"Segurança nacional" e reforço da ocupação no Iraque:
O binômio da política dos EUA
15/09/2004
- Opinión
A mídia ocidental dedicou a maior parte do seu espaço nos
últimos dias à "deriva autoritária de Putin", depois do anúncio
de um pacote de medidas de segurança interna e reforma política
na seqüência do criminoso atentado de Beslan. A Casa Branca
também se ocupou do assunto e emitiu comunicado demonstrando
preocupação com os desdobramentos políticos na Rússia.
Quase nada, porém, foi dito a respeito da aprovação por
unanimidade pelo Senado dos Estados Unidos de uma dotação
orçamentária de 36 bilhões de dólares para reforçar a "segurança
nacional" no ano fiscal de 2005, assinalando um incremento de 6
bilhões de dólares em comparação com o exercício anterior.
Enquanto isso, o embaixador estadunidense em Bagdá, John
Negroponte, está propondo transferir as verbas previamente
alocadas para obras de água, esgoto e geração de energia
elétrica no Iraque para o treinamento das forças de segurança do
país sob ocupação norte-americana.
O reforço do Departamento de Segurança Interna atinge de cheio a
democracia americana. Embora não esteja no horizonte uma mudança
de caráter institucional no sistema político norte-americano, a
criação de tal departamento, que constituiu a maior reforma
promovida nos órgãos de governo desde Truman, atinge direitos
civis e liberdades individuais. Trata-se de um Leviatã, um big-
brother que concentrará toda a atividade de inteligência,
espionagem e repressão, com amparo na chamada Lei Patriota. O
círculo dominante hoje nos Estados Unidos está obcecado pela
idéia da segurança nacional que será doravante o aspecto central
da administração governamental. É uma das idéias-força da
plataforma do Partido Republicano, aprovada na última convenção,
documento que se agrega ao que se convencionou chamar de
"doutrina Bush".
Quanto à transferência de recursos da reconstrução civil para o
treinamento de forças de segurança no Iraque, estamos na
presença de medidas ligadas à atual estratégia norte-americana
no país árabe que consiste em combinar a presença militar dos
Estados Unidos no longo prazo com a atribuição de tarefas
repressivas também ao governo fantoche. Os agressores
imperialistas têm clara a noção de que se encontram empantanados
no Iraque, sofrendo seguidas derrotas. O Centro de Estudos
Internacionais e Estratégicos dos Estados Unidos concluiu em
recente estudo que "dois meses depois que os Estados Unidos
transferiram a soberania para um governo iraquiano interino, o
Iraque continua envolto em uma insurreição, com problemas de
segurança ofuscando outros esforços para reconstruir a frágil
sociedade iraquiana em áreas como governança e participação,
oportunidades econômicas, serviços e bem-estar". O relatório
reconhece que "O Iraque não será um sucesso por um longo
período" e recomenda que o governo norte-americano deve
"acelerar e melhorar o treinamento de instituições de segurança
iraquianas, formar mais unidades conjuntas com a liderança nas
mãos de iraquianos e manter soldados americanos no horizonte
para poder responder rapidamente às contingências".
O reconhecimento das dificuldades da ocupação e de que sua
manutenção requer uma estratégica de longo prazo põe a nu aquilo
para o que os analistas mais lúcidos da cena internacional já
tinham advertido – a intervenção-ocupação norte-americana no
Iraque resultou em rotundo fracasso político, militar e moral. A
impressão de uma vitória relâmpago se esfumou com uma rapidez
inimaginável mesmo para o mais cáustico opositor da política de
guerra da Casa Branca. Quase simultaneamente com o patético
anúncio de Bush sobre o "final vitorioso" da guerra, eclodiram
as primeiras ações de uma inusitada resistência, tão forte e
generalizada que o presidente da superpotência imperialista foi
obrigado a reconhecer – "estamos em guerra" – e agora centros de
estudo como o citado acima admitem estar enfrentando uma
"insurreição". Os observadores mais imparciais da cena
internacional e mesmo aqueles condescendentes com os desatinos
do governo de Washington têm sido unânimes na constatação de que
"Bush ganhou a guerra, mas perdeu a paz". O número de soldados
estadunidenses mortos já ultrapassa os mil e não passa dia sem
que ocorram dezenas de escaramuças entre o exército de ocupação
e as forças da resistência.
O maior envolvimento de autoridades iraquianas nesse
enfrentamento é mais um sinal de fraqueza e desespero das forças
de ocupação, que enquanto isso praticam atos de barbárie, o
massacre de civis, pelo que um dia ainda terão de prestar contas
à justiça internacional e sofrer uma punição à altura. A
solidariedade com o povo iraquiano requer uma elevação de tom na
condenação aos crimes cometidos pelo exército de ocupação dos
EUA.
* José Reinaldo Carvalho é Jornalista.Vice-Presidente do Partido
Comunista do Brasil –PCdoB, responsável pelas Relações
Internacionais e Diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade
aos Povos e Luta pela Paz- Cebrapaz.
https://www.alainet.org/en/node/110554
Del mismo autor
- Há 58 anos, o golpe militar aniquilou a democracia, os direitos do povo e a soberania nacional 31/03/2022
- Os EUA querem dar lições aos outros, mas são o país que mais viola os direitos humanos no mundo 21/04/2021
- Política de Biden aumenta tensões internacionais e levanta o alerta em movimentos de solidariedade 19/03/2021
- Intentona golpista expõe as vísceras de um império em acentuado declínio 07/01/2021
- Não tira não, Mr. Pompeo 21/09/2020
- A China se apresenta no ‘front’ militar como fator de paz 04/08/2020
- China versus EUA: um confronto que pode durar décadas 27/07/2020
- Governo Bolsonaro quer ir à guerra contra a Venezuela 16/07/2020
- China e Rússia firmam aliança contra ameaças dos EUA 13/07/2020
- Por que Netanyahu ainda não executou a anexação da Palestina 09/07/2020