A quem interessa os transgênicos?
19/09/2004
- Opinión
A questão dos transgênicos volta ao centro dos debates nacionais
com a proximidade do plantio da soja e da votação da Lei de
Biossegurança no Senado da República. É importante recuperar o
centro do debate.
O projeto de lei que está em debate no senado não é contrário à
liberação dos transgênicos, muito menos limitador à continuidade
das pesquisas sobre os mesmos. Apenas cria e garante condições
básicas de biossegurança - salvaguardas de proteção à saúde
humana e ao meio ambiente - como condição para a liberação
comercial ou normas de uso quando aptos e liberados para uso
comercial.
O lobby das grandes indústrias multinacionais como apoio de
alguns ingênuos de plantão (acompanhados de plantonistas nada
ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo de controle.
Para isto defendem:
- Todos os poderes à CTNBio;
- Nenhum teste de campo em solo nacional;
- Anulação da funções legais da ANVISA e do IBAMA;
- Nenhuma rotulagem;
- Livre cobrança de royalties sem nenhum controle;
- Porteiras abertas para as multinacionais monopolizarem
as sementes e insumos agrícolas.
Os Poderes da CTNBio
A CTNBio ( Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) é um
colegiado de cientistas que se reúne esporadicamente para dar
pareceres e emitir decisões sobre autorização de pesquisas e
liberações comerciais de organismos geneticamente modificados,
entre eles, os transgênicos.
É uma Comissão Técnica, sem estrutura orgânica e administrativa
para acompanhar testes ou mesmo se suas determinações estão
sendo corretamente executadas. Seus membros não são remunerados
nem profissionalizados para o cumprimento das tarefas em tempo
integral. Como um Comitê de cientistas e especialistas em várias
áreas do conhecimentos afeitos à questão seu parecer é muito
importante à luz dos conhecimentos até então acumulados.
Mas transferir-lhes poderes absolutos para decisões definitivas
sobre uma tecnologia tão controversa como os transgênicos, sem a
mínima estrutura de acompanhamentos, avaliação e fiscalização de
campo, é uma aventura e uma temeridade, inclusive para os
cientistas que a compõe.
O Medo dos Testes
Os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil foram
"engenheirados" ( produzidos em laboratório com técnicas de
engenharia genética) em países do norte do planeta, a maioria
nos Estados Unidos, em regiões de climas frios e pouca
variabilidade biológica e utilizando material genético de
bactérias e vírus adaptados a estes ambientes. Nosso clima é
tropical e sub-tropical, nossa biodiversidade é enorme, a
microbiologia de nossos solos é diferente e a interação entre os
microorganismos também é diversa. Por isto que estes produtos
precisam ser testados aqui, com testes sérios e independentes e
avaliados com todo o pacote tecnológico e tratos culturais a que
serão submetidos em estado real quando cultivados a campo.
Não bastam os relatórios de lá e não bastam as informações da
empresa interessada. São insuficientes as informações dos
cientistas pagos pelas empresas donas da tecnologia. Precisam
ser testados por quem tem atribuição legal para tanto e se
responsabiliza judicialmente pelo que escreve nos relatórios
oficiais. E isto cabe, pela legislação brasileira, à ANVISA (
Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no que tange à Saúde;
ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) no que tange
aos efeitos no solo, na água e natureza em geral; ao Ministério
da Agricultura no que tange à certificação das sementes e ao
Ministério da Pesca no que tange a reprodução de peixes
transgênicos.
É difícil entender porque tanto medo destes testes em solo,
clima e meio ambiente brasileiro. Será porque os próprios
promotores dos transgênicos já sabem que há sérios problemas,
aliás já alertados por inúmeros cientistas independentes em
várias partes do mundo? Quem não deve, não teme. E onde tem
fumaça, tem fogo.
O Fim do Primeiro Encanto
Não há mais grandes entusiasmos com a soja transgênica no Rio
Grande do Sul. Ainda não começou o desencanto, mas não tem mais
o encanto inicial. Os custos subiram. Navios voltaram. Os preços
caíram. A eficácia do roundup diminui ano a ano. Novas pragas
surgiram. Os pomares e hortas próximos da soja envenenada
minguam. A transgênica sofreu mais com a estiagem. A cobrança de
royalties era verdade e não invenção dos inimigos da tecnologia.
A onda de fanatismo que cegou a tantos está dando lugar a uma
avaliação mais serena e mais pé no chão. Algumas multinacionais
querem monopolizar de ponta a ponta as principais cadeias
produtivas de alimentos. O controle da indústria de sementes e
de insumos é estratégico para alcançar este objetivo.
No polo oposto da dialética, uma nação com enorme potencial
agrícola como o Brasil, tem que pautar seu desenvolvimento rural
nas potencialidades de sua enorme agrobiodiversidade, em seus
sistemas camponeses de produção e convivência com os
agroecosistemas locais e na independência tecnológica,
científica, industrial e comercial nesta área vital para nossa
soberania e nosso desenvolvimento.
O Pavor do Rótulo
Parte da indústria de alimentos diz-se favorável aos
transgênicos, mas foge do rótulo como o diabo da cruz. Mas se os
transgênicos são tão bons e seguros, porque tanto medo do
rótulo? Porque não fazem disto um mote propagandístico: "coma
transgênico, é seguro, saboroso e barato?"
A rotulagem ainda não chegou às prateleiras dos supermercados
brasileiros, mesmo transformada em lei há mais de um ano.
O que está em disputa são dois modelos de desenvolvimento rural:
um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes grupos
multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos
insumos químicos e o outro centrado nas pequenas e média
unidades de produção agropecuária, organizado em redes de
cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais,
empresas públicas estratégicas e baseados na diversificação
produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas.
Esta disputa de fundo é que guia as disputas imediatas. As
multinacionais do agronegócio sabem o que querem e onde querem
chegar. Os transgênicos são apenas mais uma importante frente de
batalha para elas e para os que querem um Brasil soberano, com
uma agricultura camponesa forte produzindo alimentos saudáveis e
variados em grande quantidade para nossa população e para o
mundo.
*Frei Sérgio Antônio Görgen é dirigente do MPA (Movimento dos
Pequenos Agricultores) e deputado estadual do PT-RS).
MST Informa nº 74, Ano IV - nº 74
segunda-feira, 20 de setembro de 2004
segunda-feira, 20 de setembro de 2004
https://www.alainet.org/en/node/110562
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