as entidades e cientistas que pediam
precaução aos transgênicos como dinossauros, inimigos da ciência,
ecoterroristas, vendidos às empresas de agrotóxicos e inimigos do
progresso. O mesmo tratamento que deram aos que se opuseram à ração
que deu origem à incontrolável doença da vaca louca.
O tempo mostrou que a razão estava entre os que pediam prudência.
Inúmeros problemas têm surgido nos cultivos transgênicos nos EUA -
torna-se claro que o Brasil deve rejeitar esses cultivos até mesmo
para aproveitar o mercado cativo de produtos livres de transgênicos
que a Europa e a Ásia nos abrem.
A insistência das empresas multinacionais em liberar as sementes
transgênicas está ligada unicamente à sua necessidade de aumentar o
lucro. Pois apenas dez empresas controlam essas sementes em todo o
mundo. E as sementes transgênicas não estão ligadas ao aumento da
produtividade, mas, sim, ao necessário uso de agrotóxicos produzidos
pelas mesmas empresas! Por outro lado, como o mercado consumidor é
cada vez mais cuidadoso com a saúde, uma agricultura brasileira livre
de transgênicos tomaria o mercado das multinacionais dos EUA.
A vitória do povo brasileiro nas ultimas eleições, pedindo mudanças,
deu forças para que seja revisada também a politica em relação aos
transgênicos.
E representou um duro golpe aos interesses da Monsanto, que antes
contava com muitos aliados dentro do Palácio do Planalto. Vale
lembrar que a empresa conseguiu liberar junto à Sudene um empréstimo,
para construir uma fábrica de venenos em Camaçari (BA), de
aproximadamente US$ 250 milhões, dinheiro que seria destinado ao
desenvolvimento do Nordeste. A Monsanto acreditava que dobraria as
resistências da sociedade brasileira "cooptando" o governo e outros
Poderes. Felizmente, foi derrotada. A luta da sociedade brasileira,
por meio de suas entidades e movimentos sociais, barrou até agora os
transgênicos no Brasil, e as ações da Monsanto caíram 60%.
Se as eleições representaram uma posição clara por mudanças,
infelizmente a composição do ministério do novo governo manteve uma
posição ambígua em relação à liberação dos transgênicos. E alguns
ainda não entenderam o resultado de outubro.
A União ainda é sócia (pasmem!) da Monsanto no recurso que será
julgado no TRF. A safra gaúcha -contaminada por transgênicos devido
à omissão de FHC- começa a ser colhida em março, e não há definição
de como tratar esse descalabro, que custará (ao governo? aos
produtores? à sociedade?) mais de US$ 1 bilhão e, talvez, o lugar
privilegiado do Brasil no mercado internacional de alimentos não-
transgênicos. Enfrentar essas e outras questões exigirá do governo
esforço coordenado entre ministérios. Há medidas urgentes a tomar,
como orientar a Advocacia Geral da União para retirar o governo do
recurso solidário com a Monsanto no TRF. As entidades dos pequenos
agricultores, da sociedade civil, das igrejas e de agricultura
ecológica exigem uma clara definição do novo governo.
* João Pedro Stedile, 49, é coordenador do MST e da Via Campesina
Brasil.
* Jean Marc von der Weid, 56, é coordenador da Articulação Nacional
pela Agroecologia e da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.
Artigo publicado na Folha de S.Paulo em 11/2/2003
https://www.alainet.org/en/node/106945?language=es
Del mismo autor
- Los dilemas populares en tiempos de crisis del capitalismo 05/11/2021
- Notas sobre as eleições municipais depois do segundo turno 01/12/2020
- Minhas palavras ao ministro Gilmar Mendes 19/08/2020
- Salve o centenário de Florestan Fernandes e Celso Furtado! 16/07/2020
- Medidas de emergência de reforma agrária para enfrentar a crise 05/06/2020
- Em defesa da vida do povo, mudar o governo! 30/04/2020
- Salvar vidas, reorganizar a economia e derrotar Bolsonaro 01/04/2020
- O poder político das empresas de agrotóxicos 02/03/2020
- Um raio-X da oposição direitista da Venezuela 20/01/2020
- Os retrocessos do governo na política agrária, agrícola e ambiental 02/01/2020
Clasificado en
Soberanía Alimentaria
- Gerson Castellano, Pedro Carrano 30/03/2022
- Silvia Ribeiro 29/03/2022
- Germán Gorraiz López 28/03/2022
- Silvia Ribeiro 16/02/2022
- Clara Sánchez Guevara 15/02/2022