O BID e o desemprego no continente

28/10/2003
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Em 20 e 21 de outubro, em conferências sucessivas realizadas em Brasília e Washington, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) divulgou um acalentado estudo sobre a explosão do desemprego na década de 90. O documento, intitulado "Procuram-se bons empregos: o mercado de trabalho na América Latina", confirma o desastre causado pela aplicação do receituário neoliberal na região – apesar do BID, um dos algozes deste projeto, não apresentar sequer uma singela autocrítica. Pelo contrário, o banco ainda propõe novas medidas regressivas, persistindo na brutal ofensiva do capital pela precarização do trabalho. Segundo a pesquisa elaborada por uma equipe de 55 especialistas, a taxa média de desemprego aberto na região já supera a casa dos 10% da força de trabalho; outros 45% dos trabalhadores latino-americanos se encontram no mercado informal, sem qualquer proteção social; um em cada dois ocupados recebe salário insuficiente para tirar a família do nível de pobreza; um em cada quatro assalariados troca de emprego por ano; e as mulheres ganham em média 26% a menos do que os homens – no Brasil este índice é ainda mais aviltante, com a diferença salarial atingindo 46,78%. A dedução do estudo, não reconhecida pelos glaciais tecnocratas do banco oficial, é taxativa: o neoliberalismo agravou a degradação do trabalho no continente. O próprio documento, de maneira sinuosa, admite que o violento processo de abertura comercial, imposto pelos organismos financeiros mundiais (inclusive pelo BID), gerou quebradeira das empresas nacionais e, conseqüentemente, aumento do desemprego, redução dos rendimentos e perda de benefícios trabalhistas. Os mesmos efeitos perversos foram sentidos pela ofensiva de privatização das estatais. A brutal retração da econômica, decorrente das orientações recessivas, e a introdução de novas tecnologias, sem qualquer compensação social, também são apontadas como causas da explosão do desemprego na América Latina. Num outro estudo, divulgado na mesma semana, a corretora Alliance Capital, sediada em Nova Iorque, apontou que o Brasil foi o país mais afetado pela redução de postos de trabalho nas indústrias. Entre 1995 e 2002, a queda registrada nas fábricas foi de 19,9% das vagas. "As empresas passam por um processo de reestruturação. Isto significa que, mesmo com mais crescimento, não teremos o aumento proporcional do número de empregos", argumenta Joseph Carson, diretor de pesquisa da corretora. No extremo oposto, no entanto, a própria Alliance afirma que a produtividade cresceu, em média, 30% nas indústrias capitalistas – o que significa que, ao mesmo tempo, o trabalho foi penalizado e o capital elevou a sua lucratividade! DESPROTEÇÃO DO TRABALHO Diante deste cenário dantesco, o pior é o remédio recomendado pelos verdugos das finanças. O BID não vacila em sugerir uma ainda maior flexibilização dos direitos trabalhistas na América Latina. Na miopia dos banqueiros, as cláusulas legais de proteção ao emprego são "excessivas", reduzem a produtividade e estimulam o mercado informal; já os sindicatos seriam um estorvo para o livre mercado. Na revista Idea, de setembro/dezembro de 2003, o departamento de investigação do BID chega a afirmar que "a legislação trabalhista dos países da região tende a ser excessivamente reguladora" e que "o trabalho de negociação dos sindicatos em favor de seus membros afeta a eficiência das empresas". Haja cinismo! Já no texto "O emprego informal na América Latina: causas, conseqüências e recomendações", Samuel Freije, um renomado especialista do BID, apresenta, de forma nua e crua, as seguintes dicas para futuras reformas trabalhistas: "É preciso eliminar ou reduzir os salários mínimos, as indenizações por dispensas e os impostos, que já demonstraram terem efeito prejudicial sobre o emprego porque geram forte incidência sobre o custo dos empresários e porque os empregados não valorizam os serviços sociais financiados". Ele ainda propõe maior investimento público na formação profissional. "Os cursos devem ensinar todas as habilidades necessárias para a prática no mercado". Quanta bondade do capital financeiro! Não é de se estranhar que o vice-presidente do BID seja Paulo Paiva, o primeiro ministro do Trabalho de FHC. No início da triste "era tucana", ele apresentou projeto pregando a simples extinção do artigo 7o da Constituição, que em seus 34 parágrafos fixa os direitos trabalhistas no país. Agora que se rediscute uma nova reforma no Brasil, vale recordar as propostas do atual homem forte do BID. Na ocasião, no início de 1995, Paiva listou as principais metas de FHC: "1) flexibilização dos direitos sociais; 2) implantação do contrato coletivo de trabalho; 3) redução de encargos trabalhistas; 4) eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho; 5) fim da contribuição sindical compulsória; 6) introdução do pluralismo sindical". Na época, fruto da pressão dos sindicatos e da resistência dos partidos de esquerda, tamanha perversidade não vingou. Mas agora, novamente sob os auspícios do BID, esta agência do neoliberalismo internacional, é previsível que haja uma nova carga de pressão sobre o governo para desregulamentar as leis trabalhistas no Brasil. Diante da atual correlação de forças adversas ao mundo do trabalho e da natureza contraditória do governo Lula, o sindicalismo brasileiro precisa acender o sinal amarelo! Mesmo fragilizado, o projeto neoliberal continua hegemônico no planeta e a sua ofensiva contra o direito ao trabalho é violenta. Não se pode ter qualquer dúvida sobre o poder de pressão dos banqueiros internacionais. O jogo será pesado! * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor, com Marcio Pochmann, do livro "Era FHC: A regressão do trabalho" (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/en/node/108685
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